São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ A NOVA LISTA DE VALÉRIO

Publicitário revelou lista de beneficiários de repasses na época em que Azeredo disputou reeleição

Valério volta a acusar Dirceu e envolve campanha tucana

Lula Marques/Folha Imagem
O publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza presta depoimento à CPI Mista do Mensalão, no Congresso, em Brasília


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

Em seu terceiro depoimento ao Congresso, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza apresentou nomes de 75 pessoas supostamente ligadas ao PSDB que teriam sido beneficiadas em 1998 por dinheiro originado de esquema semelhante ao que resultou na atual crise política. Afirmou ainda que o ex-ministro José Dirceu era o "avalista superior" dos empréstimos feitos por suas empresas para financiar o PT e os partidos aliados e, em vários momentos, atacou o publicitário Duda Mendonça.
"Em mãos diferentes e em situações diferentes, eles são similares, sim", disse, sobre os repasses ao PT e os de 1998, durante a campanha de reeleição do então governador tucano de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, que perdeu para Itamar Franco.
Apesar de manter as acusações de que Dirceu sabia dos empréstimos repassados ao PT, o empresário não apresentou provas. Disse apenas que sabia da informação por tê-la ouvido do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares.
"[Os empréstimos] tinham o aval do senhor Delúbio Soares, que cansou de me falar que o senhor José Dirceu sabia das operações", afirmou, num depoimento em que chegou a dizer que não morria de amores pelo ex-ministro e que concordava com a opinião de que se tratava de uma pessoa "arrogante e prepotente".
Apontado como o "operador" do pagamento de mesadas a deputados, Valério reafirmou, na CPI do Mensalão, que Duda Mendonça foi beneficiado por R$ 15,5 milhões oriundos de suas empresas. Duda nega as transações.
"O dinheiro saiu das minhas contas. Eu sei para quem eu dei. O senhor Duda Mendonça recebeu o que está aí [na lista]", afirmou o empresário, que entregou ainda à CPI cópias de propostas de contratos assinados pela sócia de Duda, Zilmar Fernandes, em 1998, para a campanha tucana em Minas Gerais.
Segundo Valério, ele repassou R$ 4,5 milhões, por meio de Cláudio Mourão, tesoureiro da campanha tucana de Minas em 1998, para o pagamento de notas assinadas pela sócia de Duda.
Ao contrário do que dissera à CPI dos Correios, em 6 de julho, Valério apresentou a lista de 31 beneficiários de empréstimos que suas empresas contraíram nos bancos Rural e BMG, em 2003 e 2004, e que repassaram a pessoas indicadas pelo PT.
A lista, que totaliza repasses de R$ 55,7 milhões, foi a mesma entregue na semana passada à Procuradoria Geral da República. Já os 75 nomes da lista de 1998 seriam aliados do hoje presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), então candidato ao governo de Minas Gerais. Eles teriam recebido R$ 1,8 milhão. Mas Valério diz ter repassado R$ 10 milhões à campanha -ele não teria conseguido reunir os demais comprovantes.
"Na época, não valia a pena eu brigar com o hoje senador Eduardo Azeredo nem com o PSDB porque ele [o partido] era governo federal. Eu perderia minhas contas", afirmou Valério.
O depoimento do publicitário começou às 12h15 e não havia se encerrado até o fechamento desta edição. Nele, Valério atacou também Roberto Jefferson (PTB-RJ), autor das denúncias sobre o "mensalão", afirmando ter ouvido que o genro do petebista, Marcus Vinícius Ferreira, teria tentado desviar recursos do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), que era controlado pelo PTB.
Seu depoimento foi pontuado por declarações de que estaria arrependido, de que sua vida estaria acabada e de que estaria "quebrado". "Deus me deu dois braços. Se ninguém me der emprego, se precisar vender banana na esquina, vou vender e criar meus filhos, com fé em Deus", disse.
Ao ser elogiado por Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) por seu "desprendimento", respondeu: "Também, depois dessa cagada toda".

