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A visita do papa
Igreja precisa reagir às "seitas", diz papa
Bento 16 afirma que "hoje todos sabem" que a Teologia da Libertação errou ao prometer que a revolução traria uma vida justa
Na viagem, pontífice volta a condenar o aborto e diz que excomunhões de políticos
favoráveis à medida "não são uma coisa arbitrária"
LEANDRO BEGUOCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Na entrevista que concedeu
no avião que o trouxe ao Brasil,
cuja viagem a Folha acompanhou, o papa Bento 16 atribuiu
o avanço das igrejas pentecostais a "uma sede por Deus" por
parte de fiéis, o que exige mais
dinamismo da Igreja Católica
"para responder a essa sede",
alertando que "as pessoas,
principalmente os pobres, querem ter isso mais perto deles".
O papa disse que "a igreja
não entra na política" e criticou
a Teologia da Libertação: "É
evidente que esses fáceis milenarismos, que prometem revoluções e também rápidas condições para se conseguir uma
vida justa, estavam errados".
Bento 16 voltou a condenar o
aborto e afirmou que as excomunhões dos políticos que votaram a favor da medida "não
são uma coisa arbitrária". Leia
alguns trechos da entrevista:
PERGUNTA - Qual sua opinião sobre
a legalização do aborto no México?
BENTO 16 - Nossa busca pela vida vem desde o papa João Paulo 2º. Ele fez disso um ponto
central de seu pontificado, fez
uma encíclica que avançava já
nessa mensagem de que a vida é
um dom, e não uma ameaça.
Nessas situações [legalização
do aborto no México] há um
certo egoísmo e, de outra parte,
é uma questão de valor e beleza
da vida. É nisso que está o futuro. Sobretudo a vida é bela. Isso
não é uma questão da igreja, é
um dom em si. Mesmo em condições difíceis, é sempre um
dom recriar o reconhecimento
desta beleza. Sobre o futuro,
claro, pairam tantas ameaças,
mas a felicidade é que Deus é
sempre mais forte e presente
no teatro da história, para que
possamos dar, com confiança, a
vida a um novo ser humano. A
fé garante a beleza da vida. Podemos resistir a esse egoísmo e
a esse medo, que está em algumas coisas dessas legislações.
PERGUNTA - Deputados do México
votaram a favor do aborto, e os bispos do país disseram que eles não
poderiam receber a comunhão em
nenhuma igreja do mundo. O sr.
concorda com as excomunhões dadas aos deputados do México?
BENTO 16 - Sim, concordo. Essas excomunhões não são uma
coisa arbitrária, estão previstas
no Código [de Direito Canônico]. O direito de matar um inocente, uma criança humana, é
incompatível com estar em comunhão com o corpo de Cristo.
Não foi feito nada de novo, de
surpreendente, de arbitrário,
eles apenas revelaram, declararam publicamente algo que é
previsto pelo direito da igreja,
que foi a própria igreja que estabeleceu assim.
PERGUNTA - Como lidar com a perda de fiéis na América Latina?
BENTO 16 - Essa é a nossa preocupação comum na conferência episcopal. Queremos encontrar respostas convincentes, estamos trabalhando nisso
já. O sucesso dessas seitas demonstra que existe uma sede
por Deus, uma sede de religião.
As pessoas querem estar perto
de Deus e procuram essa proximidade. Naturalmente elas
também aceitam que essas seitas se apresentem como capazes de solucionar os problemas
cotidianos. Nós, da Igreja Católica, temos que transformar isso num objetivo da conferência, para sermos mais dinâmicos, mais missionários, para
responder a essa sede por Deus.
E devemos também ser conscientes de que as pessoas, principalmente os pobres, querem
ter isso mais perto deles. Somos conscientes de que, junto a
essa resposta à sede de Deus,
devemos ajudá-los a encontrar
condições de vida justa, sejam
microeconômicas, nas condições concretíssimas da vida, como fazem as seitas, sejam macroeconômicas, pensando em
todas as exigências da justiça.
PERGUNTA - No Brasil, muitos católicos discordam das posições da igreja. Como recuperar fiéis se até católicos não querem ouvir a mensagem?
