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ELIO GASPARI
A renda mínima do tucanato
Se ninguém gritar, o governo
vai empurrar um imposto de 2%
sobre a receita bruta nas empresas. Numa monumental mistificação, ele vem sendo chamado
de "Imposto de Renda mínimo".
Renda é renda, e receita é receita. Uma empresa pode ter receita e dar prejuízo. Pretende-se
criar uma situação na qual pode
acontecer que um negócio esteja
perdendo dinheiro e, mesmo assim, sofra um confisco de 2% de
sua receita.
Cobrando indiscriminadamente, o governo procede como
aquele senhor feudal que, tendo
sido mandado a uma cidade para combater uma seita de hereges, trancou a população na
igreja e ateou-lhe fogo. Justificou-se mais ou menos assim:
mandei todos ao Padre Eterno,
que, com sua infinita sabedoria,
saberá abrigar os fiéis, distinguindo-os dos heréticos.
A idéia da cobrança desse imposto sobre a receita bruta está
açucarada por números assombrosos, divulgados pelo próprio
governo:
1) a Viúva deixa de arrecadar,
a cada ano, R$ 825,6 bilhões. Ou
seja, de cada R$ 10 que deveria
coletar, perde R$ 4;
2) de cada 10 das 66 maiores
instituições financeiras, 4 não
pagam Imposto de Renda;
3) segundo o secretário da Receita, Everardo Maciel, "há uma
casta de 2 milhões de contribuintes no país que fogem sistematicamente da tributação,
apropriando benefícios que recebem como despesas de pessoas
jurídicas e, estas, não raro, dão
prejuízo".
Nenhum desses três descalabros é argumento associável ao
lançamento de um imposto sobre a receita das empresas.
Cada centavo que a Viúva deixa de arrecadar é assunto da
responsabilidade da Secretaria
da Receita Federal. Se o Ministério da Fazenda anda sucateando-a, que ponha a boca no
trombone. Se os fiscais não podem viajar porque o doutor Pedro Parente tomou-lhe o dinheiro, que se dê o nome aos bois.
Faz tempo que as maiores exibições de valentia pública da
Receita são exercidas apenas sobre os viajantes que chegam aos
aeroportos. No final do ano passado, produziu-se uma blitz que
azucrinou a vida de milhares de
cidadãos. A Polícia Federal chegou a revistar automóveis depois que eles estavam na estrada. Dado o vexame, anunciou-se que o transtorno arrecadara
R$ 250 mil em impostos.
Se os bancos não pagam impostos, de duas uma: ou estão se
valendo de recursos que a lei
lhes faculta, ou a estão ofendendo. No primeiro caso, o que o governo tem a fazer é propor a mudança da lei, pedindo desculpas
à choldra. Deve-lhe essas desculpas porque nos últimos cinco
anos associou a incapacidade
de legislar contra a banca a uma
inaudita capacidade de seduzi-la durante as campanhas eleitorais.
Em 1994, o comitê financeiro
da campanha de FFH arrecadou R$ 10 milhões na banca. No
ano passado, a arrecadação
partidária subiu para R$ 11,5
milhões (26,7% do total de doações). Comparando os dois ervanários, verifica-se que a capacidade arrecadadora do comitê
eleitoral de FHH na banca aumentou em 15%. Humilhou o
governo que reelegeu. O repórter Alex Ribeiro apurou que, entre 1994 e 1998, a capacidade arrecadadora da Receita na mesma banca cresceu apenas 11,1%.
É pena que seja proibido, mas,
se o doutor Everardo Maciel pudesse divulgar a lista dos bancos
que não pagam Imposto de Renda, mas contribuíram para a
campanha presidencial de FFH,
produziria um documento de
dar inveja ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso (aquele
que estudava a alma do empresariado nacional).
Há, de fato, uma casta que
descarrega nas empresas as despesas domésticas. Ela vive no
andar de cima e reclama que
seus negócios dão prejuízo. Isso,
como diria o governo, é matéria
requentada. Se o doutor Maciel
procurar bem, vai achar empresário quebrado que descarregava na empresa uma folha de pagamento doméstica de mais de
R$ 50 mil por mês. Se a Receita
Federal pendurar na paliçada
da taba os esqueletos de meia
dúzia de maganos que fazem esse jogo, ele se torna pelo menos
mais perigoso.
Enquanto se planeja uma nova forma de tributação das empresas, o presidente do Banco
Central, doutor Armínio Fraga,
sai-se com uma gracinha:
"Todo mundo tem que pagar
imposto, seja grande, pequeno,
azul, verde, vermelho, todos têm
que pagar. Banco, quitandeiro,
carpinteiro".
O problema não está em lembrar que os quitandeiros e carpinteiros devem pagar impostos, mas em parar de esquecer
de cobrá-los aos bancos. Até
porque, se alguns milhões de
reais vão para o ralo por conta
de isenções dadas ao capital, isso não resulta de uma política
dos quitandeiros ou dos carpinteiros. Resultou de uma festa
patrocinada pela ekipekonômica que o doutor Fraga integra.
Do jeito que estão as coisas,
vai-se inventar um jeito de cobrar 2% de imposto sobre a receita bruta do quitandeiro que
está no prejuízo. Depois, aparecerá um secretário da Receita
reclamando que os bancos continuam sem pagar.
A banca cumpre a lei e, sobretudo, os costumes. Em vez de pagar Imposto de Renda a cada
ano, faz suas doações a cada
quatro. Os carpinteiros e os quitandeiros, infelizmente, não
conseguem entrar nesse esquema.
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