São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2010

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"PF cometeu abusos na minha investigação", afirma Tuma Jr.

Secretário nacional de Justiça é acusado de ligação com a máfia chinesa em São Paulo

Tuma Jr. diz que objetivo não é investigá-lo, mas sim desmoralizá-lo e que é vítima do crime organizado e de grande armação política

Fotos Eduardo Knapp/Folha Imagem
O secretário Romeu Tuma Jr., durante a entrevista à Folha, em que disse ser vítima de armação política e do crime organizado

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário nacional do Ministério da Justiça, Romeu Tuma Jr., diz que a investigação da Polícia Federal que vinculou seu nome ao de um suposto integrante da máfia chinesa cometeu abusos. "Não da PF, mas de pessoas da PF. Fui investigado e chegou-se à conclusão que eu não deveria ser denunciado.
O caso foi "arquivado", afirma.
Na investigação, a PF diz que há suspeitas de que Tuma Jr.
ajudou o chinês naturalizado brasileiro Paulo Li a regularizar a situação de imigrantes ilegais e interveio para liberar mercadoria apreendida.
Li, que foi assessor de Tuma Jr. quando ele era deputado estadual, está preso desde setembro do ano passado. O secretário não foi acusado formalmente à época porque o Ministério Público entendeu que não havia provas contra ele.
Em entrevista, Tuma Jr. diz que o caso foi encerrado no ano passado e voltou à tona por causa de seus ataques ao crime organizado. "O objetivo não é me investigar, é me desmoralizar".

 

FOLHA - O sr. já comprou celular e videogame contrabandeado, como sugerem as conversas gravadas?
ROMEU TUMA JR. -
Eu estava em Viena e minha filha pediu para eu comprar um Wii para minha neta. Liguei para ela e disse que o Wii custava caro, 350, quase R$ 1.200. Ela me perguntou se não seria melhor comprar no Brasil. Liguei para o Paulinho.
Uma coisa que tem de ficar clara é que eu tenho um amigo que é chinês. Não sou amigo de contrabandista. Se cometeu crime, deixa de ser meu amigo.
Falei para o Paulinho: "Vê quando custa um Wii na Paulista". Ele liga de volta: "Custa R$ 950". Minha filha liga de novo e diz que o namorado da minha outra filha estava nos EUA, onde o Wii custa US$ 250. O jogo veio dos EUA.

FOLHA - E o celular?
TUMA JR. -
Tenho esse celular há três anos, quando fui para a China. Só tem em Hong Kong.
Tem um amigo meu, diretor do Corinthians, que ficou doente com o telefone. O Paulinho me liga: "Tá vindo um primo meu de Hong Kong". Pedi para ele comprar um telefone igualzinho ao meu. O cara trouxe o preto, não dourado. O meu amigo não quis e eu não comprei. Não é pirata. É um Motorola que só tem em Hong Kong.

FOLHA - Paulo Li é conhecido como contrabandista há alguns anos. O sr., que é delegado, não sabia disso?
TUMA JR. -
Se for verdade, para mim é uma decepção. Sou policial há mais de 30 anos e tenho obrigação de conhecer quem faz coisa errada. Nunca desconfiei, até porque ele vivia numa situação difícil. Tinha um filho que estava sem emprego e eu arrumei emprego para ele no Corinthians. Ele estava tirando outro filho da escola porque estava sem dinheiro. Esse é o grande líder do contrabando?

FOLHA - A polícia diz que o sr. ajudava Li a regularizar a situação de chineses ilegais no Brasil.
TUMA JR. -
Conheço o Paulinho há 20 anos e tem uns quatro e-mails em que ele pede informação sobre estrangeiros. É minha obrigação como servidor atender qualquer pessoa de uma área sob minha responsabilidade. Ele, eventualmente, pode ter pedido alguma coisa.
Mas se houve atendimento é porque estava dentro da lei.

FOLHA - Mas Li é acusado de cobrar comissão para fazer isso.
TUMA JR. -
Houve uma disputa muito grande sobre a data para anistia dos imigrantes. Decidimos que seria 1º de novembro de 2008. No Congresso, um deputado fez uma emenda colocando a data para 1º de fevereiro de 2009. Isso é um absurdo.
As pessoas iriam se aproveitar para colocar imigrantes no Brasil. É criminoso. Um deputado havia montado um esquema com policiais federais na Liberdade e cobravam por atestado. Foi o Paulinho que denunciou esse esquema.

FOLHA - O sr. avisou a polícia?
TUMA JR. -
Pedi um inquérito. Foi um mês antes de o Paulinho ser preso. É por isso que ele me liga no dia da prisão. Tinha medo de que não fossem policiais, mas pessoas dessa máfia.

FOLHA - Numa gravação, um assessor do sr. tenta liberar aparentemente uma carga apreendida.
TUMA JR. -
É outro absurdo. Se divulgassem a conversa inteira, veriam que não é mercadoria.
São livros contábeis. Um empresário me liga e diz: "Veio um fiscal na minha loja e pegou os livros. Para devolver, ele quer R$ 30 mil." Falei: "Vamos prender o cara". Pedi para um assessor descobrir quem era o delegado da Receita na região. O empresário foi lá e denunciou.
Não cometi nenhum crime.

FOLHA - O sr. também é acusado de tentar ajudar a família da deputada Haifa Madi, presa com US$ 123 mil no aeroporto de Cumbica.
TUMA JR. -
Recebi dezenas de telefonemas nesse caso, inclusive de pessoas do Judiciário. Me perguntavam se podia sair do Brasil com US$ 10 mil ou R$ 10 mil. Eu não lembrava. Era domingo. Liguei para um assessor e contei o caso. Quando soube que eles tinham sido presos na sexta à noite, dois dias antes, falei: "Então tá morto, tá putrefato". O que eu queria dizer é: por que me ligam se as pessoas já estão presas?
Como fazem divulgação seletiva e criminosa dos diálogos, acham que estou dizendo que já não dá para ganhar uma nota.

FOLHA - É normal um secretário da Justiça ter esse tipo de conversa?
TUMA JR. -
Sou servidor público e tenho obrigação de atender as pessoas. É natural que uma deputada ligue quando tem parentes presos. Isso não é crime.

FOLHA - Um assessor seu, Paulo Guilherme Mello, é investigado sob suspeita de ajudar a máfia chinesa. Por que o sr. não o afastou do cargo?
TUMA JR. -
Ele é um policial federal e não posso prejulgar uma pessoa por uma investigação a que eu não tive acesso.

FOLHA - O sr. sabe por que seu depoimento não está no inquérito?
TUMA JR. -
Isso é muito grave. Fui delegado de polícia e, se ouvisse uma pessoa num inquérito e não juntasse o depoimento, estaria na rua. Isso é crime. Não tive direito a defesa.

FOLHA - O sr. acha que essa investigação da PF cometeu abusos?
TUMA JR. -
Do jeito que essa investigação está sendo tratada, é um abuso. Não da PF, mas de algumas pessoas da PF. Fui investigado e chegou-se à conclusão que não deveria ser denunciado. O caso foi arquivado.

FOLHA - Por que uma investigação de setembro veio à tona agora?
TUMA JR. -
Estou sendo vítima do crime organizado e de uma armação política muito grande. Com a política que implantamos no ministério, virei símbolo do combate à lavagem de dinheiro, da cooperação internacional. Quando fui para a Comissão de Pirataria, é evidente que isso criou um desconforto.
O objetivo não é me investigar, é desmoralizar. O crime organizado age assim: mata testemunhas e desmoraliza os chefes da investigação.


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