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ENTREVISTA - LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Convidado para presidir conselho curador da nova TV Pública, o economista diz que embate com a mídia assusta presidente Lula
Tenho medo de unanimidades que vemos na mídia
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
"UM QUARTO CALABRÊS, um quarto veneto e 50% "quatrocentão'", o economista Luiz Gonzaga Belluzzo pretende
imprimir à TV pública brasileira o que
já parece experimentar: a pluralidade. Hoje filiado ao PPS,
Belluzzo é amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do
governador José Serra. A convite de Lula, deverá assumir a
presidência do conselho curador da nova TV pública. Belluzzo, 65, terá entre suas tarefas a de mitigar a tensão entre a imprensa e o governo federal.
Segundo Belluzzo, Lula está
"assustado" com esse acirramento. "Ele acha que tem que
criar um espaço público que
distensione isso. Ele é muito
conciliador."
Ex-secretário dos governos
Sarney e Quércia (SP), Belluzzo
alerta para os riscos da "demonização": "A mídia é isso, a mídia é aquilo. Esse tipo de reação, eu não gosto. Tenho medo.
Assim como tenho medo de
certas unanimidades que vemos na mídia", criticou.
FOLHA - Por que não aceitou ser
presidente executivo da TV pública?
LUIZ GONZAGA BELLUZZO - Não
quero mais aceitar um cargo
público que receba uma remuneração do governo. Disse a
eles que aceitava ser presidente
do conselho, se eleito, que me
comprometia com o projeto,
desde que não remunerado.
FOLHA - Por quê?
BELLUZZO - Cabe aos profissionais do setor. O papel do conselho é traçar as diretrizes e fiscalizar a execução do projeto de
se criar uma TV não estatal,
apartidária, plural e, desculpe
ser um pouco pedante, mas que
sobretudo permita que pouco a
pouco o cidadão seja capaz de
compreender o mundo onde vive. Precisamos de muita modéstia na formulação. E, paradoxalmente, ambição para não
permitir que seja transformado
num instrumento de poder como invariavelmente tendem a
se transformar as televisões, ou
as televisões estatais que não
respeitam esses princípios.
FOLHA - Como evitar?
BELLUZZO - Primeiro, o conselho tem que ser muito amplo,
plural. Nenhum ponto de vista
pode ser excluído. Uma TV pública tem que dar abrigo a todos
os pontos de vista.
FOLHA - A que atribui o convite?
BELLUZZO - Estranho que tenha
sido a um economista. Acho
que foi por conta dessa minha
percepção de que é preciso que
se dê curso ao debate mesmo
que as idéias contrárias não sejam do seu agrado. Pode parecer simplório. Mas não é fácil.
FOLHA - Como o sr. enxerga a decisão do PT de "acompanhar" as renovações de concessões de TVs?
BELLUZZO - Isso é um problema
do PT. O PT tem todo direito de
pensar como ele pensa. Só que a
TV pública não pode se submeter a esse tipo de coisa. Não se
pode politizar uma TV pública.
FOLHA - O sr. considera isso um
"problema" do PT?
BELLUZZO - Não. Há muitos grupos dos EUA que se preocupam
com isso. No livro "The Assault
of Reason" (O ataque à razão), o
Al Gore, que não é um perigoso
esquerdista, faz uma análise de
como o poder da mídia causou
problemas sérios na decisão do
povo americano de apoiar ou
não a guerra no Iraque. A mídia
insistiu na questão das armas
de destruição em massa. Se há
movimentos unânimes, não é
bom para a democracia.
FOLHA - No Brasil, há esse risco?
BELLUZZO - Às vezes, há certas
ondas de unanimidade que não
são boas. Por exemplo, no julgamento do Supremo. Como
sou amigo de muitos juízes, eles
disseram que era difícil suportar aquilo. Quando perguntaram a Hannah Arendt por que
estava interessada em compreender o nazismo, ela disse:
"Se eu não compreender o nazismo vou enlouquecer". É preciso que se insista nisso. Vejo a
TV pública como a antítese da
idéia de doutrinação. A idéia de
doutrinação é abominável.
FOLHA - O sr. acha a postura do PT
e da "grande mídia" doutrinária?
BELLUZZO - Muitas vezes é doutrinária no mau sentido da palavra, porque não permite que
vire as vísceras. Muitas vezes é
uma coisa propagandista de
ambos os lados. É propaganda.
Não é informação, nem debate.
FOLHA - O PT diz que o julgamento
no STF era desnecessário, pois o governo foi aprovado nas urnas.
BELLUZZO - Aprendi com Ulysses Guimarães que é preciso
deixar as instituições funcionarem. A idéia de que os acusados
de mensalão não poderiam ser
julgados é, para mim, completamente estranha. Era preciso
que fossem julgados por um tribunal independente. O relatório foi feito com a maior seriedade, a despeito do clima muito
emocionalizado [no STF].
FOLHA - E a imprensa?
BELLUZZO - Simplificou. Ficou
uma coisa de bandidos contra
mocinhos. O mundo não é assim. Vejo alguns colunistas que
têm certezas tão graníticas. Fico muito surpreendido porque
não tenho essa certeza.
FOLHA - E a reação ao "Cansei"?
BELLUZZO - Vi muita gente ofendida com razão. Por que não
podem dar a opinião? Posso ter
desprezo intelectual pelo o que
estão dizendo, mas eles têm todo direito de dizer o que acham.
FOLHA - Na sua opinião, qual seria o
tratamento ideal da mídia no caso do
mensalão?
