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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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ELIO GASPARI

Uma tunga para os clientes dos planos de saúde

Cozinha-se na Agência Nacional de Saúde Suplementar a criação do FGBPS, ou Fundo Garantidor de Beneficiários de Planos de Saúde. Num país onde a patuléia aguenta uma carga tributária de 36% do PIB para sustentar um Estado que não presta serviços adequados de saúde, educação e segurança, as pessoas que se protegeram nos planos privados (34,5 milhões de cidadãos) arriscam-se a tomar mais um tributo.
As burocracias pública e privada chamam de "beneficiários de planos de saúde" as pessoas que compram um serviço e pagam por ele. Não são beneficiários de coisa nenhuma. São clientes, como o doutor Januário Montone, diretor da ANS, não é beneficiário do restaurante onde almoça, é freguês.
Está pronta uma "minuta para discussão" de um projeto de lei pelo qual a choldra pagará 1% de uma prestação mensal para engordar o fundo. Não é muito dinheiro, é apenas o precedente, daqueles que ecoam a CPMF e o Finsocial, que engordaram e mudaram de propósito. O cidadão que paga R$ 500 por mês contribuirá com R$ 5 anuais. Num mercado de R$ 26 bilhões, isso rende R$ 22 milhões por ano. É um custo adicional às taxas pagas pelas empresas para sustentar a máquina de fiscalização do governo sobre o setor dos planos de saúde. Hoje, pode-se estimar que, para cada R$ 100 que uma pessoa paga pelo seu plano privado de saúde (consequência da má qualidade da saúde pública), mais ou menos R$ 10 vão custear burocracias de todas as crenças. A ANS, sozinha, leva cerca de R$ 1,50 anuais de cada "beneficiário".
Em tese, o FGBPS destina-se a permitir a transferência das vítimas de planos insolventes para novas carteiras, em empresas sólidas. Como todas as tungas, faz sentido. A questão está em outro lugar. Em vez de mostrar ao público que boa parte dos planos de saúde são contos do vigário, a ANS procura administrar as crises em silêncio. Não existe plano de saúde capaz de dar serviços razoáveis por menos de R$ 90 por mês para pessoas de até 20 anos e de R$ 200 para pessoas na faixa dos 50 anos. Quem paga menos finge que compra um atendimento que a empresa finge que vende. Pode-se calcular que, de cada três planos de medicina privada, um esteja mal das pernas e os dois outros arriscam fechar 2002 no prejuízo.
Há nesse mercado empresas sérias, com clientes racionais, que pagam caro pela sua segurança porque sabem que caro ela custa. É desse grupo que vão tomar um dinheirinho para o FGBPS, o Foste Garfado Bonito pela burocracia da Saúde. Vão dizer que há uma crise e que o fundo destina-se a conjurá-la. Na verdade, há crise porque a burocracia só conhece uma maneira de tapar buracos: tungando a escumalha.

Conta certa
Uma voz de quem sabe:
As contas não declaradas de brasileiros no exterior somam US$ 100 bilhões.
Se o governo oferecer uma anistia fiscal, voltam US$ 10 bilhões.

Banco da sogra
Alguém precisa avisar Lula de que o Banco do Brasil não é propriedade do governo, como a Granja do Torto. É uma empresa como qualquer outra, na qual a Viúva é apenas acionista majoritária. A menos que o banco cobre um aluguel e a Presidência pague pelos serviços que venha a receber, Lula não tem direito a montar um gabinete na sede paulista do BB. O tucanato, impropriamente, usava um andar da sede do banco. Se fosse para repetir as impropriedades tucanas, o PT podia continuar na oposição.
O ministro do Planejamento, Guido Mantega, já está usando a sede do BB como base logística para seus despachos em São Paulo.Tanto Mantega como Lula podem recorrer ao patrimônio imobiliário do governo federal. Ademais, Mantega sempre viveu em São Paulo, onde fez excelente carreira (com escritório próprio) sem usar a burocracia de banco estatal. Como há presidentes e ministros que pensam que o Banco do Brasil pertence aos seus governos, ele quebra a cada 20 anos.

Boa notícia
Há alguns dias o novo secretário de Relações do Trabalho, Remígio Todeschini, reuniu-se com uns 50 sindicalistas para discutir os projetos do governo. Terminada a reunião, foi para um quadro negro, escreveu o seu endereço eletrônico e informou:
"Quem precisar pode se comunicar comigo".
Parece pouco, mas é muito.

