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ELIO GASPARI
Lula, o urso que come os donos
Em julho de 1997 , abatido
por denúncias de corrupção
pessoal que a Justiça viria a considerar falsas, Lula lia os telegramas que lhe chegavam e dizia: "Eu sempre tive a fantasia
de assistir ao meu velório. Com
esse caso agora, estou fazendo
mais ou menos isso. Muitas
mensagens de solidariedade
que recebo têm todo o aspecto
de telegrama de pêsames".
Foi isso que ele fez na noite de
segunda-feira quando, a pedido
do repórter Heródoto Barbeiro,
analisou a situação do ex-técnico do seu time: "José Dirceu será
cassado por decisão eminentemente política. [...] Qual é a
acusação contra José Dirceu? A
tese original era que você tinha
dinheiro público nas contas do
PT. E nada ainda não foi provado".
Noves fora o "ainda", Lula
deu Dirceu por morto enquanto
ele luta pela vida. Não se espera
que o chefe do Poder Executivo
prejulgue uma decisão da Câmara dos Deputados. Logo Lula, tão zeloso ao defender o respeito devido aos companheiros
do mensalão.
Foi-se assim o último dono do
Urso Lula. O bichinho simpático de São Bernardo já comeu
quatro. O primeiro foi seu irmão, José Ferreira de Melo, o
Frei Chico. Mais velho, atraiu-o
para a militância trabalhista
em 1968. Lula tinha 25 anos e,
rapidamente, tornou-se diretor
do sindicato. Como Frei Chico
tinha afinidade com o Partido
Comunista, acreditou-se que
Lula ia na bagagem. Erro. Muitos anos depois, na memorável
entrevista que deu à jornalista
Denise Paraná no livro "Lula
Filho do Brasil", o companheiro
explicou: "A minha ligação com
o Frei Chico é uma ligação biológica. Ou seja, um negócio evidentemente de irmão para irmão. Não tinha nenhuma afinidade política com Frei Chico".
Fraternalmente, o urso comeu
seu primeiro dono.
Quem achava que tinha afinidade com Lula era o presidente
do sindicato, Paulo Vidal. Manteve-o na diretoria e em 1975
ajudou a torná-lo seu sucessor.
Talvez o próprio Paulo Vidal tenha pensado que era dono do
urso, até o dia em que o companheiro o enquadrou. Passados
27 anos, Lula mostrou-se um
urso malvado. Era presidente
eleito da República, verdadeiro
"Filho do Brasil", e disse o seguinte: "Muitos companheiros
que foram presos disseram que
o Paulo Vidal era quem tinha
dedado. Eu, sinceramente, não
acredito nisso, não acredito.
Mas as dúvidas persistem na cabeça da velha guarda do movimento sindical".
Crueldade pura, até porque as
velhas guardas, como a da Portela, são sempre respeitadas. A
vida já tinha ensinado a Lula
que esse tipo de coisa não se diz.
Foi pior que denuncismo vazio,
foi linchamento por insinuação.
Tendo comido o segundo dono, o urso passou a ser reivindicado por um condomínio de intelectuais, jornalistas e religiosos. Comeu-os todos.
Frei Betto e o empresário
Oded Grajew sobreviveram porque fugiram do circo. Graças a
isso, mantêm relações cordiais
com "nosso guia".
De todos os donos do urso o
mais exibido foi sem dúvida José Dirceu. Dizia "meu governo",
anunciava que não sairia da
Casa Civil e gostava de se ver
comparado ao general Golbery
do Couto e Silva, eminência
parda de três governos da ditadura. Fazia isso por falta de conhecimento da personalidade
de Golbery e por confundir muito poder com poder ditatorial.
Essa é uma confusão que Dirceu
faz há 30 anos e talvez continue
fazendo-a nos próximos 30.
O telegrama de pêsames de
Lula a Dirceu não foi gafe. Foi
um desnecessário e triste momento da vida política brasileira. Por iniciativa sua, nessa
mesma entrevista, "nosso guia"
gastou mais tempo justificando
o AeroLula e a reforma do Alvorada do que discutindo educação dos brasileiros e a saúde dos
bípedes.
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