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São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

ABILIO DINIZ

Para empresário, corte não pode ser feito de "forma estabanada", pois inflação "existe de verdade"

"Lula tem de segurar taxa de juro"

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Nos últimos dez anos, o empresário Abilio Diniz, 66, presidente do conselho de administração do grupo Pão de Açúcar, tem preferido falar muito pouco sobre economia. Ele deu prioridade aos negócios. A empresa vivia momentos difíceis e ele tinha sido vítima de sequestro ao final de 1989.
No início do ano, Abilio deixou o comando executivo do grupo e tornou-se membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão de assessoria ao governo composto por diferentes setores da sociedade.
Nesta entrevista, ele deixa de lado os negócios e fala abertamente como vê o governo Lula. Apesar de ter sido eleitor de José Serra (PSDB) nas eleições de 2002 e de seus negócios estarem sendo atingidos com a retração da economia, o empresário faz uma defesa emocionada do governo. "O governo está fazendo as coisas que têm de ser feitas no país."
Num recado direto ao vice-presidente José Alencar, que também é empresário, Abilio afirma que há muitos leigos defendendo teses acadêmicas equivocadas. "Não adianta você baixar a taxa de juros agora, de forma estabanada", diz.
O empresário diz que o governo tem de resistir a todas as pressões e manter a atual política. "Se pudesse mandar uma mensagem para o presidente, a mensagem seria a seguinte: "Presidente, "guenta" a mão", afirma Abilio.
O empresário diz que não há outro caminho senão os juros altos e a retração da economia para combater a inflação. "O jeito é a gente ter paciência."
A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Como o sr. vê os primeiros cinco meses do governo Lula?
Abilio Diniz -
Pouca gente teria mais razões para ser crítico deste governo do que eu. A atual política econômica afeta de forma negativa os meus negócios. O consumo está muito baixo, os salários muito baixos, as taxas de juros muito altas, a atividade econômica em geral está muito baixa. Minha companhia é diretamente afetada por isso. No entanto o que tenho a dizer é o seguinte: olha, nós precisamos dar tempo ao tempo. O governo está fazendo as coisas que têm de ser feitas neste país. Durante dez anos fui membro do Conselho Monetário Nacional, durante dez anos estive muito mais voltado para a economia do país, para a política, mais voltado para Brasília do que para os meus negócios. A consequência disso é que, em 1990, nós quase quebramos. Depois disso, me afastei totalmente, mas tenho um bom conhecimento de economia, um bom conhecimento das atividades de governo para fazer a afirmação que estou fazendo.

Folha - O sr. acha que os críticos do governo são precipitados?
Abilio -
Está havendo uma tensão muito grande, muitas pessoas falando contra a política econômica do governo, dizendo que nós estamos em recessão, que o desemprego nunca esteve tão alto, que as taxas de juros nunca estiveram tão elevadas e que nunca se pagou tanto imposto neste país. Tudo isso é verdade. Porém as pessoas não estão conseguindo ver que este governo está com apenas cinco meses de existência. Tudo o que está aí foi herdado. Não houve tempo ainda para que este governo tomasse as medidas que pretende para fazer a mudança. Este governo, de forma sensata e corajosa, está resistindo às pressões e construindo a base para que o país possa voltar a crescer de forma sustentada.

Folha - Mas há pressões, inclusive dentro do próprio governo. O vice José Alencar é o maior crítico dos juros. Como o sr. vê isso?
Abilio -
Se pudesse mandar uma mensagem para o presidente, seria a seguinte: "Presidente, "guenta" a mão". O presidente tem de aguentar as pressões. O governo tem que seguir nesse caminho. Não adianta você baixar a taxa de juros agora, de forma estabanada. A inflação existe de verdade. Vejo o assunto sendo discutido nos jornais, com leigos fazendo discursos "acadêmicos" de que não adianta manter os juros elevados se a inflação é de custo, e não de demanda, e por isso a taxa de juros não funciona. O dólar chegou a quase R$ 4. Já caiu, mas nem por isso a inflação baixou na mesma proporção que o dólar recuou.

