São Paulo, quarta-feira, 09 de maio de 2001

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ELIO GASPARI

O governo está sem luz

O racionamento de energia nas regiões Sudeste e Nordeste será uma das piores cicatrizes do mandarinato de FFHH. Até agora o governo tratou o assunto com os pés. Só a opção preferencial dos sábios de Brasília pela empulhação pode ter levado a Aneel a mascarar o problema com a apresentação de um "Plano de Redução do Consumo e Aumento da Oferta". Deve-se a FFHH a defesa de um pênalti ao mandar ao arquivo a idéia maluca das multas. Deve-se a ele também a velha mania de transferir a responsabilidade para as administrações anteriores.
Foi FFHH quem criou um sistema de privatização do setor elétrico que teve como principal consequência uma estiagem de investimentos. As companhias estatais não foram vendidas para produzir quilowatts, mas para sanear as finanças públicas, sobretudo no caso de São Paulo. Obteve-se o que se prometeu: produz-se o superávit primário, mas vai faltar energia. Noves fora a Guiné Bissau, coisa parecida está acontecendo na Califórnia, onde os blecautes estão sendo absorvidos com serenidade, e na Sérvia, onde a população apedrejou a sede da concessionária.
Tudo isso tem a importância de uma casca de abacaxi diante do maior perigo que o racionamento trará para a segurança pública nas grandes cidades brasileiras. Esse perigo torna-se maior quando se pode duvidar que não exista numa só Secretaria da Segurança qualquer tipo de plano de emergência para apagões sistemáticos. Até hoje não houve uma só reunião interministerial para discutir o assunto.
Durante um período de cortes de energia toda a sociedade move-se em busca da racionalidade. Os industriais remanejam a produção, os comerciantes organizam seus horários alternativos e cada cidadão procura se adaptar às novas circunstâncias. Com essa parte o governo não deve se preocupar. A sociedade sabe cuidar de si.
Na Califórnia, a peculiaridade da rede de concessionários e a segurança determinam que só as equipes de emergência saibam onde e quando faltará energia. Pode ser que esse seja o melhor caminho, mas é o que mais planejamento exige. No caso americano, a população teve tempo, dinheiro e dezenas de modelos de geradores à venda no mercado. Isso para não mencionar os elevadores que vão para o térreo (devagar) em caso de falta de fornecimento de energia. Uma concessionária informa a cada minuto aos consumidores o nível de consumo de sua área. Ultrapassado o nível, eles sabem que estão sujeitos a apagões. Se esse sistema for adotado no Brasil, demandará providências que excedem a competência média dos governos federal e estaduais.
O ingrediente de irracionalidade aparece quando o racionamento serve à delinquência. Há Secretarias da Segurança que têm planos de emergência para apagões inesperados. Servem para pouca coisa. O apagão inesperado surpreende tanto a vítima quanto o bandido. Quando os cortes são sistemáticos, mesmo que não sigam uma tabela horária, o delinquente fica numa posição vantajosa.
Dois exemplos banais:
Como se vai controlar a entrada de estranhos e moradores num edifício que tem um só porteiro?
Quem vai abrir e fechar manualmente as portas das garagens?
Há experiências internacionais disponíveis. A estrutura de emergência do plano de operações do governo da Califórnia está à mão. Em inglês, pode ser achado no seguinte endereço:
http://www.energy.ca.gov/contingency/section2.html
Lidando com uma situação diversa, esse planejamento determina que numa emergência o governador do Estado deve pedir ajuda federal para "assegurar e proteger a saúde, a segurança e os serviços essenciais". Sabendo-se que a Califórnia é o Estado mais rico da União americana, percebe-se o alcance da preocupação de seu governo. Apesar de ter havido apagões em dezenas de cidades, os americanos ainda não tiveram experiências amargas.
Se o aparelho de segurança brasileiro começar a pensar no assunto hoje, alguma contribuição poderá oferecer. Até agora fez-se nada. Desse jeito, quando surgirem os problemas, os governadores botarão a culpa no governo federal, e o governo federal dividirá essa mesma culpa entre as costas dos governadores que reclamarem, mais Itamar Franco, Fernando Collor e Tomé de Souza.


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