São Paulo, quinta-feira, 09 de maio de 2002

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CELSO PINTO

O que preocupa os investidores

Os investidores em papéis de países emergentes de um dos maiores bancos americanos venderam títulos brasileiros, em abril, num volume só comparável ao de maio do ano passado, quando o mercado estava em pânico com a Argentina. Boa parte preferiu ficar com dinheiro na mão: o volume de "cash" foi o maior desde outubro do ano passado.
Esse é um retrato do que vem acontecendo nas últimas seis semanas e preocupando o governo brasileiro. Houve uma maior aversão a risco, em geral, e ao Brasil, em particular.
Paulo Leme, diretor da Goldman Sachs em Nova York, calcula que os prêmios de risco subiram de 100 a 150 pontos de porcentagem neste período. Isso inclui os países emergentes mas também papéis de maior risco e maior retorno ("high yield") nos Estados Unidos. O prêmio brasileiro subiu cerca de 200 pontos desde meados de março. Portanto, algo entre a metade e três quartos da subida refletiu apenas uma menor vontade dos investidores em correr riscos.
Uma razão para essa aversão foram os prejuízos cavalares, nos Estados Unidos, em setores como o de telecomunicações. Leme estima que a perda de valor das empresas do setor, neste ano, deva chegar a US$ 1 trilhão. A World Com, dona da Embratel, que chegou a valer US$ 163 bilhões, hoje vale US$ 5 bilhões. Além disso, alguns indicadores da economia americana ficaram aquém das expectativas. Em relação à América Latina, certamente a situação da Argentina e a da Venezuela não ajudaram.
O Brasil teve uma penalização adicional por várias razões. O mercado estava otimista demais com o Brasil no primeiro trimestre e muitos investidores estavam com posições acima do tamanho relativo do mercado brasileiro (uns 25% da carteira de emergentes). Fundos dedicados, fundos mais especulativos ("hedge funds") e posições próprias de tesouraria de bancos de investimento acabaram vendendo títulos da dívida brasileira para realizar lucros.
Além do menor apetite por riscos, aumentou a incerteza em relação ao resultado das eleições no Brasil e pioraram alguns indicadores econômicos. As exportações estão em queda, a inflação tem dificultado a redução dos juros, a economia cresce mais lentamente do que se esperava, os resultados fiscais não repetiram a folga dos últimos quatro anos.
Leme acha que muitos clientes de papéis brasileiros estão menos pessimistas sobre as eleições do que os investidores aqui. Entre muitos investidores externos, diz, a aposta é que o candidato tucano, José Serra, tem mais de 60% de chances de ganhar. Portanto, se o pessimismo daqui se confirmar, poderá haver uma rodada adicional de queda de preços, aumento do risco-Brasil e pressão sobre o câmbio (ele acha que, no pior cenário, poderia chegar a R$ 2,70 ou R$ 2,80 por dólar até setembro).
O problema é que, quando as coisas pioram no Brasil, o mercado ressuscita o velho fantasma do tamanho da dívida pública. O que a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, disse no Conselho das Américas, na terça-feira, reflete as dúvidas gerais: a dívida brasileira é "maior do que o desejável", embora não represente um "problema imediato".
O que ela quis dizer se explica pelas projeções feitas pelo FMI sobre a dinâmica da dívida brasileira. Quem teve acesso às contas diz que o fundo projeta um crescimento de 2% da economia neste ano. Supondo um crescimento de 3% nos próximos anos, se o governo conseguir repetir um superávit primário (receita menos despesas, exceto juros) de 3,5% do PIB, será possível estabilizar o tamanho da dívida. Mudanças na projeção de um ponto percentual nos juros e no crescimento não seriam desastrosas. Ou seja, a dívida é grande, mas não é um problema imediato.
Mas pode se transformar num problema de curto prazo se o mercado desconfiar que o futuro presidente não vai estar disposto a produzir um superávit primário de 3,5% do PIB. Alguns candidatos já disseram que não querem fazê-lo e esperam contornar o problema renegociando, voluntariamente, os termos da dívida ou apostando numa queda mais forte dos juros. E o que acham os bancos?
O JP Morgan publicou em março um trabalho sobre a dinâmica da dívida brasileira feito por Drausio Giacomelli. Ele chama a atenção para a dívida bruta brasileira, de 73% do PIB (72,6% em março). Calcula em mais 10% do PIB "esqueletos" fiscais que ainda serão incorporados nessa dívida. Portanto, trabalha com uma dívida total do país de 83% do PIB, muito alta se comparada a qualquer outro país (os países da União Européia fixaram um teto de 60% do PIB para a dívida bruta). A dívida líquida brasileira, de 54,5% do PIB, é igualmente elevada.
Nas projeções de Giacomelli, um superávit primário de 3,5% do PIB seria suficiente apenas para estabilizar a dívida. Se o país quisesse reduzi-la, o que seria aconselhável, teria que fazer um esforço fiscal ainda maior. Obviamente, é uma situação desconfortável. Qualquer sombra de dúvida sobre a consistência fiscal, ou macroeconômica, do futuro do país pode trazer dúvidas sobre sua capacidade de continuar honrando a dívida.
O JP Morgan/Chase é, de longe, o banco que tem mais clientes com aplicações em títulos da dívida brasileira. O segundo maior é o Citi e o terceiro é o Deutsche. O Morgan foi cuidadoso na análise, mas a dúvida implícita está lá. O Deutsche, pelo que se sabe, também compartilha dúvidas sobre o Brasil, em parte pelos riscos na dinâmica da dívida.
O verdadeiro receio de Brasília não são movimentos cíclicos de mercado, como o das últimas semanas, que podem ser desfeitos por um par de boas notícias. O temor é que haja um refluxo mais prolongado na liquidez externa para o Brasil, o que pressionaria o câmbio e os juros, elevaria de imediato a dívida e poderia reavivar dúvidas que já existem, entre alguns bancos e investidores, sobre a sustentabilidade da dívida. Promessas da atual administração não são suficientes para sanar essas dúvidas.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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