São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ USO DA MÁQUINA

Zeca Dirceu obteve recursos federais para sua região antes de se candidatar a prefeito

Casa Civil favoreceu filho de Dirceu, aponta investigação

EDUARDO SCOLESE
RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Documentos e depoimentos de assessores do ex-ministro José Dirceu (PT), colhidos pela Procuradoria da República no Distrito Federal ao longo de um ano e sete meses, revelam que, entre 2003 e 2004, a Casa Civil da Presidência atuou para beneficiar, com funcionários e estrutura, o filho de Dirceu, José Carlos Becker de Oliveira, na obtenção de recursos do Orçamento da União para a região do Paraná em que ele era pré-candidato a prefeito.
Becker, conhecido como Zeca Dirceu (PT), foi eleito prefeito de Cruzeiro d'Oeste (PR) em 2004. Teve 8.514 votos, o equivalente a 72% do total.
Na pressa em atender o filho do ministro, funcionários do extinto Ministério da Assistência Social montaram, de forma irregular, processos com datas retroativas, o que provocou o comprometimento de recursos relativos a projetos que nem sequer existiam no ministério.
De acordo com as investigações, encerradas na semana passada pelo Ministério Público, funcionários comissionados da Casa Civil, sob determinação de Waldomiro Diniz, ex-assessor parlamentar de Dirceu, influenciaram ministérios para acelerar repasses de recursos para projetos de interesse de Zeca. Além disso, agendaram audiências com diferentes ministros para tratar da liberação das verbas, apresentando-o como "filho do ministro José Dirceu".

Influência
"Foram incluídos pleitos de José Carlos Becker nas planilhas de sugestão de execução [orçamentárias] encaminhadas aos ministérios no final de 2003", afirmou Júlio César de Araújo Nogueira, ex-assessor da subchefia de Assuntos Parlamentares da Casa Civil. O documento original foi produzido por Waldomiro.
Na época, Zeca era um funcionário de terceiro escalão do governo paranaense e não exercia nenhum cargo eletivo. Com seu nome nas planilhas das emendas que circulavam na Esplanada dos Ministérios -algumas vezes de forma cifrada, apenas pelas iniciais "JCB"-, Zeca passou a atuar como se fosse um deputado federal, o que lhe garantia publicidade, fotos em capas de jornais e prestígio no interior do Paraná.
Entre 2003 e 2004, ao lado de prefeitos, Zeca apareceu com freqüência em jornais da região simulando assinaturas dos convênios de que tratavam as emendas liberadas pela União.
Nas viagens que fazia a Brasília acompanhado de prefeitos, Zeca agendava reuniões com apoio de Ana Cristina Moraes Moreira Sena, assessora da Casa Civil que, na prática, exercia a função de chefe-de-gabinete de Waldomiro Diniz. Ela havia sido orientada a agir assim pelo próprio ex-colaborador de José Dirceu.
Da Casa Civil, partiam telefonemas para as chefias dos gabinetes dos ministros e dos assessores parlamentares para pedir "atenção" a Zeca (leia texto nesta página). "A secretária do Waldomiro Diniz transferiu a ligação para ele, o qual me pediu que desse uma atenção especial para Zeca Dirceu, afirmando que ele era o filho do então ministro da Casa Civil José Dirceu", contou Ana Lúcia Vargas de Noronha, chefe da assessoria parlamentar do Ministério da Assistência Social.

Investigações
A investigação do Ministério Público, conduzida pelo procurador Luciano Sampaio Rolim, teve como ponto de partida reportagens publicadas pela Folha em março de 2004, que revelaram que, mesmo sem mandato parlamentar, Zeca conseguiu, além de encontros com ministros, empenhar (reservar no Orçamento) pelo menos R$ 1,4 milhão em recursos da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e do Ministério da Assistência Social em 2003.
O procurador considerou encerradas as investigações na semana passada e passou a analisar se, nos autos, há indícios das práticas de improbidade administrativa e tráfico de influência, inclusive sobre a conduta de José Dirceu. Ele deverá tomar a decisão nos próximos dias.
Desde o início da apuração, o trabalho do Ministério Público enfrentou uma longa série de depoimentos com dados incorretos e informações distorcidas.
Uma ex-assessora do deputado José Carlos Martinez (PTB-PR), morto em acidente em 2003, que passou a atuar como secretária informal de Zeca em Brasília, Isabel Carneiro Silva, prestou três depoimentos em que negou qualquer ligação com Zeca Dirceu. Foi, depois, contestada por pelo menos cinco servidores dos ministérios que ela procurava para acompanhar os projetos de interesse de Zeca.

Fontes
Com a queda de José Dirceu em junho último, abatido pelo escândalo do "mensalão", os ex-servidores da Casa Civil se sentiram encorajados a descrever, em detalhes, como foram orientados a operar em benefício do filho do ex-ministro.
Os procuradores localizaram os nomes dos assessores próximos a Waldomiro no relatório da comissão de sindicância do Palácio do Planalto que investigou a atuação do ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, que deixou o cargo em 2004, após ter aparecido em vídeo de 2001 em que pedia propina ao empresário de jogos Carlinhos Cachoeira.

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