São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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Presidenciável do PSB afirma ser político "previsível", nega ser populista e condena economicismo do governo

Candidato compara FHC a Collor e diz que é vítima de preconceito

MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

Anthony Garotinho, 42, que o PSB deve indicar amanhã como seu candidato à Presidência da República, disse à Folha que pretende, se eleito, fazer um governo de união nacional e que tem como meta transformar o Brasil na quinta economia mundial e líder da América do Sul.
O ex-governador do Rio deu nota cinco para o governo Fernando Henrique Cardoso, nota bastante próxima a que a população atribui à atual administração federal (média de 5,3), como revela a pesquisa Datafolha divulgada hoje. Garotinho acusa o presidente de ter acabado de fazer um confisco da poupança semelhante ao implementado pelo presidente Fernando Collor de Mello, em 1990, só que mais discreto.
O presidenciável do PSB afirmou que, caso eleito presidente neste ano, não fará confisco, moratória ou calote, mas que proporá uma renegociação das dívidas interna e externa.
Garotinho criticou seus principais adversários à Presidência (veja texto na página ao lado): Ciro é amargo, e Lula, inexperiente. Mas suas principais críticas são dirigidas ao ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB), o candidato do presidente Fernando Henrique Cardoso e que vem disputando com ele a segunda colocação nas pesquisas eleitorais. Na sua opinião, Serra "joga sujo" e "se utiliza de todos os expedientes para alcançar os seus objetivos".
Muito gripado e cansado depois de 14 horas seguidas de campanha, Garotinho concedeu entrevista na quinta-feira, às 22h, em Brasília. Nem a traição da sua correligionária Luiza Erundina (SP), que declarara mais cedo o voto no presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem uma pane no jatinho, que atrasou a viagem em três horas, tiraram o humor do candidato, que passou o tempo até o desembarque no Rio divertindo seus assessores com imitações dos estilos e bordões dos principais locutores esportivos do país.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista do presidenciável do PSB à Folha:

Folha - Por que o sr. é candidato a presidente da República?
Anthony Garotinho -
O principal motivo que me levou a ser candidato foi perceber que nas outras candidaturas não está clara a necessidade de um projeto nacional. Um país não pode passar os seus dias sem se organizar, sem saber para onde vai. Quem não sabe para onde vai, não vai a lugar algum. Que brasileiro seria capaz de responder como imagina o Brasil daqui a dois anos? Nenhum.
Porque não foi mostrado a ele claramente qual o projeto de nação que o governo brasileiro atual pretende implantar no país. A pergunta que eu me fiz e vou fazer aos eleitores durante a campanha é essa: que país nós queremos?

Folha - O senhor acha que o país não tem um projeto? Em algum momento teve?
Garotinho -
A marca do governo Fernando Henrique [1995-2002" é justamente a falta de um projeto de nação. As questões foram tratadas pela ótica somente econômica. Uma nação é muito mais do que economia. Em qualquer outro país desenvolvido, a economia é um meio. Meio de você proporcionar desenvolvimento da sua indústria, meio de proporcionar aumento da poupança nacional para investimentos na infra-estrutura, meio para você construir valores.
Aqui no Brasil, a economia foi transformada em fim. Não importa quantas pessoas vão morrer de fome, não importa quantas vão estar sem casa, não importa quantas vão ficar desempregadas. O que importa, no final, é que a conta feche. E, o que é pior, nem isso eles conseguiram.

Folha - Quais seriam os principais pontos desse projeto que o senhor imagina para o país?
Garotinho -
Dois pontos principais: a organização das cadeias produtivas e a reforma tributária. Quando falo em organização das cadeias produtivas penso em cinco setores: agricultura, setor têxtil, marinha mercante, eletroeletrônicos e setor químico. Penso também numa política competitiva de substituição de importações, que vai exigir um choque tecnológico. Outro ponto fundamental é a educação, com a recuperação dos ensinos médio e universitário e a implantação de programas de excelência.
Temos de assumir um papel de liderança na América do Sul e para isso precisamos restabelecer o papel das nossas Forças Armadas, destruídas por Fernando Henrique. Não com a intenção de guerra, mas de preservar a paz e a estabilidade do continente.
Imagino o Brasil como o líder da América do Sul e entre os cinco maiores do mundo, um país com uma política de bem-estar social e com regime democrático sólido.

Folha - Estamos vivendo um momento de grande nervosismo provocado pelo problema da dívida pública. Como o senhor analisa este momento? O fator eleitoral pesa para o nervosismo?
Garotinho -
Esse problema não tem nada de conjuntural, é um problema estrutural. Eu venho falando há pelo menos quatro anos que a política de juros altos do governo, que a política cambial feita àquela época da paridade, que a falta de uma política industrial, que a falta de organizar as cadeias produtivas do país para que o país pudesse exportar mais, que o excessivo direcionamento do país para o sistema financeiro, que isso tudo ia dar no que deu. Não há nenhuma surpresa para mim. Nós acabamos de viver um confisco como foi feito na época do Collor [Fernando Collor de Mello, que em 1990 decretou o Plano Collor, que bloqueou os recursos depositados nas poupanças e contas correntes", apenas em proporção menor e sem o mesmo alarde.