BENTO 16 - Essa não é uma especificidade do Brasil, são muitíssimas as pessoas em outros
lugares que também não querem ouvir. Esperamos que ao
menos uma parte queira ouvir
e responder e que possamos
tentar convencer também
aqueles que ouvem, mas não
querem sentir. Naturalmente,
se até o nosso Senhor não convenceu a todos que o escutassem, não esperamos também
que possamos convencer a todos que me escutem, que todos
se convençam no momento.
Mas eu tento, com a ajuda dos
meus colaboradores, falar ao
Brasil nesse momento, na esperança de que muitos queiram ouvir, que muitíssimos
possam se convencer de que
esse é o caminho para seguir.
PERGUNTA - Acha a América Latina
importante?
BENTO 16 - Amo muito a América Latina, já fiz muitas visitas a
região. Sei como são grandes os
problemas e como é grande a riqueza humana desse continente. O fato é que nesses últimos
tempos os temas dominantes
são os problemas do Oriente
Médio, que geraram uma imediata prioridade, e também o
sofrimento da África, mas não
amo menos a América Latina, o
maior continente católico, a
maior responsabilidade de um
papa. Chegou então o momento em que posso estar na América Latina, confirmar o empenho começado por Paulo 6º e
João Paulo 2º. Naturalmente,
estarei em um continente católico, que é um continente
exemplar e onde os problemas
humanos são grandes, para trabalhar com os bispos e sacerdotes para que esse grande continente católico seja também um
continente de vida e realmente
de esperança, e isso para mim é
uma prioridade, uma prioridade de primeira ordem.
PERGUNTA - Como a cultura brasileira fez parte da sua formação?
BENTO 16 - Entendo que o Brasil é o maior país da América
Latina, vai da Amazônia à Argentina, além de sua cultura indígena, e as mais de 80 línguas
que esses grupos falam. Por outro lado, há o grande passado
com influências afro-brasileiras, e é interessante como se
formou o povo com base na fé
católica e como a fé católica foi
para todos os lados, ainda que
com dificuldades. No século 19,
a igreja foi perseguida pelas forças liberais. Na minha formação, é importante o conhecimento dessa Igreja Católica da
América Latina, não sou um especialista, mas o continente é
uma parte fundamental do futuro da Igreja Católica.
PERGUNTA - O que significa ir a
Aparecida?
BENTO 16 - Nossa mãe está presente em vários continentes,
sempre com muita importância, é a mãe de Deus, e ela está
presente em Fátima, em Aparecida, em Lourdes, em Guadalupe, é uma figura próxima a todos, isso mostra que ela está
presente em várias culturas.
PERGUNTA - Que mensagem o senhor gostaria de mandar para os expoentes da Teologia da Libertação?
BENTO 16 - Com a mudança da
situação política, também mudou profundamente a situação
da Teologia da Libertação. Agora é evidente que esses fáceis
milenarismos, que prometem
revoluções e também rápidas
condições para se conseguir
uma vida justa, estavam errados. Hoje todos sabem disso. A
questão é como a igreja deve estar presente na luta por reformas necessárias para que se
possa ter condições de vida justas. É nesse ponto que se dividem os teólogos e os sociólogos.
Nós, com as nossas instruções
por parte da congregação, tentamos fazer um trabalho de discernimento para se libertar dos
fáceis generalismos, dos lugares comuns e libertar-se também de uma mistura errada entre igreja e política e fé e política. De uma parte, mostrar que a
missão especifica da igreja é
responder à sede de Deus e, de
outra parte, indicar as linhas-guias para uma política justa,
que não fazemos nós, mas nós
devemos indicar, sejam as
grandes linhas, os grandes valores determinantes para criar as
condições humanas, sociais,
psicológicas, nas quais essas
condições podem crescer e
acontecer. Enfim, existe um espaço para o debate legítimo de
como tornar mais eficaz a doutrina social da igreja.
PERGUNTA - Acha que o arcebispo
Oscar Romero, de El Salvador, um
ícone da Teologia da Libertação, poderá ser canonizado?
Bento 16 - O caso está em curso
e baseado em uma biografia
bastante completa sobre ele.
Ele foi certamente um grande
testemunho da fé, um homem
de grande fé cristã, que se empenhou pela paz e contra a ditadura e teve uma morte verdadeiramente incrível no testemunho da fé [foi morto quando
celebrava missa]. O problema é
que uma parte política o usou
como bandeira, injustamente.
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