São Paulo, terça-feira, 10 de julho de 2001

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ESTUDO BRASILEIRO

Levantamento coordenado por Marcelo Neri diz que seria necessário gastar R$ 1,69 bilhão mensalmente para erradicar a fome

País tem 50 milhões de indigentes, diz FGV

ANTÔNIO GOIS
FERNANDA DA ESCÓSSIA


DA SUCURSAL DO RIO

O Brasil tem hoje 50 milhões de pessoas (29,3% da população) em situação de indigência e seria necessário gastar R$ 1,69 bilhão mensalmente para erradicar a fome no país. Essa é a tese de um estudo lançado ontem pelo Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), chefiado pelo economista Marcelo Neri.
O governo federal contesta os dados. Com base numa metodologia diferente, a Secretaria de Assistência Social afirma que existem apenas 20 milhões de indigentes no país (veja texto ao lado).
Pelos cálculos de Marcelo Neri, coordenador do trabalho da FGV, um indigente sairia da miséria com um aumento médio de R$ 34 em sua renda mensal. Ele usou dados populacionais e de renda das Pnads (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
De acordo com esse estudo, se cada brasileiro não-indigente transferisse R$ 14 mensais de sua renda para os miseráveis do país, seria possível erradicar a fome.
Em sua metologia, o estudo classificou como indigentes pessoas com renda mensal inferior a R$ 80, valor necessário, de acordo com preços de São Paulo, para garantir a ingestão mínima de alimentos recomendada pela Organização Mundial de Saúde. Já na metodologia do governo, só os que recebem menos de um terço de salário mínimo são indigentes.
Neri disse que seu estudo define como indigentes pessoas que, em outras metodologias, seriam consideradas pobres: "O governo pensa diferente. Eu faço parte de uma instituição independente".
O volume de recursos a ser transferido dos não-indigentes para os miseráveis varia de Estado para Estado. Uma conta feita pela Folha, com base na metodologia do estudo, mostra que em São Paulo esse valor seria de R$ 4,20 mensais, enquanto no Maranhão ele chegaria a R$ 70,20.
O economista critica a falta de foco das políticas sociais brasileiras no combate à miséria: "Erradicar a fome não é uma questão de volume de recursos, mas de distribuição deles. A política social brasileira não atinge o pobre. Ela erra o alvo", afirma Neri.
Segundo o economista, os governos federais, estaduais e municipais somados investem anualmente na área social 20,9% do PIB nacional, volume suficiente para erradicar a miséria.
Para Neri, é preciso focalizar as políticas sociais nos grupos mais pobres da população, para melhorar a distribuição da renda no país. O volume de R$ 1,69 bilhão mensal poderia vir, na análise do economista da FGV, tanto dos governos como da própria sociedade civil, num esforço conjunto para acabar com a fome no país.
Neri chegou a calcular qual teria de ser a colaboração de cada brasileiro para a erradicação da fome e encontrou R$ 10, caso esse conjunto de contribuintes incluísse os indigentes. A pedido da Folha, refez a conta excluindo os indigentes e obteve o valor de R$ 14.

Distribuição de renda
O que o estudo mostra é que, no Brasil, o problema da pobreza não é de falta de recursos, mas de má distribuição de renda, e tenta comprovar isso em três cenários.
No primeiro cenário, com um crescimento da renda per capita de 21% em cinco anos, mas sem distribuição de renda, a taxa de indigência cairia de 29,3% para 24,1%. No segundo cenário, com economia estável e crescimento zero, mas redução da concentração de renda (baixando o índice de Gini de 0,59, taxa do país, para 0,54, taxa de São Paulo), a indigência cairia para 21,6% -mais que no cenário de crescimento sem redistribuição de renda.
O índice de Gini é um padrão internacional de medição da concentração de renda. Varia de 0 (renda igualmente distribuída) a 1 (hipotética situação em que uma pessoa concentra toda a renda).
Por fim, no terceiro cenário, mesclando o mesmo crescimento econômico e a mesma redução da concentração de renda, a indigência cairia quase pela metade -de 29,3% para 15,79%.
Neri afirmou que, no biênio 1998-1999, a miséria caiu 1,5% ao ano no Brasil em comparação com o biênio 1996-1997.
Pelos dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, em 2000 a miséria caiu 5,1% em seis regiões metropolitanas brasileiras, na comparação com 1999. A maior queda foi em Salvador (9,1%), e a menor, no Rio (1,9%).



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