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A visita do papa
Bento 16 não trará "agenda moralista", diz dom Cláudio
Segundo o brasileiro, papa não vai distribuir condenações ao aborto ou ao casamento gay
"A igreja não pode perder a América Latina, a igreja quer inserir a região no mundo de hoje", afirma o "ministro" do papa, que chega hoje
LEANDRO BEGUOCI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
Dom Cláudio Hummes, que
chega hoje com Bento 16 ao
Brasil, afirma que o líder do catolicismo defenderá a união política dos países da América Latina e não trará uma "agenda
moralista" a São Paulo.
Isso significa, segundo o brasileiro, que o papa não deve distribuir condenações ao aborto
ou à união civil entre pessoas
do mesmo sexo. Deve falar de
"valores mundiais".
Essa opção se dá porque Bento 16 defende uma igreja racional, na qual cada posição é defendida não apenas como um
dogma religioso mas como um
princípio universal. Sempre segundo o cardeal, o objetivo do
papa no Brasil é mostrar que
esses valores não valem apenas
para a Europa. "Seu propósito é
inserir a América Latina na
questão dos valores mundiais."
"O caminhar social da igreja
hoje é uma tentativa de conciliar fé e razão, de buscar os irmãos afastados para conduzi-los de volta para a igreja", diz o
"ministro" do papa.
FOLHA - Por que os brasileiros, e
não só os católicos, devem ouvir as
palavras do papa no Brasil?
D. CLÁUDIO HUMMES - Todos devem estar atentos às palavras
do papa porque ele é uma referência não só da Igreja Católica.
É uma referência mundial. Ele
pode ajudar muito o Brasil e a
América Latina a resolverem
seus problemas.
FOLHA - Que problemas e como?
D. CLÁUDIO - A América Latina
ainda luta para superar tanta
pobreza, ainda não há oportunidades iguais para todos, o
continente não consegue promover direitos humanos fundamentais. O papa pode ajudar
na promoção de uma união
maior entre os países latino-americanos, não apenas no comércio. Ajudar a promover
uma união política, para que o
continente tenha peso político
e dignidade no concerto mundial. A Igreja Católica pode
apoiar essa união. Mas já há
modelos para serem discutidos,
como o da União Européia.
FOLHA - O papa vai tratar disso
com o presidente Lula?
D. CLÁUDIO - Há uma certa sintonia. Essa conversa será importante, porque haverá troca
de experiências.
FOLHA - A igreja defende a adoção
de alguns valores para contribuir
com essa integração?
D. CLÁUDIO - Os povos da América Latina tiveram um contato
muito grande com o catolicismo, têm uma visão católica. Isso deu características próprias
ao continente.
FOLHA - Isso significa que a igreja
defenderá ainda com mais ênfase
no Brasil a proibição do aborto, da
união civil de pessoas do mesmo sexo, para citar alguns exemplos?
D. CLÁUDIO - O papa é uma referência mundial porque coloca
questões que não são apenas
religiosas. Ele procura falar da
razão humana, busca fazer o
diálogo entre fé e razão. Ele fala
também de valores, como a defesa da vida, que são importantes para todas as pessoas, não
apenas para os católicos.
Então é preciso entender que
a igreja não é proibitiva só por
ser proibitiva. Quando ela se
opõe a algumas coisas, fala de
valores, alerta sobre os limites
que estão sendo ultrapassados.
A igreja também não é moralista, no sentido pejorativo da palavra. Busca sempre argumentar racionalmente. E o papa se
distingue pela racionalidade. A
agenda do papa no Brasil não
será moralista.
Seu propósito é inserir a
América Latina na questão dos
valores mundiais e também
chamar a atenção do mundo
para a América Latina. Hoje só
se fala da violência no continente, só disso. A região ficou
obscurecida depois do 11 de Setembro, quando as atenções do
mundo se voltaram apenas para os EUA, a Europa e o Oriente
Médio, o terrorismo.
A visita do papa ao Brasil é
também um esforço pessoal
para reinserir a América Latina
no mundo de hoje.
FOLHA - Diante da perda de católicos, é conveniente que a igreja abra
tantas frentes de engajamento?
D. CLÁUDIO - A igreja não pode
perder a América Latina, a igreja quer inserir a região no mundo de hoje. Para falar de valores, é preciso que a igreja aprofunde a sua proposta, deve tornar suas posições mais compreensíveis. Não pode ficar na
paróquia, esperando que o povo volte. A paróquia não é suficiente. A igreja deve explicar o
horizonte cristão, a proposta
cristã de vida, de mundo e para
o mundo. A igreja tem de ser
mais missionária, encorajar
seus fiéis a ir ao encontro dos
irmãos afastados. A proposta
da Conferência de Aparecida é
justamente essa, "discípulos e
missionários de Jesus Cristo,
para que Nele seus povos tenham vida". Tudo que é humano interessa a Jesus.
FOLHA - Muitas pessoas associam
a atuação política e social da igreja
com a Teologia da Libertação, corrente malvista por Bento 16. Como
fazer essa distinção em um momento em que a igreja tem tentado aumentar sua influência na sociedade?
D. CLÁUDIO - A igreja tem um
compromisso fundamental
com os pobres e deve intensificar isso de forma eficiente, de
todas as maneiras, com amor e
carinho também. Mas, para
procurar as causas da pobreza,
já há a doutrina social da igreja,
que é racional. Essa proposta
não é só religiosa, é a grande
orientação que a igreja tem. A
Teologia da Libertação pretendia ser a expressão da igreja dos
pobres. O problema foi quando
começaram a usar a análise
marxista. Diziam que era uma
linha científica, não-ideológica.
O problema é que essa doutrina
admite o uso da violência, além
de ser ateísta. Por isso, não era
científica, mas ideológica. O caminhar social da igreja hoje é
uma tentativa de conciliar fé e
razão, de buscar os irmãos afastados para conduzi-los de volta
para a igreja.
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