São Paulo, domingo, 09 de julho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ÍNDIOS
Pesquisadores estrangeiros e equipes de TV pagam para entrar no território; deputado suspeita de irregularidades
Funai abre contato com tribos isoladas

ALEXANDRE OLTRAMARI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Índios isolados viraram atração internacional na Amazônia brasileira. A Funai (Fundação Nacional do Índio) tem autorizado o contato de brasileiros e estrangeiros com índios que só recentemente se relacionaram com antropólogos do órgão. Em alguns casos, a Funai cobra pelas visitas.
Desde o início da década, os Zo'é, uma das poucas tribos já contatadas pelo homem branco que ainda não usam sandálias Havaianas ou calção Adidas, receberam mais de duas dezenas de visitas. Os Zo'é são conhecidos no exterior como um dos últimos povos intactos da Amazônia.
Eles foram localizados pela Funai em 89 e, apesar do trânsito intenso na aldeia, até hoje são considerados isolados. Com uma população de aproximadamente 150 indivíduos, vivem em uma floresta no norte do Pará, onde as incursões de brasileiros e estrangeiros são cada vez mais freqüentes.
Em dezembro do ano passado, o funcionário da Funai Frederico Miranda de Oliveira emitiu um radiograma, do interior do Pará para a sede em Belém. Pedia remédios, mas seu relato menciona visitantes estrangeiros na região.
"Informo que toda comunidade está acometida de forte gripe e vários casos de malária. Desde ontem estamos sem medicamentos. Não podemos esperar pela boa vontade e generosidade de visitantes estrangeiros", disse.
Há três semanas, o deputado federal Josué Bengtson (PTB-PA), ex-presidente da Comissão da Amazônia da Câmara dos Deputados, entregou dossiê ao ministro José Gregori (Justiça) pedindo apuração de supostas irregularidades do Departamento de Índios Isolados (DII) da Funai.

25 visitantes
Segundo o dossiê, pelo menos 25 pessoas, entre antropólogos, etno-botânicos, uma equipe da TV Discovery Channel, pesquisadores da Alemanha e jornalistas espanhóis e brasileiros, fizeram visitas autorizadas desde 92.
No documento, o deputado aponta o que chama de "incoerência do governo". Segundo ele, a Funai tem a obrigação de proteger os índios isolados, mas o Departamento de Índios Isolados os expõe ao contato com o homem branco. O Ministério da Justiça está investigando as denúncias.
Lista da Funai, obtida pela Folha, revela que apenas um departamento do órgão, a Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas, autorizou 20 visitas desde 89, quando os Zo'é foram contatados.
Na lista de visitantes, há cientistas estrangeiros, antropólogos e emissoras de televisão da Itália, da Inglaterra, do Japão e do Brasil.
O sertanista Sidney Possuelo, diretor do DII da Funai, confirmou que o órgão tem autorizado o ingresso de visitantes na região."É possível entrar, sim. Pesquisadores e jornalistas têm o que fazer ali. Turistas, não", afirma.
Possuelo confirmou que a Funai cobra para permitir a gravação de imagens dos índios. "Eu apenas digo se a visita causa ou não problemas aos índios. A assinatura de contrato de direito de imagem não é problema meu. Há um órgão na Funai que cuida disso."
O órgão é a Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas (CGEP), em Brasília, chefiado por Josefina Cardoso. Ela também confirmou a cobrança, mas disse que o dinheiro não fica com a Funai. Segundo ela, a Funai apenas garante o direito à imagem dos indígenas, previsto no Estatuto do Índio.
Segundo Josefina, a Funai consulta os índios sobre os projetos, pede que estipulem um valor e, quando o interessado concorda, o trabalho é realizado. O dinheiro seria entregue aos índios.
Quando se fala em índios que não falam português e nem sabem qual é a moeda brasileira, a negociação é complexa. "Quem fala por eles é o Sidney Possuelo, que estipula o valor ou as mercadorias que devem ser entregues aos índios", diz a chefe do CGEP.
Em 92, dois anos depois de contatar os Zo'é, a Funai autorizou a Reti Televisive Italiane, da Itália, a gravar imagens dos índios. Um ano depois, o pesquisador alemão Roland Garve foi autorizado a filmar um documentário na região.
Em 95, a autorização foi renovada. Como pagamento, Garve entregou um gerador de energia aos Zo'é. Em 96, ao ter a autorização renovada pela segunda vez, Garve deu um microscópio aos índios.
Equipes da Discovery Channel estiveram com os Zo'é em 97 e 98 para gravar um documentário. Entregaram remédios e utensílios. Em 99, foi a vez da Televisão Cultural Japonesa. Em troca, a Funai está recebendo 15% da comercialização das imagens.
No mesmo ano, nove espanhóis foram autorizados a passar seis meses entre os Zo'é. Produziram um vídeo, "Amazônia, o Último Elo", e entregaram à Funai US$ 10 mil em "mercadorias". Última emissora de televisão a entrar na área, a Rede Globo foi autorizada a permanecer na região durante 18 dias, em fevereiro deste ano.
Josefina Cardoso diz que, como pagamento, a Funai determinou que a Globo entregasse "mercadorias diversas" aos índios. O contrato incluiria 12 caixas de anzol, três caixas de lanternas, sete caixas de pilhas e medicamentos.
Para Josefina, não há contradição nas visitas a tribos que, em tese, deveriam ficar isoladas. "Nossa política é de preparar a integração. Ou alguém acha que os índios vão continuar isolados do resto do mundo para sempre?"



Texto Anterior: No Planalto - Josias de Sousa: Vitória em São Paulo é presente de grego
Próximo Texto: Vídeos de índios são vendidos por R$ 80 em SP
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.