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ENTREVISTA DA 2ª
ABILIO DINIZ
Para empresário, corte não pode ser feito de "forma estabanada", pois inflação "existe de verdade"
"Lula tem de segurar taxa de juro"
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Nos últimos dez anos, o empresário Abilio Diniz, 66, presidente
do conselho de administração do
grupo Pão de Açúcar, tem preferido falar muito pouco sobre economia. Ele deu prioridade aos negócios. A empresa vivia momentos difíceis e ele tinha sido vítima
de sequestro ao final de 1989.
No início do ano, Abilio deixou
o comando executivo do grupo e
tornou-se membro do Conselho
de Desenvolvimento Econômico
e Social, órgão de assessoria ao
governo composto por diferentes
setores da sociedade.
Nesta entrevista, ele deixa de lado os negócios e fala abertamente
como vê o governo Lula. Apesar
de ter sido eleitor de José Serra
(PSDB) nas eleições de 2002 e de
seus negócios estarem sendo atingidos com a retração da economia, o empresário faz uma defesa
emocionada do governo. "O governo está fazendo as coisas que
têm de ser feitas no país."
Num recado direto ao vice-presidente José Alencar, que também
é empresário, Abilio afirma que
há muitos leigos defendendo teses
acadêmicas equivocadas. "Não
adianta você baixar a taxa de juros
agora, de forma estabanada", diz.
O empresário diz que o governo
tem de resistir a todas as pressões
e manter a atual política. "Se pudesse mandar uma mensagem
para o presidente, a mensagem
seria a seguinte: "Presidente,
"guenta" a mão", afirma Abilio.
O empresário diz que não há
outro caminho senão os juros altos e a retração da economia para
combater a inflação. "O jeito é a
gente ter paciência."
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Como o sr. vê os primeiros
cinco meses do governo Lula?
Abilio Diniz - Pouca gente teria
mais razões para ser crítico deste
governo do que eu. A atual política econômica afeta de forma negativa os meus negócios. O consumo está muito baixo, os salários
muito baixos, as taxas de juros
muito altas, a atividade econômica em geral está muito baixa. Minha companhia é diretamente
afetada por isso. No entanto o que
tenho a dizer é o seguinte: olha,
nós precisamos dar tempo ao
tempo. O governo está fazendo as
coisas que têm de ser feitas neste
país. Durante dez anos fui membro do Conselho Monetário Nacional, durante dez anos estive
muito mais voltado para a economia do país, para a política, mais
voltado para Brasília do que para
os meus negócios. A consequência disso é que, em 1990, nós quase
quebramos. Depois disso, me
afastei totalmente, mas tenho um
bom conhecimento de economia,
um bom conhecimento das atividades de governo para fazer a afirmação que estou fazendo.
Folha - O sr. acha que os críticos
do governo são precipitados?
Abilio - Está havendo uma tensão muito grande, muitas pessoas
falando contra a política econômica do governo, dizendo que
nós estamos em recessão, que o
desemprego nunca esteve tão alto, que as taxas de juros nunca estiveram tão elevadas e que nunca
se pagou tanto imposto neste
país. Tudo isso é verdade. Porém
as pessoas não estão conseguindo
ver que este governo está com
apenas cinco meses de existência.
Tudo o que está aí foi herdado.
Não houve tempo ainda para que
este governo tomasse as medidas
que pretende para fazer a mudança. Este governo, de forma sensata
e corajosa, está resistindo às pressões e construindo a base para
que o país possa voltar a crescer
de forma sustentada.
Folha - Mas há pressões, inclusive
dentro do próprio governo. O vice
José Alencar é o maior crítico dos
juros. Como o sr. vê isso?
Abilio - Se pudesse mandar uma
mensagem para o presidente, seria a seguinte: "Presidente, "guenta" a mão". O presidente tem de
aguentar as pressões. O governo
tem que seguir nesse caminho.
Não adianta você baixar a taxa de
juros agora, de forma estabanada.
A inflação existe de verdade. Vejo
o assunto sendo discutido nos
jornais, com leigos fazendo discursos "acadêmicos" de que não
adianta manter os juros elevados
se a inflação é de custo, e não de
demanda, e por isso a taxa de juros não funciona. O dólar chegou
a quase R$ 4. Já caiu, mas nem por
isso a inflação baixou na mesma
proporção que o dólar recuou.
Folha - O leigo a que o sr. se refere
é o vice José Alencar?
