São Paulo, quarta-feira, 09 de maio de 2007

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A visita do papa

Bento 16 não trará "agenda moralista", diz dom Cláudio

Segundo o brasileiro, papa não vai distribuir condenações ao aborto ou ao casamento gay

"A igreja não pode perder a América Latina, a igreja quer inserir a região no mundo de hoje", afirma o "ministro" do papa, que chega hoje


LEANDRO BEGUOCI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Dom Cláudio Hummes, que chega hoje com Bento 16 ao Brasil, afirma que o líder do catolicismo defenderá a união política dos países da América Latina e não trará uma "agenda moralista" a São Paulo.
Isso significa, segundo o brasileiro, que o papa não deve distribuir condenações ao aborto ou à união civil entre pessoas do mesmo sexo. Deve falar de "valores mundiais".
Essa opção se dá porque Bento 16 defende uma igreja racional, na qual cada posição é defendida não apenas como um dogma religioso mas como um princípio universal. Sempre segundo o cardeal, o objetivo do papa no Brasil é mostrar que esses valores não valem apenas para a Europa. "Seu propósito é inserir a América Latina na questão dos valores mundiais."
"O caminhar social da igreja hoje é uma tentativa de conciliar fé e razão, de buscar os irmãos afastados para conduzi-los de volta para a igreja", diz o "ministro" do papa.

 

FOLHA - Por que os brasileiros, e não só os católicos, devem ouvir as palavras do papa no Brasil?
D. CLÁUDIO HUMMES -
Todos devem estar atentos às palavras do papa porque ele é uma referência não só da Igreja Católica. É uma referência mundial. Ele pode ajudar muito o Brasil e a América Latina a resolverem seus problemas.

FOLHA - Que problemas e como?
D. CLÁUDIO -
A América Latina ainda luta para superar tanta pobreza, ainda não há oportunidades iguais para todos, o continente não consegue promover direitos humanos fundamentais. O papa pode ajudar na promoção de uma união maior entre os países latino-americanos, não apenas no comércio. Ajudar a promover uma união política, para que o continente tenha peso político e dignidade no concerto mundial. A Igreja Católica pode apoiar essa união. Mas já há modelos para serem discutidos, como o da União Européia.

FOLHA - O papa vai tratar disso com o presidente Lula?
D. CLÁUDIO -
Há uma certa sintonia. Essa conversa será importante, porque haverá troca de experiências.

FOLHA - A igreja defende a adoção de alguns valores para contribuir com essa integração?
D. CLÁUDIO -
Os povos da América Latina tiveram um contato muito grande com o catolicismo, têm uma visão católica. Isso deu características próprias ao continente.

FOLHA - Isso significa que a igreja defenderá ainda com mais ênfase no Brasil a proibição do aborto, da união civil de pessoas do mesmo sexo, para citar alguns exemplos?
D. CLÁUDIO -
O papa é uma referência mundial porque coloca questões que não são apenas religiosas. Ele procura falar da razão humana, busca fazer o diálogo entre fé e razão. Ele fala também de valores, como a defesa da vida, que são importantes para todas as pessoas, não apenas para os católicos. Então é preciso entender que a igreja não é proibitiva só por ser proibitiva. Quando ela se opõe a algumas coisas, fala de valores, alerta sobre os limites que estão sendo ultrapassados. A igreja também não é moralista, no sentido pejorativo da palavra. Busca sempre argumentar racionalmente. E o papa se distingue pela racionalidade. A agenda do papa no Brasil não será moralista.
Seu propósito é inserir a América Latina na questão dos valores mundiais e também chamar a atenção do mundo para a América Latina. Hoje só se fala da violência no continente, só disso. A região ficou obscurecida depois do 11 de Setembro, quando as atenções do mundo se voltaram apenas para os EUA, a Europa e o Oriente Médio, o terrorismo.
A visita do papa ao Brasil é também um esforço pessoal para reinserir a América Latina no mundo de hoje.

FOLHA - Diante da perda de católicos, é conveniente que a igreja abra tantas frentes de engajamento?
D. CLÁUDIO -
A igreja não pode perder a América Latina, a igreja quer inserir a região no mundo de hoje. Para falar de valores, é preciso que a igreja aprofunde a sua proposta, deve tornar suas posições mais compreensíveis. Não pode ficar na paróquia, esperando que o povo volte. A paróquia não é suficiente. A igreja deve explicar o horizonte cristão, a proposta cristã de vida, de mundo e para o mundo. A igreja tem de ser mais missionária, encorajar seus fiéis a ir ao encontro dos irmãos afastados. A proposta da Conferência de Aparecida é justamente essa, "discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que Nele seus povos tenham vida". Tudo que é humano interessa a Jesus.

FOLHA - Muitas pessoas associam a atuação política e social da igreja com a Teologia da Libertação, corrente malvista por Bento 16. Como fazer essa distinção em um momento em que a igreja tem tentado aumentar sua influência na sociedade?
D. CLÁUDIO -
A igreja tem um compromisso fundamental com os pobres e deve intensificar isso de forma eficiente, de todas as maneiras, com amor e carinho também. Mas, para procurar as causas da pobreza, já há a doutrina social da igreja, que é racional. Essa proposta não é só religiosa, é a grande orientação que a igreja tem. A Teologia da Libertação pretendia ser a expressão da igreja dos pobres. O problema foi quando começaram a usar a análise marxista. Diziam que era uma linha científica, não-ideológica. O problema é que essa doutrina admite o uso da violência, além de ser ateísta. Por isso, não era científica, mas ideológica. O caminhar social da igreja hoje é uma tentativa de conciliar fé e razão, de buscar os irmãos afastados para conduzi-los de volta para a igreja.


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