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Falta controle do Ministério Público, diz procurador
Para Celso Antônio Três, autonomia não impede avaliação da Procuradoria
Procurador critica abusos nos grampos e visão branda sobre crimes econômicos e diz que ausência de cobrança deixa processos parados
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O procurador da República
Celso Antônio Três, 46, diz que
a cúpula do Ministério Público
Federal não sabe o que acontece nas unidades do órgão no
país porque não há controles.
Ele afirma que a autonomia
dos procuradores, garantidas
pela legislação, não impedem a
criação de mecanismos para
avaliar a atuação e, principalmente, a omissão deles.
"Se o procurador não quiser
fazer nada, ele não faz nada. E
não acontece nada", diz.
FOLHA - Há controles rígidos sobre
a atuação dos membros do Ministério Público Federal?
CELSO TRÊS - Não, nós não temos
controle. A correição ordinária,
aquela visitação de órgão superior para verificar o trabalho de
cada procurador em cada unidade, isso não existe. O Conselho Nacional do Ministério Público regulamentou isso agora,
mas de forma tímida, com correições de três em três anos.
FOLHA - A cúpula da Procuradoria
sabe o que a primeira instância faz?
TRÊS - Não. Algumas unidades
fazem estatísticas mais detalhadas, mas o dado oficial de
Brasília é paupérrimo. Quando
falo de controle, não é reprimir
o procurador que extrapola. É
para reprimir a inércia, a falta
de atitude.
FOLHA - Por que isso acontece?
TRÊS - O juiz, bem ou mal, é
pressionado pelas partes, pelo
advogado, pelo Ministério Público. Pode ser engavetador.
Mas a sociedade, que é vítima,
padece em silêncio, dificilmente vai reclamar. Existem milhões de formas de ser um burocrata. Mando o processo para
a polícia, ponho um carimbo...
FOLHA - É possível avaliar a produção dos procuradores?
TRÊS - A independência do Ministério Público brasileiro talvez não exista em lugar nenhum. Nesse aspecto, é bom.
Mas leva ao outro extremo, vira
"o dono da situação". Existe
muita preocupação com o fato
de não haver avaliação. No caso
do Banestado, alguns colegas
não ajuizaram ação. Não vou
discutir se prevaricaram.
A Procuradoria tem que contemporizar a independência,
ter mecanismos de controle,
porque no Estado de direito
não se pode ter poder absoluto.
FOLHA - Isso é agravado com a falta de alternância nos cargos?
TRÊS - Claro. O sujeito fica dono do processo. Não há mecanismos institucionais de revisão. Muitas vezes há delonga
natural, por falta de estrutura.
FOLHA - Como é feita a divisão do
trabalho entre procuradores?
TRÊS - Tivemos situações hilárias. Um procurador regional
da República que atuava no
TRF-1, em Brasília, foi promovido a subprocurador-geral,
cargo máximo da instituição,
com 700 processos parados.
Foi promovido e deixou a herança para os colegas.
FOLHA - Não havia nenhum tipo de
cobrança para conter isso?
TRÊS - Nós tivemos no período
do Brindeiro [ex-procurador-geral Geraldo Brindeiro, que
atuou no governo Fernando
Henrique Cardoso] uma famosa catacumba, uma gruta onde
eram colocados processos do
Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça.
Ficavam anos parados, porque
não havia cobrança.
FOLHA - Os procuradores que sucederam Brindeiro mantiveram a prática de centralizar os processos?
TRÊS - Sem dúvida. O Antonio
Fernando [Souza, ex-procurador-geral da República], que está saindo agora, foi um promotor efetivo. Mas ele leva as virtudes com ele. Se assumisse um
engavetador-geral, não é o caso
do Roberto Gurgel [novo procurador-geral, nomeado em junho], todos os processos que o
anterior ajuizou morreriam.
FOLHA - Como é feita a distribuição
dos procuradores?
TRÊS - O único critério é a existência de vara federal. Há cinco
Tribunais Regionais Federais.
Aqui no Sul, eles criaram varas
nos lugares mais absurdos, por
questões pessoais, políticas ou
porque era a terra natal dos desembargadores.
FOLHA - Quais as distorções que isso provoca?
TRÊS - É uma situação absurda.
Aí você vai para o Centro do
país, para o Norte, ou mesmo
em São Paulo, e vê que a Justiça
Federal não está em muitos lugares onde deveria estar.
FOLHA - Como conciliar a vocação e
a especialização do procurador?
TRÊS - Se a gente faz concurso
para ser procurador ou juiz,
tem que ter habilitação para
atuar onde for designado. As
pessoas têm uma tendência para alguma área. Há o outro lado
da moeda. É quando o juiz e o
procurador ficam "donos da situação". Monopolizam a situação. Vira um cartório.
FOLHA - Há uma atuação padrão
por parte dos procuradores na área
do crime financeiro?
TRÊS - Cada um tem uma visão.
