São Paulo, domingo, 09 de julho de 2000


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CONVÊNIO
Tratado, assinado em abril, permite que norte-americanos lancem satélites da base de Alcântara, no Maranhão
Acordo espacial Brasil-EUA é contestado

THOMAS TRAUMANN
SANDRA BRASIL
DA REPORTAGEM LOCAL

Políticos de oposição, cientistas e militares preparam um ataque contra o acordo em que o Brasil aluga parte da base espacial de Alcântara (MA) para os Estados Unidos. Afirmam que o contrato fere a soberania nacional e que favorece apenas os EUA.
O acordo permite que os EUA lancem os seus satélites do Brasil. Foi assinado em abril, mas precisa da aprovação dos Congressos dos dois países para entrar em vigor.
Pelo uso da base, os EUA pagarão US$ 5 milhões a cada operação de lançamento. Estão previstos seis lançamentos anuais.
O contrato proíbe que o dinheiro seja investido no desenvolvimento tecnológico do programa espacial brasileiro. "Essa imposição é uma excrescência. O acordo é um atestado final de submissão aos EUA", atacou o coronel da reserva Geraldo Cavagnari, pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
"Nunca li um contrato tão benéfico a um país quanto este. O Brasil não tem nada a ganhar tecnologicamente", disse o físico Rogério Cerqueira Cezar Leite, professor emérito da Unicamp. O governo afirma que o contrato é vantajoso para o país e que está negociando acordos em bases semelhantes com a Ucrânia e a Itália.
"Esse é um acordo comercial, não de cooperação científica. Por isso, cria barreiras para impedir a transferência de tecnologia. É assim em qualquer país do mundo", declarou o presidente da Agência Espacial Brasileira, Luiz Gylvan Meira Filho.
"Eu não assinaria isso", afirmou o major-brigadeiro da reserva Hugo de Oliveira Piva, que trabalhou por 18 anos no programa espacial brasileiro e foi um dos idealizadores da base de Alcântara.
Há setores militares, no entanto, a favor do entendimento Brasil-EUA. O ex-ministro da Aeronáutica Sócrates Monteiro disse que o país não tem dinheiro para investir na base de Alcântara.
"Não foram os vendilhões da pátria que assinaram o acordo. Ele é duro como qualquer acordo americano. Estamos alugando uma área porque precisamos de recursos e é natural que eles queiram proteger a sua tecnologia de ponta."
Quando o acordo entrar em prática, os EUA terão direito ainda a uma área exclusiva na base de Alcântara, na qual apenas poderão entrar brasileiros com crachá entregue pelos EUA. O Brasil também não terá direito a abrir os contêineres com os satélites estrangeiros. "Quando lançamos um satélite brasileiro da Flórida, também não deixamos que eles inspecionem nossos contêineres. É uma prática comum", disse Meira Filho.
Há resistências ao projeto também no Congresso. O deputado federal José Genoino (PT-SP) pretende convocar em agosto os ministros da Defesa, Geraldo Quintão, da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, e o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos Baptista, para explicar os termos do acordo.
"É uma cessão de soberania. Os Estados Unidos precisam saber que isso não vai passar fácil no Congresso", afirmou Genoino.
O contrato terá que ser analisado pelas comissões mistas de Defesa, Ciência e Tecnologia e Constituição e Justiça e votado no plenário. Os congressistas não podem mudar os termos do acordo. Apenas aprová-lo ou rejeitá-lo.
"Querem transformar Alcântara numa base militar americana, como foi o Canal do Panamá", acusou o vice-prefeito de São Luís, Domingos Dutra (PT), autor da ação. Assinado depois de quatro anos de negociação, o acordo de Alcântara faz parte da aproximação militar entre Brasil e EUA.
Detalhe: foi o Brasil que se empenhou pela formalização do acordo. Desde 1983, o Brasil já investiu cerca de US$ 100 milhões nas instalações da base de Alcântara. Para concluí-la, são necessários ainda outros US$ 50 milhões. No Orçamento deste ano, estão previstos R$ 8 milhões.
A cidade de Alcântara (a 22 km de São Luís) vive do contraste entre pesquisa de ponta e miséria. Tem o único centro de lançamento espacial do país.
Simultaneamente, tem apenas uma ambulância para 22 mil habitantes. Cerca de 60% dos moradores de Alcântara são analfabetos, moram na zona rural e não têm acesso a energia elétrica.
Há na cidade um único hospital e uma escola de segundo grau.


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