BELLUZZO - Seria a evolução do
caso. O que não posso é me colocar na posição de juiz. Existe
uma instituição encarregada de
julgar. Ficamos espantados que
esteja funcionando no país. O
Brasil é o país onde os de cima
nunca eram afetados pela polícia, pela Justiça. É um choque
do avanço da democracia. Um
choque, às vezes, é dolorido e
exaspera reações antidemocráticas. As instituições, de certa
forma, estão funcionando. Inclusive a imprensa está se comportando de uma maneira em
que é obrigada a se submeter à
crítica. Tem um autor francês
Paul Virilio que diz a mídia é a
única instituição que cria suas
próprias leis.
FOLHA - O sr. concorda?
BELLUZZO - Um pouco. Não tem
coisa mais sagrada que a liberdade de expressão. Ela não pode ser monopolizada por ninguém. Você não pode se colocar
na posição de que é inatacável.
FOLHA - O sr. acha que a reação da mídia é ao choque democrático?
BELLUZZO - Esse terremoto democrático, que se acentuou
com a chegada do operário ao
poder, suscitou uma reação de
ambos os lados. O que não se
pode permitir é que isso provoque transgressão à liberdade de
opinião recíproca. O que eu temo é isso. "A mídia é isso", "a
mídia é aquilo", é uma coisa
acrítica. Esse tipo de reação, eu
não gosto. Tenho medo. Assim
como tenho medo de certas
unanimidades que vemos em
certos momentos na mídia.
FOLHA - Essa relação, sob tensão, é perigosa?
BELLUZZO - Não é boa para o
país. Pode ser conflituosa, mas
não desrespeitar regras da sociedade democrática.
FOLHA - Lula está preocupado?
BELLUZZO - Ele acha que tem
que criar um espaço público
que distensione isso. Ele é muito conciliador, o Lula. Ele fica
muito assustado.
FOLHA - O sr. concorda que a imprensa
seja tratada como um bloco?
BELLUZZO - É simplista. Há matizes. Criou-se um embate que
não é bom para o Brasil. O governo tornar a mídia num bloco
monolítico. E a mídia diz "o governo quer censurar".
FOLHA - O que o sr. acha dessa postura
mais agressiva?
BELLUZZO - Se você acua um gato num quarto escuro, dizem,
não tem uma forma de expressão. Em "Origens do Totalitarismo", quando você lê os relatos que a Hannah Arendt faz do
fascismo, é claramente de um
povo que se sentia acuado, economicamente, social e politicamente. O totalitarismo não
permite que o indivíduo se exprima. Gera a violência. Isso é
muito perigoso. Fico assustado
quando vejo esse tipo de reação. A reação correta é construir um ambiente de diversidade. Não é um demônio adversário, em cima do qual você joga toda responsabilidade.
FOLHA - A demonização vem dos dois
lados?
BELLUZZO - Bastante. É o ápice
da irracionalidade. O PT demoniza a imprensa e a resposta
não tem sido adequada.
FOLHA - O sr. assusta quando fala
do animal acuado como semente do
fascismo...
BELLUZZO - Uma sociedade em
que os processos de sociabilidade se destruíram completamente. Não há mais referências
a não ser o füher. O populismo
latino americano é uma pálida
idéia do que foi aquilo. Vocês
dizem que o Lula é populista.
Ele é uma figura popular. É
muito democrático. Não acho
que tenhamos as condições históricas do fascismo. O que digo
é que a sociedade está sempre
ameaçada pelo risco de salvacionismo, que, volta e meia,
volta. Se você forma um consenso que não é passível de ser
contraditado, corre um risco
enorme.
FOLHA - A democracia brasileira está
sob ameaça?
BELLUZZO - Acho que está permanentemente ameaçada pelos poderes privados e pela
idéia de que você pode ter um
salvador da pátria e que o Estado pode, na verdade, controlar
a vida dos cidadãos. O processo
democrático envolve, necessariamente, o risco de você perder. Necessariamente perder o
controle e caminhar na direção,
por exemplo, de situações de
monopólio de informação. Um
dia li uma entrevista na Folha,
do Ruy Fausto, com a qual concordo quase inteiramente em
que ele diz que às vezes a esquerda não se deu conta de que
o socialismo real fracassou
completamente. Ele diz que a
esquerda não conseguiu se reabilitar. De vez em quando você
tem frêmitos controlistas. Não
vai dar certo. Os pais da idéia
pensaram na democracia radicalizada. É autonomia dos indivíduos produtores. É claro que
é uma coisa do século 19. A sociedade ficou muito mais complexa. Mas as idéias de autonomia do indivíduo são as que deveriam guiar a nossa luta política. Isso está permanentemente
em risco.
FOLHA - O sr. é um conselheiro do
Lula e apoiou o Serra em 2002. Gostaria de entender essa relação.
BELLUZZO - Conheço o Lula desde os anos 70, quando começou
ser um líder sindical. Tenho
uma relação afetiva com ele.
Gosto muito dele. Não obstante, por que apoiei o Serra? Não
porque sou amigo do Serra,
mas porque achei que fosse capaz de exercer uma política
econômica melhor. Exerci meu
direito de divergir. Era uma
disputa entre duas pessoas que
acho importantes para o Brasil.
FOLHA - Como evitar a influência
do governo na TV Pública?
BELLUZZO - O recado que recebi
do presidente foi que levasse
com a maior autonomia possível.
folha - Deve haver um fundo?
BELLUZZO - O financiamento é
fundamental. Uma TV pública,
dada a missão que tem que
cumprir, tem que ter regularidade na fluência dos recursos.
Senão a qualidade do serviço
cai. Sem falar na autonomia.
FOLHA - E a publicidade?
BELLUZZO - A TV pública não
pode disputar publicidade. Se
for presidente do conselho, não
vou admitir.
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