São Paulo, Quarta-feira, 09 de Junho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI
A renda mínima do tucanato

Se ninguém gritar, o governo vai empurrar um imposto de 2% sobre a receita bruta nas empresas. Numa monumental mistificação, ele vem sendo chamado de "Imposto de Renda mínimo". Renda é renda, e receita é receita. Uma empresa pode ter receita e dar prejuízo. Pretende-se criar uma situação na qual pode acontecer que um negócio esteja perdendo dinheiro e, mesmo assim, sofra um confisco de 2% de sua receita.
Cobrando indiscriminadamente, o governo procede como aquele senhor feudal que, tendo sido mandado a uma cidade para combater uma seita de hereges, trancou a população na igreja e ateou-lhe fogo. Justificou-se mais ou menos assim: mandei todos ao Padre Eterno, que, com sua infinita sabedoria, saberá abrigar os fiéis, distinguindo-os dos heréticos.
A idéia da cobrança desse imposto sobre a receita bruta está açucarada por números assombrosos, divulgados pelo próprio governo:
1) a Viúva deixa de arrecadar, a cada ano, R$ 825,6 bilhões. Ou seja, de cada R$ 10 que deveria coletar, perde R$ 4;
2) de cada 10 das 66 maiores instituições financeiras, 4 não pagam Imposto de Renda;
3) segundo o secretário da Receita, Everardo Maciel, "há uma casta de 2 milhões de contribuintes no país que fogem sistematicamente da tributação, apropriando benefícios que recebem como despesas de pessoas jurídicas e, estas, não raro, dão prejuízo".
Nenhum desses três descalabros é argumento associável ao lançamento de um imposto sobre a receita das empresas.
Cada centavo que a Viúva deixa de arrecadar é assunto da responsabilidade da Secretaria da Receita Federal. Se o Ministério da Fazenda anda sucateando-a, que ponha a boca no trombone. Se os fiscais não podem viajar porque o doutor Pedro Parente tomou-lhe o dinheiro, que se dê o nome aos bois.
Faz tempo que as maiores exibições de valentia pública da Receita são exercidas apenas sobre os viajantes que chegam aos aeroportos. No final do ano passado, produziu-se uma blitz que azucrinou a vida de milhares de cidadãos. A Polícia Federal chegou a revistar automóveis depois que eles estavam na estrada. Dado o vexame, anunciou-se que o transtorno arrecadara R$ 250 mil em impostos.
Se os bancos não pagam impostos, de duas uma: ou estão se valendo de recursos que a lei lhes faculta, ou a estão ofendendo. No primeiro caso, o que o governo tem a fazer é propor a mudança da lei, pedindo desculpas à choldra. Deve-lhe essas desculpas porque nos últimos cinco anos associou a incapacidade de legislar contra a banca a uma inaudita capacidade de seduzi-la durante as campanhas eleitorais.
Em 1994, o comitê financeiro da campanha de FFH arrecadou R$ 10 milhões na banca. No ano passado, a arrecadação partidária subiu para R$ 11,5 milhões (26,7% do total de doações). Comparando os dois ervanários, verifica-se que a capacidade arrecadadora do comitê eleitoral de FHH na banca aumentou em 15%. Humilhou o governo que reelegeu. O repórter Alex Ribeiro apurou que, entre 1994 e 1998, a capacidade arrecadadora da Receita na mesma banca cresceu apenas 11,1%.
É pena que seja proibido, mas, se o doutor Everardo Maciel pudesse divulgar a lista dos bancos que não pagam Imposto de Renda, mas contribuíram para a campanha presidencial de FFH, produziria um documento de dar inveja ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso (aquele que estudava a alma do empresariado nacional).
Há, de fato, uma casta que descarrega nas empresas as despesas domésticas. Ela vive no andar de cima e reclama que seus negócios dão prejuízo. Isso, como diria o governo, é matéria requentada. Se o doutor Maciel procurar bem, vai achar empresário quebrado que descarregava na empresa uma folha de pagamento doméstica de mais de R$ 50 mil por mês. Se a Receita Federal pendurar na paliçada da taba os esqueletos de meia dúzia de maganos que fazem esse jogo, ele se torna pelo menos mais perigoso.
Enquanto se planeja uma nova forma de tributação das empresas, o presidente do Banco Central, doutor Armínio Fraga, sai-se com uma gracinha:
"Todo mundo tem que pagar imposto, seja grande, pequeno, azul, verde, vermelho, todos têm que pagar. Banco, quitandeiro, carpinteiro".
O problema não está em lembrar que os quitandeiros e carpinteiros devem pagar impostos, mas em parar de esquecer de cobrá-los aos bancos. Até porque, se alguns milhões de reais vão para o ralo por conta de isenções dadas ao capital, isso não resulta de uma política dos quitandeiros ou dos carpinteiros. Resultou de uma festa patrocinada pela ekipekonômica que o doutor Fraga integra.
Do jeito que estão as coisas, vai-se inventar um jeito de cobrar 2% de imposto sobre a receita bruta do quitandeiro que está no prejuízo. Depois, aparecerá um secretário da Receita reclamando que os bancos continuam sem pagar.
A banca cumpre a lei e, sobretudo, os costumes. Em vez de pagar Imposto de Renda a cada ano, faz suas doações a cada quatro. Os carpinteiros e os quitandeiros, infelizmente, não conseguem entrar nesse esquema.



Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: Forte é o presidente
Próximo Texto: PR grampeia MST, que usa escuta contra gestão Lerner
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.