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ÍNDIOS
Pesquisadores estrangeiros e equipes de TV pagam para entrar no território; deputado suspeita de irregularidades
Funai abre contato com tribos isoladas
ALEXANDRE OLTRAMARI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Índios isolados viraram atração
internacional na Amazônia brasileira. A Funai (Fundação Nacional do Índio) tem autorizado o
contato de brasileiros e estrangeiros com índios que só recentemente se relacionaram com antropólogos do órgão. Em alguns
casos, a Funai cobra pelas visitas.
Desde o início da década, os
Zo'é, uma das poucas tribos já
contatadas pelo homem branco
que ainda não usam sandálias
Havaianas ou calção Adidas, receberam mais de duas dezenas de
visitas. Os Zo'é são conhecidos no
exterior como um dos últimos
povos intactos da Amazônia.
Eles foram localizados pela Funai em 89 e, apesar do trânsito intenso na aldeia, até hoje são considerados isolados. Com uma população de aproximadamente 150
indivíduos, vivem em uma floresta no norte do Pará, onde as incursões de brasileiros e estrangeiros são cada vez mais freqüentes.
Em dezembro do ano passado,
o funcionário da Funai Frederico
Miranda de Oliveira emitiu um
radiograma, do interior do Pará
para a sede em Belém. Pedia remédios, mas seu relato menciona
visitantes estrangeiros na região.
"Informo que toda comunidade
está acometida de forte gripe e vários casos de malária. Desde ontem estamos sem medicamentos.
Não podemos esperar pela boa
vontade e generosidade de visitantes estrangeiros", disse.
Há três semanas, o deputado federal Josué Bengtson (PTB-PA),
ex-presidente da Comissão da
Amazônia da Câmara dos Deputados, entregou dossiê ao ministro José Gregori (Justiça) pedindo
apuração de supostas irregularidades do Departamento de Índios
Isolados (DII) da Funai.
25 visitantes
Segundo o dossiê, pelo menos
25 pessoas, entre antropólogos,
etno-botânicos, uma equipe da
TV Discovery Channel, pesquisadores da Alemanha e jornalistas
espanhóis e brasileiros, fizeram
visitas autorizadas desde 92.
No documento, o deputado
aponta o que chama de "incoerência do governo". Segundo ele,
a Funai tem a obrigação de proteger os índios isolados, mas o Departamento de Índios Isolados os
expõe ao contato com o homem
branco. O Ministério da Justiça
está investigando as denúncias.
Lista da Funai, obtida pela Folha, revela que apenas um departamento do órgão, a Coordenação
Geral de Estudos e Pesquisas, autorizou 20 visitas desde 89, quando os Zo'é foram contatados.
Na lista de visitantes, há cientistas estrangeiros, antropólogos e
emissoras de televisão da Itália, da
Inglaterra, do Japão e do Brasil.
O sertanista Sidney Possuelo,
diretor do DII da Funai, confirmou que o órgão tem autorizado
o ingresso de visitantes na região."É possível entrar, sim. Pesquisadores e jornalistas têm o que
fazer ali. Turistas, não", afirma.
Possuelo confirmou que a Funai
cobra para permitir a gravação de
imagens dos índios. "Eu apenas
digo se a visita causa ou não problemas aos índios. A assinatura de
contrato de direito de imagem
não é problema meu. Há um órgão na Funai que cuida disso."
O órgão é a Coordenação Geral
de Estudos e Pesquisas (CGEP),
em Brasília, chefiado por Josefina
Cardoso. Ela também confirmou
a cobrança, mas disse que o dinheiro não fica com a Funai. Segundo ela, a Funai apenas garante
o direito à imagem dos indígenas,
previsto no Estatuto do Índio.
Segundo Josefina, a Funai consulta os índios sobre os projetos,
pede que estipulem um valor e,
quando o interessado concorda, o
trabalho é realizado. O dinheiro
seria entregue aos índios.
Quando se fala em índios que
não falam português e nem sabem qual é a moeda brasileira, a
negociação é complexa. "Quem
fala por eles é o Sidney Possuelo,
que estipula o valor ou as mercadorias que devem ser entregues
aos índios", diz a chefe do CGEP.
Em 92, dois anos depois de contatar os Zo'é, a Funai autorizou a
Reti Televisive Italiane, da Itália, a
gravar imagens dos índios. Um
ano depois, o pesquisador alemão
Roland Garve foi autorizado a filmar um documentário na região.
Em 95, a autorização foi renovada. Como pagamento, Garve entregou um gerador de energia aos
Zo'é. Em 96, ao ter a autorização
renovada pela segunda vez, Garve
deu um microscópio aos índios.
Equipes da Discovery Channel
estiveram com os Zo'é em 97 e 98
para gravar um documentário.
Entregaram remédios e utensílios. Em 99, foi a vez da Televisão
Cultural Japonesa. Em troca, a
Funai está recebendo 15% da comercialização das imagens.
No mesmo ano, nove espanhóis
foram autorizados a passar seis
meses entre os Zo'é. Produziram
um vídeo, "Amazônia, o Último
Elo", e entregaram à Funai US$ 10
mil em "mercadorias". Última
emissora de televisão a entrar na
área, a Rede Globo foi autorizada
a permanecer na região durante
18 dias, em fevereiro deste ano.
Josefina Cardoso diz que, como
pagamento, a Funai determinou
que a Globo entregasse "mercadorias diversas" aos índios. O
contrato incluiria 12 caixas de anzol, três caixas de lanternas, sete
caixas de pilhas e medicamentos.
Para Josefina, não há contradição nas visitas a tribos que, em tese, deveriam ficar isoladas. "Nossa política é de preparar a integração. Ou alguém acha que os índios vão continuar isolados do
resto do mundo para sempre?"
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