Folha - O leigo a que o sr. se refere é o vice José Alencar?
Abilio -
Não falo das pessoas. Falo do que leio nos jornais. O que está ocorrendo é que, desde o final de 2002, começou um processo de recomposição de margens [de lucro] na economia e é isso que tem provocado a inflação. É até compreensível. A economia vinha muito contida, e as margens, muito baixas. Em 2002, até por um certo temor de que o novo governo pudesse fazer algum controle de preços, as empresas iniciaram um processo de recomposição de margens que ainda não terminou. É por isso que o governo tem de ter pulso firme.

Folha - O sr. acha a gritaria despropositada?
Abilio -
A discussão está muito emocional. Agora, por exemplo, começa-se a discutir que a carga tributária vai aumentar com a reforma tributária. No início do governo anterior, nós tínhamos uma carga tributária ao redor de 26% do PIB. Nós terminamos o governo anterior com uma carga tributária ao redor de 35% do PIB. Nós não podemos exigir que este governo, com cinco meses, derrube a carga tributária de 35% para 28% ou para 25% do PIB.

Folha - O presidente tem falado muito sobre as diferenças entre a taxa Selic e a cobrada pelo mercado. O sr. concorda que há exagero dos bancos na cobrança de juros?
Abilio -
Tem muita gente dizendo que não tem nada a ver a taxa Selic com as taxas de juros praticadas no país. Não é verdade, tem a ver sim. É claro que a taxa Selic acaba sendo um referencial para todas as outras taxas. Há uma grande gritaria contra as taxas cobradas pelos bancos. Acho que, ao analisar as taxas cobradas pelos bancos, é preciso que as pessoas lembrem que os "spreads" bancários são influenciados por mecanismos de política monetária introduzidos e controlados pelo Banco Central, como os depósitos compulsórios e os impostos. Ao analisar por que a taxa Selic é de 26,5% ao ano e por que os bancos cobram 170% ao ano no cheque especial, é preciso que se conheçam todos os componentes dos 26,5% e todos os componentes dos 170%.

Folha - A inflação já começou a dar sinais de queda. O Banco Central não poderia começar a baixar os juros?
Abilio -
A queda dos juros é questão de tempo muito pequeno. Todas as pessoas do governo têm consciência de que os juros têm de baixar. O importante agora é conter a inflação, e a taxa de juros é um dos poucos instrumentos realmente eficientes para combatê-la. Vamos dar tempo para que isso aconteça.

Folha - Mas o custo desse processo é a recessão...
Abilio -
Você tem de conter a atividade econômica. O jeito é a gente ter paciência. Acho que estamos no fim do túnel.

Folha - A carga tributária não é um impeditivo ao investimento?
Abilio -
O governo está consciente desse problema e tenho certeza de que irá reduzi-la no momento em que conseguir diminuir também seus gastos. Agora, isso não acontece da noite para o dia. Todos nós sabemos que a opção ao governo Lula, que era o governo José Serra, vinha preparando um violentíssimo ajuste fiscal. Coisa que o PT está fazendo também.

Folha - Mas o que vai acontecer com tantos desempregados?
Abilio -
No momento em que a economia voltar a crescer, começará a diminuir o número de desempregados. O número que aparece nas pesquisas não contempla as pessoas que estão na economia informal. Essa é outra coisa que o governo precisa combater. O governo tem enorme espaço para arrecadar tributos se promover um grande combate à sonegação.

Folha - O sr. é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Como o sr. vê a participação do conselho no governo?
Abilio -
O conselho está funcionando muito bem e dando muitas contribuições ao governo. Acho que o conselho é um fórum para manifestações. Seus membros não deveriam ficar criticando o governo fora do conselho. Por que não falam lá dentro?

Folha - A quem o sr. se refere?
Abilio -
Não cito nomes. Só acho que as pessoas precisam ter coerência. Não tem um fórum? Não tem um conselho? Grita lá dentro. Não precisa sair depois gritando lateralmente. Não devemos esquecer que o governo está no quinto mês e já fez muita coisa em cinco meses, exceto aquilo que as pessoas querem, que são as medidas de curto prazo e que não levam a nada, como, de repente, intervir no câmbio. O governo não vai fazer isso e espero que não faça em nenhuma hipótese.

Folha - Há pouco tempo seu nome foi cogitado para fazer parte do governo. O sr. foi convidado?
Abilio -
Nunca fui convidado por ninguém, e espero não ser, porque acho que tenho muito mais a contribuir como empresário do que participando do governo. Ficaria muito honrado de estar junto dessa gente, mas já estou com eles dando minha contribuição como empresário.


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