São Paulo, segunda, 10 de maio de 1999

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Entrevista da 2ª

Educador responsabiliza pais e escolas por delinquência

Política de juventude não é um "pot- pourri' de atividades na agenda dos jovens, que é a estratégia da classe média

MARTA AVANCINI
da Reportagem Local

O combate à violência juvenil e à violência na escola depende da mudança da visão que os pais, a escola e o governo têm do adolescente e da maneira como se relacionam com ele. Em vez de ser tratado como um objeto de ações e políticas, o adolescente tem de ser incorporado como um agente delas, de modo que possa praticar valores de cidadania.
Assim, para o educador Antonio Carlos Gomes da Costa, a atual onda de violência nas escolas brasileira, sobretudo paulistas, está relacionada à falta de uma política para a juventude.
Especializado em pedagogia terapêutica, Costa considera que são necessários três tipos de ações para atender às necessidades do adolescente contemporâneo. Elas envolvem os pais, as escolas e políticas e programas para ocupar o tempo livre dos jovens.
O educador diz que não basta preencher a agenda das crianças e adolescentes, como costumam fazer os pais de classe média, para que os filhos se mantenham ocupados. O fundamental, diz ele, é que nas atividades o jovem possa atuar como protagonista em atividades que lhe permitam desenvolver uma identidade e um projeto de vida.
Leia, abaixo, a entrevista que ele concedeu à Folha.

Folha - Nos últimos dois meses, houve uma série de casos de violência nas escolas paulistas. É um problema que está se intensificando ou sempre foi assim e só agora estamos nos dando conta?
Antonio Carlos Gomes da Costa -
O quadro de violência nas escolas brasileiras vem evoluindo e se agravando, mas dizer que agora estamos vivendo uma explosão seria, a meu ver, errôneo. Porque, de repente, o que está acontecendo é que a mídia está dando mais visibilidade a esse assunto depois da tragédia que aconteceu nos Estados Unidos. Ou seja, estamos vendo a violência de nossos jovens de maneira reflexa.
Folha - O sr. considera que a ocorrência de violência entre jovens está ligada à ausência de políticas para a juventude?
Costa -
O Brasil desenvolveu ações setoriais ao longo do século, como o sistema de ensino, o sistema de profissionalização, mas não desenvolveu políticas de tempo livre para a juventude. Principalmente os jovens das classes pobres ficaram entregues a si mesmos.
Se você olha a agenda de um jovem da classe média, ele tem oportunidade de aprender línguas, fazer judô, natação, aprender informática. A juventude popular urbana, protagonista nessa questão, recebeu poucas oportunidades educacionais, poucas oportunidades de profissionalização e nenhuma oportunidade de ocupação construtiva do tempo livre.
Folha - Mas ocorrem casos de violência nas escolas de classe média, inclusive nas particulares. Há casos de alunos que se reúnem em gangues para se proteger das pessoas que consideram inimigas. Será que o problema está só na ocupação do tempo livre?
Costa -
Eu falei em ocupação construtiva do tempo livre. O que acontece com esses jovens que formam gangues? Eles formaram uma cultura. Os jovens estão organizados dentro de certos imaginários a respeito de si mesmos porque a tarefa socioexistencial da adolescência é construir a sua identidade e o seu projeto de vida.
Normalmente, quando os jovens ainda não estão preparados para essa tarefa, eles entram nas culturas juvenis, que propiciam a eles uma identidade provisória.
Talvez o ponto central é, quando se fala em política de juventude, que não seja só um "pot-pourri" de atividades na agenda do jovens, que é a estratégia da classe média. Ela cria um monte de coisas que é uma estratégia um pouco desfocada das questões centrais.
Como seria a ocupação criativa do tempo do jovem nesse contexto? Uma primeira coisa seria a educação para valores. Outro dado fundamental é que os adultos estão querendo dar habilidades para os jovens ingressarem no mundo do trabalho, mas o que os jovens estão precisando é de uma nova "cultura da trabalhabilidade".
O que é isso? É o jovem saber enxergar esse mundo para conseguir se inserir nele de variadas maneiras. O emprego é apenas uma delas. Existe o trabalho associativo, cooperativo, o auto-emprego. Existem muitas formas de entrar no mercado de trabalho que não o emprego.
O terceiro componente dessa política é o tempo que o jovem tem para si. O tempo livre tem de ser ocupado pela educação para valores que, na prática do jovem, se traduzem pelo protagonismo juvenil, educação para cidadania na prática. Isso significa ver o jovem como solução e não como um problema.
A grande dificuldade desse momento é que estamos vendo os jovens como problema e não como solução. E uma sociedade que encara sua juventude como um peso, um problema e não como solução tem alguma coisa errada.
Folha - De que forma a escola e a família podem solucionar isso?
Costa -
Para dar uma resposta ao jovem, a gente precisa de três educadores, e cada um tem de assumir a sua incompletude. É um tripé formado pela família, escola e uma educação social. Esta última é muito importante porque ela vai trabalhar o tempo livre. Tanto a família quanto a escola e os programas sociais têm de apresentar novas pautas para o jovem. O modelo que nós temos está ficando caduco.
A educação social, a educação familiar e a educação social da etapa anterior não servem mais. Os educadores estão muito preocupados com a questão dos limites. Os jovens não só necessitam como reivindicam limites, mas eles não podem mais ser estabelecidos sem a participação dos jovens. Antes, você pré-estruturava e enquadrava os jovens nos limites. Agora não.
Toda vez que se vê uma escola que conseguiu romper com o problema da violência, você vai lá e o que vê? Eles abriram espaço para os alunos usarem. Por exemplo, deixam os estudantes pintarem um muro como bem entendem. Um segundo ponto é a capacidade de relação com a comunidade e com as famílias. Quando uma escola consegue se relacionar com a comunidade, com as famílias e quando estabelece outra relação com eles resulta em experiências que dão certo. É um padrão que se repete em casos de escolas degradadas que são transformadas em comunidades educativas.




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