São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
Cavalos de Tróia

Embora não tenha merecido o interesse da imprensa brasileira, a notícia espetacular dada pelo "Washington Post" e pelo "Boston Globe", na semana passada, contém uma advertência que aos brasileiros conviria muito levá-la em conta.
Os dois jornais revelaram que o governo americano infiltrara, de fato, espiões na comissão da ONU incumbida de investigar a existência, ou não, de armas bacteriológicas ou venenosas em qualquer lugar do Iraque.
Por duas vezes os iraquianos acusaram a comissão e forçaram sua saída. Os governos de Bill Clinton e do inglês Tony Blair negaram veracidade à acusação e a atribuíram ao propósito de impedir a procura das armas. Por duas vezes, em represália, o povo iraquiano foi atacado, e morreram milhares deles, inclusive crianças, havendo ainda mais milhares de feridos e inválidos.
Saddam, o ditador, dizia a verdade, porém. Mas a ferocidade dos ataques, ordenados pelos próprios infiltradores dos espiões, chegou ao ponto de aviões americanos e ingleses destruírem, na semana do Natal, dia 21, até os depósitos de alimentos da ONU. Para impedir, como parte adicional da represália, o programa de auxílio às populações mais depauperadas pelo bloqueio econômico, exercido por americanos e ingleses.
Do ponto de vista da moralidade pessoal, as ações dos EUA e da Inglaterra seriam uma violação da ética, que, no entanto, não existe entre nações. De uma nação para outra, só existem interesses. E os meios de buscá-los são apenas dois: a força e as táticas da hipocrisia. Muitas vezes combinados.
O Brasil tem aceitado sem questionamento, sem nenhum tipo de exame, as novas teorias que lhe são dirigidas, para sua abertura incondicional aos capitais estrangeiros, mesmo que meramente especulativos, em detrimento do capital brasileiro. Para despojar-se de concepções estratégicas, orientadoras de tudo nos países fortes, e desfazer-se de todo o seu patrimônio, inclusive as perecíveis riquezas naturais. E o mais que temos visto ocorrer ou nos ser proposto.
O cavalo de Tróia pode ser de madeira, ou ser uma comissão criada com as melhores finalidades, ou ser uma teoria de política econômica e de geopolítica como a teoria da globalização, ou outra de tantas modalidades já experimentadas. Sobre as quais a história é farta, e, nos nossos tempos, de vez em quando o jornalismo ou um livro ("Inside the CIA", por exemplo) acrescenta capítulos que chegam a parecer ficção.
Cavalos de Tróia, quaisquer que sejam, não constroem nações. Seu propósito é estender a zona de influência, controle e utilização econômica. Dominação. Um processo que tem se acelerado muito. E no qual o Brasil não pensa, seja no que é hoje, seja no que resultará a prazo longo.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.