São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

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JANIO DE FREITAS

A cassação do decoro

A oferta a Renan de deixar a presidência do Senado, preservando seu mandato é, ela mesma, falta de decoro

O MÉTODO NÃO chega a ser original, tanto que de casos mais graves surgiu até o "ladrão que rouba ladrão". Mas, como proposta mais apoiada no Senado, para o caso Renan Calheiros, é o prenúncio de um escândalo de imoralidade política ainda mais ampla.
A oferta a Renan Calheiros de renunciar à presidência do Senado, preservando o mandato de senador, em troca de ver-se perdoado ou inocentado de falta de decoro é, ela mesma, falta de decoro.
A fórmula reconhece falta de decoro em Renan Calheiros, restringindo, porém, o seu efeito impeditivo apenas ao exercício da presidência do Senado. Ocorre que o decoro é exigido, por mínimo que seja, para o exercício do mandato parlamentar, no qual um cargo diretivo ou comissionado é apenas uma decorrência eventual.
Por isso mesmo, o processo de cassação não propõe retirar o mandato de presidente ou outro: visa a retirada do mandato parlamentar.
Além disso, para tornar efetiva a barganha, a maioria dos senadores teria que forçar o Conselho de Ética a recusar as outras três representações existentes contra Renan Calheiros, referentes a atos indecorosos também fora do assunto Mônica Veloso. A rejeição aos três, como operação, talvez não fosse difícil. Mas quem ou o que seguraria a reação desmoralizante para o Senado e ruinosa para os senadores que, para não cassar Renan, querem cassar o decoro?
Eis o problema dos adeptos da salvação indecorosa para dar a Renan Calheiros sem anos de perdão.

Sem decolar
Por várias vezes nos últimos dias, Lula voltou a dizer que seu governo "cumpre os contratos" e "respeita as regras", sem dispensar o chavão -no caso, em defesa de Renan Calheiros- de que suspeitos não são culpados antes do julgamento.
As repetições acompanharam-se de fatos que as desmentiam -também isto, mais uma vez.
Os diretores da Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil, tornaram-se oprimidos pela violência de pressões que nada têm de democráticas nem de respeito às leis. É, além do mais, um processo covarde de tomar-lhes os cargos, quando não faltam meios corretos de fazê-lo, se isso se justificar.
As evidências não deixaram dúvida de erros graves da Anac, mas o governo não as investigou para identificar com precisão em que consistiram tais erros, por que ocorreram e o que cada um deles provocou na crise aérea. Logo, não conhece as responsabilidades individuais na direção e no corpo técnico da Anac. Supre com pressões e ameaças a falta de elementos para proceder a processos legítimos de afastamento.
Os dirigentes da Anac, como os das demais agências setoriais, têm mandato conferido por votação do Senado e autonomia administrativa. Apesar disso, três já cederam às pressões. Jorge Velloso, oficial reformado da FAB, sem suspeitas que explicassem a decisão; Leur Lomanto, também isento de suspeitas, em honra à tradição familiar na política baiana propôs sua saída em troca de um cargo ainda melhor, porque vitalício; e Denise Abreu, incapaz de explicar o uso de um documento incabível para liberar a pista de Congonhas.
As providências propaladas, no entanto, não vieram. Como a desconcentração de conexões e de horários. E nem mesmo a limitação ao uso de Congonhas, já submetido a artifícios farsantes do governo, para ceder, sabe-se lá por que, a linhas e conexões de interesse das empresas. De novo, só a criação de mais um órgão, com mais burocracia, mais empregos para as patotas, em uma tal Secretaria Geral de Aviação Civil (Geral a prenunciar parciais?). Como se não bastasse a aviação civil brasileira estar dividida entre vários departamentos da FAB, a Anac, a Infraero, o Conselho de Aviação Civil, a Iata e os acordos internacionais, além de inúmeras entidades com influência indireta.
Com alguns dias de chuva em São Paulo, veremos se os problemas estão resolvidos ou se a nota da Anac, com tal afirmação, apenas quer atenuar pressões e ameaças.


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