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São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

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AJUSTE PETISTA

Guinada na política econômica deverá ser feita com Palocci

"Plano B" é inexorável, mas ninguém sabe quando virá

France Presse
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, se cumprimentam durante encontro em Brasília


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A adoção pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva de um plano B (uma nova política econômica) é inexorável, mas ninguém, no próprio Palácio do Planalto, é capaz de apostar com segurança no prazo em que se dará a mudança.
Aliás, "plano B" é expressão que não existe no dicionário do Planalto, pela simples e boa razão de que é equiparada a "ministro B", ou seja, à substituição do titular da Fazenda e chefe da equipe econômica, Antonio Palocci Filho.
Não é disso que se trata. Pelo que a Folha ouviu na sede do governo, Lula não perdeu um único grama da enorme confiança que deposita em Palocci.
Prova, se dela houvesse necessidade: é o próprio Palocci quem se incumbe de conversas com economistas de diferentes correntes (de Delfim Netto a Maria da Conceição Tavares, antes furiosos adversários) para sentir o ambiente e ouvir sugestões.
Salvo, portanto, alguma mudança formidável de ambiente, Palocci seria o encarregado de tocar adiante um eventual "plano B" ou como se queira chamar a guinada na política econômica.
Não se duvida é de que haverá uma guinada. "Evidentemente, ele [Lula" não acha que essa política é definitiva", ouviu a Folha em um gabinete o mais próximo possível do presidencial. O que não há são definições mais concretas sobre os contornos de qualquer guinada, embora se suponha que ela não vá ser radical.
O ponto de inflexão, em princípio, será dado pela questão dos juros. Lula não esconde sua contrariedade com o fato de ter sido obrigado a engolir dois aumentos da taxa de juros em apenas dois meses de gestão.
Até de público, chegou a desabafar, em reunião no dia 27 passado com a bancada de deputados do Rio: "Acordo e tenho de conviver com o desconforto de ver o meu governo aumentar os juros. Logo eu, que combati a política de juros altos", disse o presidente, segundo relato do deputado petista Chico Alencar à Folha.
De três diferentes assessores próximos do presidente, a Folha ouviu avaliações mais ou menos coincidentes sobre a disposição de Lula de não mais referendar altas de juros, se vierem a ser cogitadas pelo Banco Central.
A mais radical diz que o presidente não aceitará mais aumentar os juros. A mais branda afirma que a "tendência" é a de não aceitar (na terceira versão, "tendência" é substituída por "vontade política", sempre de não subir mais os juros).

Risco Brasil
É possível, no entanto, que esse eventual momento de ruptura possa ser adiado, até na opinião do senador Aloizio Mercadante (SP), líder do governo no Congresso e a mais tradicional voz econômica do PT.
Mercadante festeja a queda no índice de risco Brasil (que mede o quanto um país tem de pagar de juros acima da taxa do Tesouro norte-americano para obter recursos externos), entre outros indicadores, como o aumento no valor dos títulos brasileiros.
"O desempenho do Brasil foi o melhor entre os países em desenvolvimento", contabiliza.
Consequência, sempre segundo Mercadante: "Passada a bolha inflacionária e a incerteza sobre a guerra, estão dadas as condições para o Brasil voltar a crescer".
Pelo menos em matéria de queda dos juros, um plano B também pode ser no mínimo adiado se prevalecer a opinião de Otaviano Canuto, assessor internacional da Fazenda, que aposta na microeconomia, e não na macro, para reduzir o juro.
Mais exatamente numa nova Lei de Falências, que aumentaria as garantias para o emprestador de forma a permitir que ele cobre menos pelo dinheiro, já que estará mais seguro de que vai recebê-lo de volta.
E na redução da chamada cunha fiscal, que é o se cobra de impostos nos empréstimos, igualmente encarecendo o dinheiro.
O problema é que também, nessa área, o governo do PT negocia com os setores envolvidos, o que atrasa a implementação de projetos. "Se fosse pelo desejo até infantil do economista, o projeto estaria na praça já no dia 1º de janeiro de 2003. Mas o ritmo de conversa com a sociedade é mais lento", conforma-se Canuto.
Mesmo com essas avaliações otimistas, permanece a necessidade de um plano B. "Nós temos o compromisso de mudar o modelo de desenvolvimento", reafirma até o otimista Mercadante.