Tradicionalmente, há na instituição procuradores que sempre tiveram uma posição muito
branda em relação ao direito
penal do colarinho branco. Pediram muito arquivamento de
sonegação fiscal. Uma visão um
tanto abolicionista. E eles estão
nessas varas de lavagem de dinheiro. É uma situação contraditória. Em princípio, deveriam
ser pessoas que tivessem uma
gana acusatória maior. Mas não
há regulamentação de ofício.
FOLHA - Como são definidas as
atribuições de cada um?
TRÊS - Nos sites das procuradorias estão listados os ofícios: fulano é lotado na área criminal,
no meio ambiente, saúde pública, lavagem de dinheiro. Só que
não tem norma nenhuma que
regule. Eles fazem um acordo,
reúnem-se e dizem: "Você faz
isso, você cuida disso".
FOLHA - Na CPI do Banestado, o sr.
relatou a precariedade na apuração
da lavagem de dinheiro. Essas deficiências permanecem?
TRÊS - Nós melhoramos bastante. Lendo os dados da Operação Satiagraha [deflagrada
em jul.2008, pela PF], eu ficava
positivamente invejoso com
aquela estrutura. Se nós tivéssemos 10% disso na época, nós
pegaríamos dezenas de Daniel
Dantas. Na época, a impunidade era maior, a atuação da Polícia Federal foi uma piada. O
Banco Central não fez nada.
Hoje, nós temos uma estrutura
muito boa, até porque o Estado
fez investimentos na Polícia
Federal e no Judiciário.
FOLHA - Qual a sua avaliação da
Operação Satiagraha?
TRÊS - Foi feito um trabalho gigantesco. Mas algumas coisas
ficam evidentes. É claro que
aquela pena que o juiz Fausto
De Sanctis deu, na condenação
do Daniel Dantas, é uma coisa
exorbitante, enorme. Isso não é
um juízo ético, é um juízo técnico, acompanhando a jurisprudência. Uma pena quase
máxima, isso nunca aconteceu.
Nem se fosse reincidente.
FOLHA - Qual a sua avaliação sobre
a apuração e o julgamento dos casos
de crimes de colarinho branco?
TRÊS - Temos, no Brasil, um
grande contraste no crime de
colarinho branco. Se no lugar
do juiz De Sanctis atuar um juiz
com uma visão abolicionista,
que entende que crime econômico não é crime mesmo, se
tem uma visão minimalista do
direito penal, vai ser difícil ele
autorizar a interceptação telefônica. Para aprovar uma busca
e apreensão vai ser mais difícil
ainda. E prisão temporária,
nem imaginar. Isso evidentemente cria um desequilíbrio
brutal. A favor da defesa, há
quatro instâncias. Não tem em
lugar nenhum do mundo.
FOLHA - Na CPI do Banestado, o sr.
falou que a quebra de sigilo telefônico só se justifica para ratificar um
delito previamente apurado. Tem
havido excessos nessa área?
TRÊS - Qual é o critério para ver
se há abuso? É aquela situação
em que você não tem um fato a
ser apurado. Você pega alguém
para achar alguma coisa.
FOLHA - O sr. poderia citar algum
exemplo de abuso?
TRÊS - Tivemos no Paraná um
caso em que os colegas se rebelaram muito: a investigação sobre o grupo Sundown, cuja essência era sonegação fiscal.
Mas os caras ficaram grampeados dois anos. Quem é que
aguenta dois anos grampeado?
Nem Jesus Cristo. Você pode
pegar o papa Bento 16. Se grampear durante dois anos, vai
achar um monte de pecados. Isso é um abuso do Estado. É um
vício que nós temos.
FOLHA - O Ministério Público Federal tenta inibir?
TRÊS - Eis um caso bem paroquial: a PF entrou com um pedido de 28 interceptações telefônicas, num caso de tráfico internacional de drogas. Fui examinar caso a caso. Em grande
parte não havia prova nenhuma. Só tinha a versão da polícia.
Aí você tem o abuso. E é muito
cômodo, uma barbada, ficar escutando os outros, convenhamos. Você tem que fazer a campana, levantar documentos, fazer pesquisas.
FOLHA - As críticas estavam concentradas em juízes que autorizavam as gravações. A Procuradoria
participa?
TRÊS - A lei de interceptações
não exige, mas é óbvio que o
juiz tem que ouvir o Ministério
Público. Muitas vezes o juiz não
ouve. É claro que, no tráfico e
em alguns delitos, tem que dar
certa credibilidade à versão da
polícia, porque algumas testemunhas podem ser mortas.
Mas tem que grampear com
moderação. O problema é que
muitos grampos se eternizam.
FOLHA - O sr. é um "ex-petista de
carteirinha". Isso interfere de alguma forma no seu trabalho?
TRÊS - Fui filiado ao PT até os
anos 90. Depois que entrei no
serviço público, me desfiliei e
nunca mais tive atuação.
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