Folha - Se o senhor já fosse o presidente da República, como trataria esse problema?
Garotinho -
Temos de tratar essas questões de duas formas: uma forma emergencial e uma forma de longo prazo. A forma emergencial é garantir que nós não iremos em hipótese alguma propor qualquer tipo de quebra de contrato. Em compensação, vamos propor a renegociação de toda a nossa dívida interna e externa.
Nada será feito de forma unilateral. Não esperem surpresas do Garotinho. Eu sou um político totalmente previsível. Tudo que eu me comprometo a fazer, eu faço. Ou seja, não há nenhuma chance de confisco nem de moratória nem de calote -nenhum tipo de violência contra quem quer que seja. O Brasil precisa de um governo de união nacional.

Folha - Como o senhor planeja formar o seu ministério?
Garotinho -
É um equívoco achar que o ministério é do partido A ou do partido B. O ministério é do Brasil. Eu buscarei os melhores quadros na universidade, na iniciativa privada, nos partidos políticos para fazer o ministério do Brasil, que represente com eficiência o nosso país em todos os setores.

Folha - Mesmo que o senhor vença a eleição, não terá maioria no Congresso Nacional. Como pretende governar o país?
Garotinho -
Quando você tem um projeto é mais fácil de aglutinar em torno dele do que fazer a política de atração no varejo. O Fernando Henrique, no seu primeiro mandato, foi eleito com 43 deputados [na realidade, em 1994, o PSDB elegeu 62 deputados". Eu calculo que o PSB faça mais do que isso e entre cinco e sete governadores. Portanto, governabilidade não será problema.

Folha - O senhor fala que a reforma tributária será uma de suas prioridades. Que reforma o senhor planeja?
Garotinho -
Uma reforma que desonere os investimentos produtivos, estimule a exportação, alargue a base dos contribuintes diminuindo a incidência de alíquotas altas. O melhor imposto é o menor imposto cobrado sobre uma base maior. Esse é o nosso conceito de reforma tributária. Nós queremos fazê-la por etapa, logo no início do governo. No primeiro ano reduzimos de 54 impostos para 24 e depois para sete.

Folha - Como o senhor avalia o governo Fernando Henrique Cardoso e que nota daria para o presidente?
Garotinho -
O grande mérito do presidente Fernando Henrique Cardoso foi ter melhorado a imagem externa do país. Seu maior defeito foi a falta de capacidade gerencial. Ele não é um bom gerente. Eu daria nota cinco. Ele foi bom para a imagem do país mas foi péssimo na administração.

Folha - O país melhorou ou piorou nestes últimos oito anos?
Garotinho -
Eu quero fazer um governo de Fernando Henrique para frente. Ou seja, os avanços que ocorreram serão consolidados. E os erros serão corrigidos. Não vou governar pensando em começar o Brasil a partir de agora. Não tenho essa ingenuidade.

Folha - O senhor admite, portanto, que houve alguma melhora sob Fernando Henrique?
Garotinho -
Sim. Até pelo simples fato de que no mundo em que vivemos, uma nação do tamanho do Brasil, com o potencial que tem, ela até por inércia melhora. Só que nós poderíamos ter avançado muito mais. Na verdade, nós tivemos perdas. Nós éramos o primeiro país em economia da América Latina e perdemos a liderança para o México. Éramos a oitava economia do mundo, viramos a 11ª. E o próximo relatório vai apontar que vamos cair para 13º.

Folha - Quem vai para o segundo turno?
Garotinho -
Eu e o Lula.

Folha - As pesquisas eleitorais mostram que o sr. vai bem nas classes D e E e tem dificuldades nas classes A e B. A que o senhor atribui estas dificuldades?
Garotinho -
As classes A e B foram contaminadas por uma desinformação a meu respeito. Se difundiu erroneamente o conceito de que eu sou um populista.
A própria campanha se incumbirá de fazer ver a essas pessoas que alguém que negociou a dívida do Rio como eu negociei, reconhecida pelo próprio ministro como a mais brilhante negociação de todos os Estados, que teve a preocupação de recuperar a economia do Estado como eu tive, que tem uma visão estratégica como eu tenho, não é populista. Tenho uma visão popular. Esse preconceito será quebrado na medida em que as pessoas forem me conhecendo, não tem outro jeito.

Folha - O senhor reclama frequentemente de não ser bem compreendido pelas elites. O senhor se sente discriminado?
Garotinho -
Pelos empresários, não. Pelo setor intelectual, sim.

Folha - E por quê?
Garotinho -
Pela questão da religiosidade. É um ponto em que as pessoas têm preconceito. Elas não conseguem entender a questão do evangelho. Muitas pessoas acham que eu me aproveito dessa situação porque isso foi muito difundido pelos meus adversários, quando na verdade elas se esquecem que antes da minha conversão eu já tinha sido deputado estadual, prefeito de Campos, secretário de Estado e candidato a governador.
E, o que é pior, na eleição em que eu me converti [1994", eu perdi. Não tenho preconceito contra religião alguma. Espero que não tenham preconceito contra mim.

Folha - O senhor continua achando que agiu certo ao recorrer à Justiça para impedir a publicação do conteúdo das fitas gravadas pelo empresário Guilherme Freire? O senhor acabou sofrendo um desgaste. Como o senhor avalia hoje a iniciativa?
Garotinho -
Hoje eu não faria outra vez. As fitas não tinham nada de mais e eu fiquei com uma fama de censor. De todo o processo das fitas, o que restou foi uma multa da Receita Federal prescrita, mas que nós pagamos por uma questão mais moral e ética do que tributária.



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