|
Texto Anterior | Índice
REGRAS DO JOGO
Quando a lei subtrai a liberdade
LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
A mulher, bem vestida, balbucia algumas palavras, o
transeunte pára e pergunta. Pela
leitura de seus lábios, percebe-se
que ela diz "sim". Enfia uma das
mãos na bolsa colada ao corpo e
entrega, disfarçadamente, algo ao
transeunte, que logo esconde em
seu bolso. Ele continua seu percurso, a mulher, sorrateira, atravessa a rua e observa a passagem
de dois policiais militares, que,
distraídos, nada percebem.
Vila Madalena, cidade de São
Paulo, manhã do último domingo. A cena é real. Não envolve tráfico de entorpecentes ou qualquer
outra transgressão importante.
É apenas uma militante petista
na boca-de-urna, sem chamar
atenção, respondendo a demanda de alguém que, por qualquer
motivo, pediu um santinho para
definir o voto.
A boca-de-urna é proibida, e a
lei estabelece pena de prisão para
quem desobedecer. É um caso típico de transfiguração de um ato
legítimo -pedir voto, fazer apologia de sua crença política- em
delinquência. O poder público estimula quem não é criminoso a se
comportar como tal.
Nada mais irritante do que a
boca-de-urna, o assédio insistente
de pessoas pagas ou voluntárias
para que você, na última hora,
vote em alguém. Mas nada mais
despropositado e ridículo do que
alocar policiais para reprimir
quem não precisa ser reprimido.
No Brasil é assim. Em dia de
eleição, a liberdade é subtraída e
depois se comemora, orgulhosamente, que tudo transcorreu na
mais perfeita ordem...
Ainda que aquela moça pudesse ser presa. À toa.
Direito de Resposta
O segundo turno das eleições
presidenciais permitirá o enfrentamento ideológico entre Serra e
Lula, o que ainda não se deu.
Até agora, Lula se esquivou,
manteve-se olimpicamente postado na condição de quem não precisa se explicar.
Os dois candidatos, além do
confronto direto, terão igualdade
de tempo no horário eleitoral.
Em tese, essa condição de igualdade deveria inibir a intervenção
do TSE, assim como dos mediadores dos debates das emissoras
de TV, que também se arvoram
em magistrados, concedendo ou
indeferindo o que se convencionou chamar direito de resposta.
O que mais impressiona nesses
julgamentos sumários é a subjetividade dos critérios.
Um não pode dizer o que o outro disse. O outro não pode dizer o
que acha que o outro falou. Um
responde a resposta do outro. Como, de repente, um tem mais respostas a dar, o outro ganha unidades de resposta em compensação. E, assim, todos crêem que
justiça se fez.
Transmite-se ao eleitor a falsa
impressão de que quem disse isso
ou aquilo não poderia tê-lo feito.
Só porque juízes consideram isso
ou aquilo inadequado. Assim, um
elemento estranho à disputa eleitoral -a suposta imparcialidade
de quem estabelece o que pode e o
que não pode ser dito- acaba
por influir na própria percepção
do eleitor, que poderia muito bem
observar o que cada um diz e, sem
a tutela de ilustres e cultos intermediários, definir se aquilo que é
dito por um e por outro faz ou
não sentido.
Eleição é aprendizado, e o paternalismo atrasa o desenvolvimento político do país.
Mas no Brasil é assim mesmo.
No período eleitoral, a liberdade
de expressão é suprimida e depois
se comemora uma disputa em
"alto nível"...
Ainda que o ambiente seja de
censura. Ou de autocensura.
lfcarvalhofilho@uol.com.br
LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO,
advogado criminal e articulista da
Folha, escreve às quartas nesta coluna
Texto Anterior: Frases Índice
|