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CELSO PINTO
O que preocupa os investidores
Os investidores em papéis
de países emergentes de
um dos maiores bancos americanos venderam títulos brasileiros,
em abril, num volume só comparável ao de maio do ano passado,
quando o mercado estava em pânico com a Argentina. Boa parte
preferiu ficar com dinheiro na
mão: o volume de "cash" foi o
maior desde outubro do ano passado.
Esse é um retrato do que vem
acontecendo nas últimas seis semanas e preocupando o governo
brasileiro. Houve uma maior
aversão a risco, em geral, e ao
Brasil, em particular.
Paulo Leme, diretor da Goldman Sachs em Nova York, calcula
que os prêmios de risco subiram
de 100 a 150 pontos de porcentagem neste período. Isso inclui os
países emergentes mas também
papéis de maior risco e maior retorno ("high yield") nos Estados
Unidos. O prêmio brasileiro subiu
cerca de 200 pontos desde meados
de março. Portanto, algo entre a
metade e três quartos da subida
refletiu apenas uma menor vontade dos investidores em correr
riscos.
Uma razão para essa aversão
foram os prejuízos cavalares, nos
Estados Unidos, em setores como
o de telecomunicações. Leme estima que a perda de valor das empresas do setor, neste ano, deva
chegar a US$ 1 trilhão. A World
Com, dona da Embratel, que chegou a valer US$ 163 bilhões, hoje
vale US$ 5 bilhões. Além disso, alguns indicadores da economia
americana ficaram aquém das
expectativas. Em relação à América Latina, certamente a situação da Argentina e a da Venezuela não ajudaram.
O Brasil teve uma penalização
adicional por várias razões. O
mercado estava otimista demais
com o Brasil no primeiro trimestre e muitos investidores estavam
com posições acima do tamanho
relativo do mercado brasileiro
(uns 25% da carteira de emergentes). Fundos dedicados, fundos
mais especulativos ("hedge
funds") e posições próprias de tesouraria de bancos de investimento acabaram vendendo títulos da dívida brasileira para realizar lucros.
Além do menor apetite por riscos, aumentou a incerteza em relação ao resultado das eleições no
Brasil e pioraram alguns indicadores econômicos. As exportações
estão em queda, a inflação tem
dificultado a redução dos juros, a
economia cresce mais lentamente
do que se esperava, os resultados
fiscais não repetiram a folga dos
últimos quatro anos.
Leme acha que muitos clientes
de papéis brasileiros estão menos
pessimistas sobre as eleições do
que os investidores aqui. Entre
muitos investidores externos, diz,
a aposta é que o candidato tucano, José Serra, tem mais de 60%
de chances de ganhar. Portanto,
se o pessimismo daqui se confirmar, poderá haver uma rodada
adicional de queda de preços, aumento do risco-Brasil e pressão
sobre o câmbio (ele acha que, no
pior cenário, poderia chegar a R$
2,70 ou R$ 2,80 por dólar até setembro).
O problema é que, quando as
coisas pioram no Brasil, o mercado ressuscita o velho fantasma do
tamanho da dívida pública. O
que a vice-diretora-gerente do
FMI, Anne Krueger, disse no Conselho das Américas, na terça-feira, reflete as dúvidas gerais: a dívida brasileira é "maior do que o
desejável", embora não represente um "problema imediato".
O que ela quis dizer se explica
pelas projeções feitas pelo FMI sobre a dinâmica da dívida brasileira. Quem teve acesso às contas diz
que o fundo projeta um crescimento de 2% da economia neste
ano. Supondo um crescimento de
3% nos próximos anos, se o governo conseguir repetir um superávit
primário (receita menos despesas,
exceto juros) de 3,5% do PIB, será
possível estabilizar o tamanho da
dívida. Mudanças na projeção de
um ponto percentual nos juros e
no crescimento não seriam desastrosas. Ou seja, a dívida é grande,
mas não é um problema imediato.
Mas pode se transformar num
problema de curto prazo se o mercado desconfiar que o futuro presidente não vai estar disposto a
produzir um superávit primário
de 3,5% do PIB. Alguns candidatos já disseram que não querem
fazê-lo e esperam contornar o
problema renegociando, voluntariamente, os termos da dívida ou
apostando numa queda mais forte dos juros. E o que acham os
bancos?
O JP Morgan publicou em março um trabalho sobre a dinâmica
da dívida brasileira feito por
Drausio Giacomelli. Ele chama a
atenção para a dívida bruta brasileira, de 73% do PIB (72,6% em
março). Calcula em mais 10% do
PIB "esqueletos" fiscais que ainda
serão incorporados nessa dívida.
Portanto, trabalha com uma dívida total do país de 83% do PIB,
muito alta se comparada a qualquer outro país (os países da
União Européia fixaram um teto
de 60% do PIB para a dívida bruta). A dívida líquida brasileira, de
54,5% do PIB, é igualmente elevada.
Nas projeções de Giacomelli,
um superávit primário de 3,5%
do PIB seria suficiente apenas para estabilizar a dívida. Se o país
quisesse reduzi-la, o que seria
aconselhável, teria que fazer um
esforço fiscal ainda maior. Obviamente, é uma situação desconfortável. Qualquer sombra de dúvida sobre a consistência fiscal, ou
macroeconômica, do futuro do
país pode trazer dúvidas sobre
sua capacidade de continuar
honrando a dívida.
O JP Morgan/Chase é, de longe,
o banco que tem mais clientes
com aplicações em títulos da dívida brasileira. O segundo maior é
o Citi e o terceiro é o Deutsche. O
Morgan foi cuidadoso na análise,
mas a dúvida implícita está lá. O
Deutsche, pelo que se sabe, também compartilha dúvidas sobre o
Brasil, em parte pelos riscos na dinâmica da dívida.
O verdadeiro receio de Brasília
não são movimentos cíclicos de
mercado, como o das últimas semanas, que podem ser desfeitos
por um par de boas notícias. O temor é que haja um refluxo mais
prolongado na liquidez externa
para o Brasil, o que pressionaria o
câmbio e os juros, elevaria de
imediato a dívida e poderia reavivar dúvidas que já existem, entre alguns bancos e investidores,
sobre a sustentabilidade da dívida. Promessas da atual administração não são suficientes para
sanar essas dúvidas.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
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