Abilio - Não falo das pessoas. Falo do que leio nos jornais. O que
está ocorrendo é que, desde o final de 2002, começou um processo de recomposição de margens
[de lucro] na economia e é isso
que tem provocado a inflação. É
até compreensível. A economia
vinha muito contida, e as margens, muito baixas. Em 2002, até
por um certo temor de que o novo
governo pudesse fazer algum
controle de preços, as empresas
iniciaram um processo de recomposição de margens que ainda
não terminou. É por isso que o governo tem de ter pulso firme.
Folha - O sr. acha a gritaria despropositada?
Abilio - A discussão está muito
emocional. Agora, por exemplo,
começa-se a discutir que a carga
tributária vai aumentar com a reforma tributária.
No início do governo anterior, nós tínhamos uma carga
tributária ao redor
de 26% do PIB. Nós
terminamos o governo anterior com
uma carga tributária ao redor de 35%
do PIB. Nós não
podemos exigir que
este governo, com
cinco meses, derrube a carga tributária
de 35% para 28%
ou para 25% do
PIB.
Folha - O presidente tem falado muito
sobre as diferenças
entre a taxa Selic e a
cobrada pelo mercado. O sr. concorda que há exagero dos bancos
na cobrança de juros?
Abilio - Tem muita gente dizendo que não tem nada a ver a taxa
Selic com as taxas de juros praticadas no país. Não é verdade, tem
a ver sim. É claro que a taxa Selic
acaba sendo um referencial para
todas as outras taxas. Há uma
grande gritaria contra as taxas cobradas pelos bancos. Acho que,
ao analisar as taxas
cobradas pelos bancos, é preciso que as
pessoas lembrem
que os "spreads"
bancários são influenciados por mecanismos de política monetária introduzidos e controlados pelo Banco
Central, como os
depósitos compulsórios e os impostos. Ao analisar por
que a taxa Selic é de
26,5% ao ano e por
que os bancos cobram 170% ao ano
no cheque especial,
é preciso que se conheçam todos os
componentes dos
26,5% e todos os
componentes dos 170%.
Folha - A inflação já começou a
dar sinais de queda. O Banco Central não poderia começar a baixar
os juros?
Abilio - A queda dos juros é
questão de tempo muito pequeno. Todas as pessoas do governo
têm consciência de que os juros
têm de baixar. O importante agora é conter a inflação, e a taxa de
juros é um dos poucos instrumentos realmente eficientes para
combatê-la. Vamos dar tempo
para que isso aconteça.
Folha - Mas o custo desse processo é a recessão...
Abilio - Você tem de conter a atividade econômica. O jeito é a gente ter paciência. Acho que estamos no fim do túnel.
Folha - A carga tributária não é
um impeditivo ao investimento?
Abilio - O governo está consciente desse problema e tenho certeza
de que irá reduzi-la no momento
em que conseguir diminuir também seus gastos. Agora, isso não
acontece da noite para o dia. Todos nós sabemos que a opção ao
governo Lula, que era o governo
José Serra, vinha preparando um
violentíssimo ajuste fiscal. Coisa
que o PT está fazendo também.
Folha - Mas o que vai acontecer
com tantos desempregados?
Abilio - No momento em que a
economia voltar a crescer, começará a diminuir o número de desempregados. O número que aparece nas pesquisas não contempla
as pessoas que estão na economia
informal. Essa é outra coisa que o
governo precisa combater. O governo tem enorme espaço para
arrecadar tributos se promover
um grande combate à sonegação.
Folha - O sr. é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Como o sr. vê a participação do conselho no governo?
Abilio - O conselho está funcionando muito bem e dando muitas
contribuições ao governo. Acho
que o conselho é um fórum para
manifestações. Seus membros
não deveriam ficar criticando o
governo fora do conselho. Por
que não falam lá dentro?
Folha - A quem o sr. se refere?
Abilio - Não cito nomes. Só acho
que as pessoas precisam ter coerência. Não tem um fórum? Não
tem um conselho? Grita lá dentro.
Não precisa sair depois gritando
lateralmente. Não devemos esquecer que o governo está no
quinto mês e já fez muita coisa em
cinco meses, exceto aquilo que as
pessoas querem, que são as medidas de curto prazo e que não levam a nada, como, de repente, intervir no câmbio. O governo não
vai fazer isso e espero que não faça
em nenhuma hipótese.
Folha - Há pouco tempo seu nome
foi cogitado para fazer parte do governo. O sr. foi convidado?
Abilio - Nunca fui convidado por
ninguém, e espero não ser, porque acho que tenho muito mais a
contribuir como empresário do
que participando do governo. Ficaria muito honrado de estar junto dessa gente, mas já estou com
eles dando minha contribuição
como empresário.
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