São Paulo, quarta-feira, 09 de maio de 2001

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Ex-ministro vê preconceito e diz que decidiu se demitir no elevador, antes de entrevista em que anunciou a saída

"Querem me nivelar a Jader", diz Bezerra

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na condição de ex-ministro, Fernando Bezerra se declarou "cristão novo na política", além de um modestíssimo empresário e vítima de preconceito por ser nordestino. Ele centrou fogo contra a cúpula do PMDB. "O que você quer? Me nivelar a essa gente, a esse povo todo?"
Em entrevista no início da noite, Bezerra disse que o presidente "autorizou e permitiu" que ele continuasse morando na casa da CNI (Confederação Nacional da Indústria), entidade que presidia, quando assumiu o ministério.
Contou, ainda, que na sua última conversa pessoal com o presidente, ontem, no Palácio da Alvorada, voltou a receber seu apoio. Bezerra lhe perguntou: "O sr. confia em mim?" FHC teria respondido: "Confio, sim, Fernando".

Folha - Quais são os funcionários do governo que são pagos também pela CNI, no seu e em outros ministérios?
Bezerra -
Nos outros, não sei. No meu, não estranho nada. Sou presidente da CNI, o ato que cometi é legal. Chamei para trabalhar comigo pessoas de minha confiança. Eu não podia trazer pessoas de minha confiança com uma remuneração que não atraía. As pessoas iam perder dinheiro para vir para cá?

Folha -O sr. também continuou usando a casa da CNI.
Bezerra -
Eu já ocupava a casa quando fui nomeado, a diretoria da CNI insistiu e eu disse que uma condição era pagar um aluguel. Pago R$ 2.000, que certamente não corresponde ao valor real do imóvel, mas o lugar de ministro não é permanente. E, afinal, eu sou presidente da CNI. Estou apenas licenciado. Acho que não estava cometendo nenhum crime. Não estou usando dinheiro público, não estou defendendo o interesse da CNI.

Folha - O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros caiu justamente por admitir a promiscuidade entre o que é público e o que é privado. Não é o mesmo caso?
Bezerra -
No meu caso, isso não procede. Eu queria que alguém me dissesse o que eu fiz no ministério para a iniciativa privada. O que um jornalista, uma secretária, um chefe de gabinete poderiam influir numa decisão de governo?

Folha - E o código de ética?
Bezerra -
Estou sendo acusado de quê? Ninguém me acusa de ter roubado. Isso é jogo político, claro que é.

Folha - O sr. sempre fala dos seus funcionários, que não tinham como influir. E o chefe da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento, José Guilherme Reis? Ele trata diretamente de assuntos de interesse da indústria, portanto, da CNI. Isso não muda de figura?
Bezerra -
Posso dizer que José Guilherme é uma pessoa íntegra, capaz, que ajudou imensamente a CNI e só ajuda o governo. Se eu atirei em alguém, foi no PMDB. A leitura não pode ser outra. A última coisa que eu quero é atingir o José Guilherme, que é uma pessoa a quem quero muito bem.

Folha - O sr. ligou para o presidente, depois da entrevista coletiva?
Bezerra -
Liguei e disse: ""Olha, presidente, me desculpe por tomar essa atitude sem comunicar ao senhor. Tomei a decisão no elevador porque não dava mais".
Seria forçar uma situação. Estou agora esperando datilografarem a carta de demissão para ir lá entregar. Não dá para ficar e ser execrado pela opinião pública, aliás, pela opinião publicada, o que é muito diferente.

Folha - O sr. ia dizendo que atirou no PMDB...
Bezerra -
O que está por trás da divulgação dessas coisas que são do conhecimento de todo mundo há tanto tempo? Minha carta de desligamento do partido também está sendo batida agora. Tem duas linhas. Não podemos ser hipócritas. Eu não tenho espaço no PMDB, porque sou candidato ao governo do Rio Grande do Norte. Eu sou um cristão novo na política, só participei de uma eleição (a de 1998, para o Senado). Sou um pequeno empresário, um modestíssimo empresário.

Folha - Como foi sua conversa com o presidente no Alvorada?
Bezerra -
Eu tinha o dever de mostrar a ele toda as minhas explicações. E ele negou que tenha dito em algum momento que estivesse irritado comigo, que esperava minha demissão. Eu perguntei: "O sr. confia em mim?" O presidente respondeu: "Confio, sim, Fernando".

Folha - Mas essas denúncias contra um ministro respingam no governo todo, até no presidente, especialmente no momento em que há assinaturas suficientes para uma CPI.
Bezerra -
Eu anunciei que vou assinar a CPI porque é uma forma de mostrar que sou um sujeito limpo. O presidente permitiu, autorizou, não sei bem qual a palavra correta, que eu morasse na casa da CNI. Não foi escondido.

Folha - Além de ser um cargo político e do PMDB, o Ministério da Integração Nacional também foi desenhado para um representante do Nordeste. O que o sr. acha da nomeação de um peemedebista de São Paulo, por exemplo?
Bezerra -
O sujeito não é competente, não é honesto ou deixa de ser honesto por ter nascido aqui ou ali. O que vejo aqui, aliás, é o contrário. O nordestino é que carrega uma carga enorme de preconceito. Eu sei disso. Mas não tenho preconceito. Nomeei para a Sudene um carioca e para a Sudam, um gaúcho.

Folha - O sr. era ministro da Integração, que cuidava da Sudene, mas uma empresa sua recebeu verbas da Sudene e não concluiu projetos. Não é o caso da raposa tomando conta do galinheiro?
Bezerra -
Quando cheguei aqui para tomar conta do galinheiro, não tinha nenhuma galinha aqui. Quem mudou quarenta anos de política para a região fui eu. Quem acabou com as possibilidades de desvio fui eu. Que raposa é essa que você fala?


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