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ELIO GASPARI
O governo está sem luz
O racionamento de energia nas regiões Sudeste e
Nordeste será uma das piores cicatrizes do mandarinato de
FFHH. Até agora o governo tratou o assunto com os pés. Só a
opção preferencial dos sábios de
Brasília pela empulhação pode
ter levado a Aneel a mascarar o
problema com a apresentação
de um "Plano de Redução do
Consumo e Aumento da Oferta". Deve-se a FFHH a defesa de
um pênalti ao mandar ao arquivo a idéia maluca das multas. Deve-se a ele também a velha mania de transferir a responsabilidade para as administrações anteriores.
Foi FFHH quem criou um sistema de privatização do setor
elétrico que teve como principal
consequência uma estiagem de
investimentos. As companhias
estatais não foram vendidas para produzir quilowatts, mas para sanear as finanças públicas,
sobretudo no caso de São Paulo.
Obteve-se o que se prometeu:
produz-se o superávit primário,
mas vai faltar energia. Noves fora a Guiné Bissau, coisa parecida está acontecendo na Califórnia, onde os blecautes estão sendo absorvidos com serenidade, e
na Sérvia, onde a população
apedrejou a sede da concessionária.
Tudo isso tem a importância
de uma casca de abacaxi diante
do maior perigo que o racionamento trará para a segurança
pública nas grandes cidades
brasileiras. Esse perigo torna-se
maior quando se pode duvidar
que não exista numa só Secretaria da Segurança qualquer tipo
de plano de emergência para
apagões sistemáticos. Até hoje
não houve uma só reunião interministerial para discutir o assunto.
Durante um período de cortes
de energia toda a sociedade move-se em busca da racionalidade. Os industriais remanejam a
produção, os comerciantes organizam seus horários alternativos e cada cidadão procura se
adaptar às novas circunstâncias. Com essa parte o governo
não deve se preocupar. A sociedade sabe cuidar de si.
Na Califórnia, a peculiaridade da rede de concessionários e
a segurança determinam que só
as equipes de emergência saibam onde e quando faltará
energia. Pode ser que esse seja o
melhor caminho, mas é o que
mais planejamento exige. No
caso americano, a população teve tempo, dinheiro e dezenas de
modelos de geradores à venda
no mercado. Isso para não mencionar os elevadores que vão para o térreo (devagar) em caso de
falta de fornecimento de energia. Uma concessionária informa a cada minuto aos consumidores o nível de consumo de sua
área. Ultrapassado o nível, eles
sabem que estão sujeitos a apagões. Se esse sistema for adotado
no Brasil, demandará providências que excedem a competência
média dos governos federal e estaduais.
O ingrediente de irracionalidade aparece quando o racionamento serve à delinquência.
Há Secretarias da Segurança
que têm planos de emergência
para apagões inesperados. Servem para pouca coisa. O apagão
inesperado surpreende tanto a
vítima quanto o bandido.
Quando os cortes são sistemáticos, mesmo que não sigam uma
tabela horária, o delinquente fica numa posição vantajosa.
Dois exemplos banais:
Como se vai controlar a entrada de estranhos e moradores
num edifício que tem um só porteiro?
Quem vai abrir e fechar manualmente as portas das garagens?
Há experiências internacionais disponíveis. A estrutura de
emergência do plano de operações do governo da Califórnia
está à mão. Em inglês, pode ser
achado no seguinte endereço:
http://www.energy.ca.gov/contingency/section2.html
Lidando com uma situação
diversa, esse planejamento determina que numa emergência
o governador do Estado deve pedir ajuda federal para "assegurar e proteger a saúde, a segurança e os serviços essenciais".
Sabendo-se que a Califórnia é o
Estado mais rico da União americana, percebe-se o alcance da
preocupação de seu governo.
Apesar de ter havido apagões
em dezenas de cidades, os americanos ainda não tiveram experiências amargas.
Se o aparelho de segurança
brasileiro começar a pensar no
assunto hoje, alguma contribuição poderá oferecer. Até agora
fez-se nada. Desse jeito, quando
surgirem os problemas, os governadores botarão a culpa no
governo federal, e o governo federal dividirá essa mesma culpa
entre as costas dos governadores
que reclamarem, mais Itamar
Franco, Fernando Collor e Tomé de Souza.
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