São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUA DE FEL

Diferentemente do tempo em que fãs se aglomeravam no Planalto, palácio é palco de protestos contra o governo

Após euforia inicial, presidente se afasta da população

WILSON SILVEIRA
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O dia-a-dia dos palácios do Planalto e da Alvorada, hoje, em nada lembra a euforia dos primeiros meses da gestão Luiz Inácio Lula da Silva. Foi-se o tempo em que o Alvorada era o destino de romarias de fãs que se revezavam todos os dias de manhã, na hora do almoço e à noite -horários em que o presidente passava pelo portão.
Naquela época, Lula deixava sua segurança aflita porque não resistia aos apelos e descia do carro para cumprimentá-los um a um. Uns traziam presentes e remédios contra a bursite. Outros queriam autógrafos, uma pose para foto ou um simples aperto de mão -era uma festa. Hoje, uma película escura cobre os vidros do Omega presidencial, impedindo a identificação de quem está dentro. Antes, eram transparentes.
De todo modo, os fãs não fazem mais romarias ao Alvorada, que voltou a ser visitado pelos turistas de sempre. Quanto ao Planalto, é de novo alvo de protestos, como nos últimos anos da gestão Fernando Henrique Cardoso.
Os atos são cada vez mais freqüentes. Começaram com os protestos de servidores públicos contra a reforma da Previdência e se generalizaram. Num dia são índios pintados para a guerra, dançando em círculos, no outro são advogados públicos engravatados empunhando a Constituição.
Em duas ocasiões, o presidente foi obrigado a sair para o Alvorada, na hora do almoço, pela porta dos fundos do Planalto, para não ter de passar por manifestantes.
Os protestos adquiriram tom dramático quando, no último dia 13, o desempregado José Antonio Andrade de Souza, 30, ateou fogo ao próprio corpo na Praça dos Três Poderes, alegando que não ter conseguido audiência com Lula. Ele morreu cinco dias depois.
O diretor do Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Universidade de Brasília (DataUnB), Henrique Carlos Castro, disse que a lua-de-mel da gestão Lula com o eleitorado acabou há tempos.
"O que há agora é que o governo está jogando pesado na política real. O principal compromisso do PT no governo é perpetuar-se no poder. Para firmar-se como partido nacional, atingindo os grotões, e viabilizar a reeleição presidencial, faz coisas que as pessoas não esperavam que fizesse. Nessa hora cai o pano, não há mais possibilidade de discurso dúbio", disse.
Também professor de ciência política, Castro avalia que a população está frustrada pelo não-cumprimento de uma promessa que na verdade não foi feita.
"Lula não prometeu resolver todos os problemas do país, mas as pessoas esperavam que resolvesse. Não mentiu, mas pecou por omissão, porque sabia que existia essa expectativa no imaginário popular e se aproveitou disso. Muitas pessoas tinham a idéia de que o PT era o partido da mudança, que era de esquerda, mas nunca foi", afirmou Castro.
Reginaldo Prandi, professor aposentado de sociologia da USP, disse que "a população foi esticando a esperança, o namoro, mas agora a ficha caiu". Segundo ele, "este é o momento da decepção", porque "o presidente fala, fala, fala e não acontece nada".
Oficialmente, o Palácio do Planalto não admite que tenha havido perda de interesse pela figura do presidente. Segundo a Secretaria de Imprensa, a Folha é testemunha "do carinho manifestado pelos brasileiros nas viagens do presidente por todo o país".
Extra-oficialmente, assessores dizem que a queda de popularidade de Lula é resultado de uma expectativa muito grande criada pela população na campanha e ainda não traduzida em ações concretas do governo. Porém, o que se diz no Planalto é que essa sensação é passageira e que a popularidade subirá novamente quando a política econômica começar a gerar frutos palpáveis, como o aumento da oferta de emprego.



Texto Anterior: Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional
Próximo Texto: Superprotegido: Protestos são cada vez mais comuns
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.