A vida de Verger, o babalaô Fatumbi
Um bom livro sobre um fantástico personagem e um grande assunto. É "Verger - Um retrato em preto e branco", de Cida Nóbrega e Regina Echeverria. Conta a vida do fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger, o babalaô Pierre Fatumbi Verger, de Queto, ou Xangowumi, de Saketê, no Benin. Ou ainda Oju Obá, do terreiro da ialorixá Senhora, de Salvador.
Verger morreu em 1996, aos 93 anos, na sua amada Bahia. Viu o mundo e o século como poucos. Nasceu na burguesia parisiense, foi expulso de dois colégios em Paris, viveu com um namorado na Polinésia. Pedalou pela Espanha e pela Itália, passou pela guerra civil chinesa e fotografou Trótski no México. Viu tanta coisa antes de completar 30 anos que decidiu não viver além dos 40.
Em 1946 essa mistura de fotógrafo, andarilho e curioso instalou-se em Salvador. Tornou-se o primeiro pesquisador a trabalhar com as comunidades negras da Bahia e do Benin. Tornou-se um sacerdote do candomblé, escreveu um clássico da historiografia do tráfico de escravos ("Fluxo e Refluxo") e um catálogo de plantas da sociedade iorubá ("Ewé").
Tinha tudo para ser folclórico (às vezes, cobria-se com vestes africanas), mas foi o mais reservado dos baianos famosos de seu tempo. Talvez ACM não diga de outra pessoa o que diz dele: "Era um homem muito fino, que sabia te manter distante. No teu lugar".
Foi um asceta e demarcava sua identidade ao seu gosto. Fez-se fotografar com uma tanga ancestral numa praia da Córsega em 1932 e foi expulso de outra, em 1954, em Salvador. Nesse Brasil de apo$entado$, con$elheiro$ e optante$, Verger saiu da Universidade Federal da Bahia, compulsoriamente, aos 91 anos.
A reserva do biografado, bem como a sua vontade de fazer o que dava na telha (detestar telefone, por exemplo), foi sua marca e, felizmente, dessa biografia. Caso raro e feliz em que uma vida é contada no tom de quem a viveu.

A privataria quer se internar no cofre
A Eletropaulo deixou de pagar uma conta de US$ 85 milhões ao BNDES e agora quer que a velha e boa casa de penhores do Largo da Carioca hospitalize sua dívida de US$ 1,1 bilhão. A concessionária de energia de São Paulo pertence à empresa americana AES. Acompanhando-se esse calote, pensa-se que essas empresas precisam da Viúva para preservar suas atividades produtivas. Lorota. Quando o BNDES socorre empresas endividadas que não honram seus compromissos financeiros, o dinheiro da Senhora é usado para ajudar bancos privados a se livrar de maus empréstimos. Trata-se de uma centralização dos micos no BNDES, permitindo que os banqueiros se livrem dos maus papéis de suas carteiras.
Nos Estados Unidos, sede da AES e pátria do dinamismo capitalista, não tem BNDES. Lá, em 2002 os bancos tomaram um calote de mais de US$ 500 bilhões, com dívidas de empresas (US$ 23 bilhões só com a Worldcom, a da Embratel). Estima-se que nos próximos nove meses miquem com mais US$ 400 bilhões. É coisa de quase US$ 1 trilhão, muito mais que o PIB brasileiro.
Não passa pela cabeça de empresa americana pedir socorro ao governo para escapar de dívidas. Os bancos que afrouxaram seus critérios, tomaram riscos exagerados ou mesmo tiveram pouca sorte tomam cano. Pelos sadios costumes americanos, no ano passado a Bell South não pagou uma dívida de US$ 375 milhões de sua subsidiária brasileira, concessionária de celulares em São Paulo.
As pessoas que consumiram os oito anos do tucanato reclamando do modelo incompetente e predatório de privatização das empresas elétricas e das ferrovias devem se preparar para o segundo ato da lambança. Quando a AES, a Light e diversas ferrovias ameaçam devolver suas concessões ao governo, abrem um processo de intimidação política. Colocam a reestatização como um perigo maior que o socorro financeiro. É sempre bom lembrar que, nos anos 80, a Light foi estatizada a pedido de seus acionistas.
Quando uma concessionária encalacrada coloca a reestatização na mesa como forma de intimidação, a patuléia pode ter certeza: vai pagar mais caro pelas tarifas, receberá serviços de pior qualidade e seu dinheiro será usado para financiar gestões desastrosas e banqueiros incompetentes.
Não é justo que o BNDES hospitalize empresários malsucedidos. Ele já foi usado, e mal, com a privataria do patrimônio da Viúva. Agora está sendo chamado para socorrer os privatas que se deram mal.

Luz, mais luz
Se existe alguma peça da investigação das acusações feitas contra a administração petista de Santo André que ficou esquecida embaixo de alguma prateleira, deve-se desejar que ela apareça o mais depressa possível.
Tudo o que não se deseja é que a administração petista passe pelo processo de insinuações e fraudes que o tucanato penou. Haja o que houver, que se respeite a lição do grande jurista americano Hugo Black:
"A luz do sol é o melhor detergente".

Os Aguiar do PPS
O PT discutindo a conduta política da deputada Heloísa Helena é um bonito espetáculo, mas o PPS discutindo a conduta pessoal do deputado estadual cearense Francisco Aguiar haverá de ser coisa muito mais bonita.
Depois de sete anos de disputa na Justiça, o deputado teve reconhecido o seu direito a uma pensão de R$ 11,8 mil mensais, por ter ocupado o governo do Ceará durante 86 dias, entre outubro e dezembro de 1994.
O deputado é um dos soldados do PPS cearense na sua luta contra as oligarquias nacionais. Francisco Aguiar as combate a partir de sua base política, o município de Camocim. Lá, na praça principal, há um busto do deputado Murilo Aguiar, inaugurada na gestão do prefeito Murilo Aguiar Jr. Em frente à estátua, está o prédio onde funcionou o comitê eleitoral do deputado Aguiar, apoiado pelo prefeito Sérgio Aguiar.
Os Aguiar de Camocim certamente apóiam o ministro Ricardo Berzoini na sua luta para reformar a previdência alheia.

Psicanálise
Um atento psicanalista de palácio assegura: antes do fim do ano o vice-presidente José Alencar será um dos principais personagens do governo.



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