A meta é 5%
Além desse compromisso, há o fato de que nem otimistas de ofício, como o ministro Palocci, exultam tanto.
O ministro trabalha com a hipótese de que a inflação (transformada no "grande problema", sempre na avaliação de Palocci) só sentirá os efeitos da dupla elevação dos juros no governo Lula dentro de quatro a seis meses.
Logo, é forçoso deduzir que, nesse período, não haverá espaço para redução dos juros e, em consequência, tampouco haverá espaço para um crescimento econômico minimamente decente.
Crescimento, de resto, é o único conceito cravado a fogo em qualquer plano B que venha a ser definido pelo governo.
Quanto de crescimento? "É fundamental assegurar as condições econômicas para um crescimento em média de 5% ao ano", responde o folheto "Mais e Melhores Empregos 2002", um dos componentes do programa de governo do candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva.
É razoável supor que Palocci tivesse essa meta na cabeça quando disse à Folha que sentia "desespero" só de imaginar que teria de seguir permanentemente a política macroeconômica de seu antecessor, Pedro Malan.
É comum ouvir, no governo, a avaliação de que o plano A, a política seguida até aqui, é uma imposição do que o chefe da Casa Civil, José Dirceu, já chamou de "herança maldita" legada por Fernando Henrique Cardoso.
Com esse tipo de condicionamento, não há economista, de esquerda ou de direita, ortodoxo ou heterodoxo, que aposte em crescimento sequer próximo da meta colocada preto no branco no programa petista.
O problema é que as políticas que permitiriam eventualmente a Palocci sair do desespero ainda estão "em fase de preparação", como o próprio ministro admite.
As que não estão em fase de preparação começaram mal a batalha pela opinião pública. Exemplo: a reforma da Previdência, julgada essencial, neste como no anterior governo, para sinalizar um equilíbrio estrutural das contas públicas.
"A reforma da Previdência precisa ter sentido social, mas é também uma questão de déficit público", ouviu a Folha em outro influente gabinete palaciano.
Mas, nesse mesmo gabinete, reconhece-se que, pelo menos no início da discussão, o governo deu a impressão de que o eixo da reforma passava exclusivamente pelas contas públicas.
Consequência: azedou as relações com o funcionalismo, em especial, a ponto de até um partido aliado, o PDT, estar usando seu horário gratuito para insinuar, veladamente, que o governo do PT causa tanto medo ao funcionalismo como o de FHC.

Lentidão da máquina
Tudo somado, o Palácio do Planalto vive uma fase de "reflexão permanente para criar condições para a redução dos juros e a retomada do crescimento", como declara Tarso Genro, outro habitante da sede do governo, como secretário-executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
As condições que a cúpula do PT/governo examina não são triviais. Incluem a criação de uma base social estável, um "enlace forte" entre os setores formal e informal da economia, a sinalização, inclusive externa, de que há uma nova política internacional e fazer as reformas, "que são as que FHC não fez, mas de outra forma", sempre de acordo com as avaliações ouvidas no Palácio.
Tudo somado, a avaliação no núcleo central do governo Lula é a de que a "costura política está muito bem" (ou seja, a formação de um suporte parlamentar suficiente para aprovar até emendas constitucionais).
Mas, na área gerencial-administrativa, "há problemas", que, no entanto, os interlocutores preferem não especificar, por lealdade aos companheiros de governo, sejam ou não do próprio PT.
O que realmente inquieta Lula, além dos juros, é a dificuldade em fazer a máquina do governo reagir na velocidade desejada (queixa, aliás, que se ouve desde que Sarney era presidente).
Exemplo: logo após a posse, o presidente visitou Brasília Teimosa, uma área de palafitas em Pernambuco. "Queria soluções rápidas ou, pelo menos, que fossem apontados os caminhos", conta um assessor. Descobriu, no entanto, que todo o processo, inclusive o de mapeamento da área, é muito mais lento.
Outro exemplo: Lula viu na televisão programa sobre o "lixão" de Belém do Pará. Reagiu de imediato para os circunstantes: "Não podemos permitir que continue havendo gente se alimentando de lixões", afirmou.
Pelo menos nesse caso, houve uma reação imediata: o ministro da Segurança Alimentar, José Graziano da Silva, ficou até 22h da quinta-feira discutindo com Carlos Lessa, presidente do BNDES, como arrumar dinheiro para resolver o problema.
É um problema, mas bem mais simples do que baixar os juros e fazer a política macroeconômica guinar para o rumo do crescimento, o verdadeiro desafio de Lula e do PT.



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