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CELSO PINTO
Os riscos do novo gradualismo
E se o soluço da "nova economia" americana tivesse se transformado, ou ainda vier a se transformar, numa tempestade?
Para o governo, mesmo num cenário de crise internacional, o risco seria pequeno para o Brasil
graças ao câmbio flutuante e à
melhora nos fundamentos da
economia. Nem todo mundo concorda.
O economista Francisco Pinto,
diretor do Banco Central na época da formulação do Plano Real,
hoje presidente do BBA-Capital
Icatu, acha que o país continua
vulnerável a uma turbulência externa maior, como um colapso na
Bolsa americana. Por uma razão,
ironicamente, parecida com a do
Brasil do câmbio controlado: o
gradualismo no ajuste externo.
Note-se que ele, ao contrário de
outros críticos da política econômica atual, não é um saudosista
do câmbio controlado. Ao contrário, ele se convenceu da inviabilidade da política cambial anterior
muitos meses antes do colapso e
acha que o câmbio flutuante é
uma saída inteligente.
O problema, a seu ver, é que o
sistema atual é uma espécie de
"câmbio flutuante heterodoxo",
ou "câmbio controlado volátil".
Não em razão de intervenções
pontuais do BC no mercado, comprando ou vendendo dólares, o
que considera legítimo. O motivo
é outro: os US$ 50 bilhões de títulos do governo indexados ao dólar ainda existentes.
Esse estoque de papéis cambiais
exerceria, hoje, um papel parecido ao do gigantesco volume de reservas quando o câmbio era controlado. Quer dizer, ajuda, no
fundo, a defender uma certa cotação do dólar.
É verdade que os títulos, apesar
de indexados ao dólar, são liquidados em reais. Quem compra esses papéis, contudo, está tentando
se proteger contra desvalorizações cambiais. Ele aceita o argumento que se todos tentarem converter esses papéis em dólares a
cotação do real vai disparar, reduzindo o volume possível de dólares a remeter. A pressão desestabilizadora, de todo modo,
aconteceria.
O teste para saber se o estoque
de papéis cambiais é mesmo relevante é imaginar o que aconteceria se o BC liquidasse tudo. Ele está convencido de que a demanda
por proteção ("hedge") cambial
seria transferida para o dólar ou
outros ativos dolarizados, forçando uma desvalorização maior. Se
isso é verdade, então o real está,
de alguma forma, supervalorizado.
E isso é ruim? Não, dentro de
uma perspectiva de ajuste externo gradual, que é a perspectiva do
governo. Ao contrário da Ásia,
que passou de déficits externos
enormes para superávits (de US$
25 bilhões, no caso do Coréia), o
Brasil saiu da crise com um déficit externo ainda expressivo (US$
23 bilhões estimados este ano, ou
uns 3,5% a 4% do PIB).
A vantagem do gradualismo é
que o custo da crise cambial foi
muito menor do que na Ásia, onde houve uma recessão brutal. A
desvantagem, diz ele, é que mantém o país ainda vulnerável a
uma crise externa durante alguns
anos. Não só o déficit externo é
elevado, mas há uma rigidez no
pagamento de serviços (juros, dividendos etc.). É uma conta superior a US$ 25 bilhões ao ano e que
não tende a diminuir, alimentada por um estoque crescente de
investimentos diretos.
A perspectiva do governo é que,
em dois ou três anos, o ajuste poderá melhorar. Se: 1) a balança
comercial gerar saldos crescentes;
2) não houver crise externa séria;
e 3) houver disposição política para continuar gerando superávits
fiscais primários da ordem de
2,5% a 3% do PIB por vários
anos.
Existiria outra alternativa?
Sim, se o estoque de papel cambial sumisse, o câmbio superaria
R$ 2,00 por dólar mas, em compensação, os juros reais poderiam
cair para uns 3%, calcula. Não dá
para ter apenas a metade boa da
equação, ou seja, reduzir os juros
mais rapidamente sem aceitar,
em contrapartida, uma desvalorização também maior.
A vantagem é que, com os juros
despencando, o ajuste fiscal seria
muito mais rápido e radical. O estoque da dívida pública cairia rapidamente a um nível sustentável
sem exigir a geração de superávits
primários expressivos durante
muitos anos. Manter esses superávits, em qualquer cenário, é politicamente complicado.
Haveria duas desvantagens. A
primeira é que uma desvalorização mais forte teria algum impacto inflacionário. Ele argumenta
que, com a perspectiva de um
ajuste fiscal forte e com os outros
fundamentos sob controle, haveria como absorver o impacto inflacionário como um choque único, não permanente.
A outra desvantagem é que um
arranjo de política econômica como esse seria incompatível com a
manutenção do sistema atual de
metas inflacionárias. Até porque
o principal instrumento do BC
para controlar a inflação, nesse
sistema, é poder elevar os juros.
Em suma, aceitar as sugestões
de Francisco Pinto significaria
trocar um sistema que está funcionando bem, mas embute um
gradualismo que pode ser perigoso, por outro que geraria um ajuste externo e fiscal mais rápido,
mas criaria novas incertezas. Enquanto o mundo estiver em paz, a
mudança parece um risco desnecessário. Quando um tombo na
Nasdaq faz os mercados voltarem
a sentir um frio na espinha, a discussão soa mais relevante.
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