São Paulo, quinta-feira, 09 de março de 2006

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JANIO DE FREITAS

A hora do general

Duas atitudes vêm aumentar a dimensão e a gravidade do episódio revelado por Elio Gaspari e protagonizado pelo general Francisco Albuquerque, comandante do Exército, ao se fazer embarcar em avião comercial que já iniciara a operação de partida do aeroporto de Campinas, na Quarta-Feira de Cinzas.
O Exército, como instituição, foi agora envolvido em um episódio que deveria se restringir à pessoa do seu comandante, com emissão de uma nota oficial incabível porque nenhum ato ou palavra do general Albuquerque em Campinas decorreu do cumprimento de deveres do seu cargo.
Não bastando esse comprometimento da instituição por interesse pessoal, a nota do Exército o faz a partir da adulteração dos fatos, com o propósito de conformá-los a uma normalidade de conduta que não existiu.
Diz a nota, entre os seus cinco pontos: "1 - O comandante do Exército cumpriu os prazos previstos pela companhia aérea e, inclusive, confirmou a viagem com 12 dias de antecedência. 2 - Está comprovado que havia passageiros em excesso".
O próprio general Albuquer- que, em entrevista que o seu agradecimento sugeriu ser de iniciativa sua, disse ontem a uma rádio duas frases principais: "Eu atendi a todos os prazos da companhia" e "eu estava completamente correto".
Todo o episódio no aeroporto decorreu de um só fato: o casal Albuquerque apresentou-se ao balcão da companhia, para o check-in pessoal de passagens e a conseqüente autorização de acesso à sala de embarque, entre 20 e 15 minutos antes da hora marcada, nos seus bilhetes, para a partida do avião. Houve, portanto, descumprimento aos "prazos previstos pela companhia aérea" e, supõe-se que devesse ser mais importante para um militar, às normas fixadas pelo Ministério da Aeronáutica por intermédio da Diretoria de Aeronáutica Civil. Além daquelas com que a Infraero coordena a atividade das companhias nos salões de despacho e embarque. O general não "estava completamente correto", não o estava nem o mínimo necessário.
É de conhecimento público, por parte de todos os que alguma vez embarcaram em aeroporto, a norma original de que a apresentação do passageiro deve dar-se com o mínimo de duas horas de antecedência, para os vôos internacionais, e de uma hora para os vôos domésticos. Com as novas providências a pretexto de segurança, a partir do ataque às torres de Nova York, muitas empresas e muitos aeroportos alteraram a antecedência exigida, mas sempre para aumentá-la.
Mesmo no caso de antecedência excepcional, nunca seria de menos de meia hora. Por fim, na falta de apresentação do pretendido passageiro no prazo-limite, a companhia não está obrigada a deixar vago o seu lugar, daí a existência, freqüente e autorizada pelas normas, de fila de espera. Como houve em Campinas.
O recurso à deformação dos fatos não defende o general Francisco Albuquerque: acrescenta-lhe outra atitude imprópria para o seu cargo, e já deveria sê-lo para sua condição de militar. A nota oficial do Exército é como uma carteirada da carteirada, ao valer-se da instituição Forças Armadas para servir à opinião pública a versão reformada dos fatos, nos quais a responsabilidade não foi institucional, mas individual. Ou assim parece ser, se não mais estivermos, mesmo, no tempo em que um militar é, só por sê-lo, ele próprio uma instituição acima de todas as demais.
Se os tempos são outros, o general Francisco Albuquerque tem satisfações a prestar -por si e por seus atos pessoais, sem o comprometimento intimidatório da sua instituição. Porque não poderia ser outra e melhor a finalidade da nota que nada acrescentou, como informação e "esclarecimento", ao que o general disse de viva-voz.


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