São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997.



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PERSONALIDADE
Sociólogo Herbert de Souza, criador da campanha contra a fome, lutou por 14 anos contra a Aids
Betinho, 61, morre em casa e "em paz"

da Sucursal do Rio

O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, criador da Ação da Cidadania Contra a Miséria e Pela Vida, morreu ontem, aos 61 anos, no Rio.
Betinho sofria de Aids e morreu em consequência de uma hepatite do tipo C, adquirida, como a Aids, em transfusão de sangue.
Segundo informou Átila Roque, assessor de Betinho, o sociólogo morreu às 21h10, "em paz, tranquilo, sem dor e sem sofrimento".
Betinho estava em casa e vinha sendo sedado desde a noite de anteontem.
De acordo com o desejo de Betinho, seu corpo será cremado. O velório foi marcado para a Assembléia Legislativa do Rio (centro).
O cantor e compositor Chico Buarque chegou à casa de Betinho cerca de uma hora depois da morte do sociólogo. Durante a noite, o velório seria reservado a amigos íntimos e à família.
Estado irreversível
Na madrugada de sexta para sábado, o estado de Betinho se agravou, tornando-se irreversível. A única opção de tratamento, um transplante de fígado, foi desconsiderada porque Betinho, debilitado, não resistiria à cirurgia.
Betinho escolheu morrer em casa, em Botafogo (zona sul do Rio). Por opção dele e de sua família, não houve transferência para um hospital.
Há muitos anos Betinho já havia expressado a vontade de morrer "como se morria antigamente", em casa, cercado pela família e pelos amigos, segundo relatou o médico que o acompanhava, o infectologista Walber Vieira.
O sociólogo lutou contra o vírus da Aids e contra as complicações decorrentes da doença durante 12 anos. Segundo seu médico, Betinho sabia que era portador do vírus da Aids desde 1985.
Acredita-se que Betinho tenha contraído o HIV cerca de dois anos antes, por meio de uma transfusão de sangue realizada no exterior. Hemofílico como seus irmãos Henfil, cartunista, e Chico Mário, músico -ambos mortos pela Aids em 1988-, Betinho tinha que se submeter a transfusões de sangue frequentemente.
A hemofilia é uma condição hereditária que se caracteriza por hemorragias longas e abundantes.
Nos últimos meses, o quadro clínico de Betinho vinha se agravando devido à hepatite.
O vírus da hepatite C, adquirido por meio de uma transfusão de sangue, foi detectado em 94.
Em julho, Betinho passou 27 dias internado na Beneficência Portuguesa, na Glória (zona sul do Rio).
Nesse período, sofreu de hepatite medicamentosa -causada pelos medicamentos do coquetel antiaids-, estomatite (infecção na mucosa da boca) e pneumonia.
Resistência minada
Vieira esclareceu que, ao morrer, Betinho não tinha "infecções oportunistas" causadas pela baixa da resistência imunológica determinada pelo vírus HIV.
A sucessão de enfermidades acabou minando a resistência e a disposição de lutar que sempre foram seus maiores trunfos.
Os amigos mais próximos perderam as esperanças depois de ver que o próprio Betinho, esgotado pelo sofrimento imposto pela doença, havia parado de lutar.
Ao voltar para casa, ele continuou a se alimentar por via enteral (sonda).
Os médicos montaram uma pequena UTI (unidade de terapia intensiva) em casa para Betinho, que tinha o acompanhamento também de uma enfermeira e um fisioterapeuta.
Betinho era casado com Maria Nakano e deixa dois filhos: Henrique, 16, e Daniel, 31, este do primeiro casamento.
Ibase
O apartamento onde morreu é vizinho ao Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), fundado por ele em 1981 e que se tornou uma das mais respeitadas ONGs (organizações não-governamentais) do Brasil.
Atualmente, o Ibase sofre grave crise financeira.
Desde o final do ano passado, 12 funcionários pediram demissão ou licença. A direção reduziu o expediente ao horário da tarde e alugou salas do prédio.
A crise é atribuída ao corte dos recursos fornecidos pelas agências internacionais de cooperação e pela desvalorização do dólar diante do real.
Uma nova parceria com a Light deverá permitir doações por meio de contas de luz para que o Ibase possa organizar a campanha pela agenda social do Rio, que prevê atenção às áreas de habitação, educação, alimentação, urbanização e esporte.



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