PSDB E O ESQUEMA DE 1998 - Valério revelou os nomes de 75 beneficiários de repasses em 1998 e disse que o então tesoureiro da campanha de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) ao governo de Minas Gerais, Claúdio Mourão, pode confirmar os nomes cujos recibos de repasse não mais existiriam. Valério disse que o então candidato a vice na chapa de Azeredo e hoje presidente da CNT (Confederação Nacional dos Transportes), Clésio Andrade, foi quem pediu a ele para levantar um empréstimo de R$ 10 milhões no Banco Rural como forma de socorrer a campanha tucano-pefelista. "Eu fiz esse empréstimo para a campanha e o senhor Cláudio Mourão determinou os pagamentos", disse Valério. O publicitário afirmou ainda que levou depois "um cano" de Clésio.
"Fiz um acordo com o Banco Rural e paguei R$ 2 milhões que tinha no caixa. O restante foi pago com propaganda ao Banco Rural, que é cliente até hoje da SMPB".
"Na época não valia a pena eu brigar com o hoje senador Eduardo Azeredo nem com o PSDB porque ele era governo federal."
Valério afirma que negociou com o PT agora porque tinha igual temor. "Não ser perseguido já era o suficiente para mim", afirmou, sobre a relação com o PT.

EMPRÉSTIMOS AO PT - "O PT me deve o valor corrigido, que os bancos estão me cobrando, eu acho que são R$ 100 milhões. Hoje entrei com pedido judicial para apurar o valor real e negociar ou entrar na Justiça contra o PT", afirmou.

DIRCEU - Valério conta que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares dizia que o partido tinha arrecadação anual de R$ 50 milhões e que essa arrecadação iria dobrar com a chegada do partido ao poder. Com isso, haveria a garantia de que os empréstimos seriam pagos.
"[O PT] teria condições de pagar os empréstimos. Além disso, tinha o aval do senhor Delúbio Soares, que cansou de me falar que o senhor José Dirceu sabia das operações. A um dado momento, quando os empréstimos foram renovados com juros, em que não se pagava nada dos empréstimos. Isso me deixou tranqüilo, de saber que as pessoas sabiam que tinha um aval superior", afirmou, se referindo a Dirceu. Mas ressalvou: "Se o senhor me perguntar, com toda a sinceridade: "O aval do senhor José Dirceu foi dado a você?", eu lhe falo que não, mas foi confirmado a mim pelo senhor Delúbio", disse.
Valério se referiu a Dirceu, a quem disse considerar um "inimigo", em vários pontos do depoimento. Num deles, disse que os responsáveis por sua vida ter acabado são ele próprio, Valério, Delúbio e Dirceu.
"Vou falar uma coisa que depois posso até ser crucificado. Mas não morro de amores pelo deputado José Dirceu". Ao ser questionado se concordava com a afirmação de que o deputado é arrogante e prepotente, respondeu: "Em gênero, grau e número".

ROBERTO MARQUES - Valério disse não saber se a autorização de saque para Roberto Marques diz respeito ao assessor e amigo de Dirceu. "Apesar de todo o meu sentimento pessoal, não quero cometer injustiças. Eu não sei se esse Roberto Marques é o mesmo Roberto Marques do ministro José Dirceu", afirmou. Dirceu e o assessor negam ser beneficiários de dinheiro de Valério.

PORTUGAL TELECOM - Valério negou ter ido a Lisboa com o tesoureiro informal do PTB Emerson Palmieri para levantar recursos na Portugal Telecom. Ele negou também ter se apresentado como consultor do governo brasileiro.
Disse ter ido tratar de contas publicitárias com a multinacional e que Palmieri foi com ele "para fugir do Roberto Jefferson", que o estaria pressionando para conseguir dinheiro para o PTB. Valério confirmou, porém, ter se encontrado com Dirceu 13 dias antes da viagem, em reunião agendada por Delúbio.
"Quem marcou a reunião com o ministro José Dirceu a meu pedido foi Delúbio Soares. E eu fui acompanhando o doutor Ricardo Espírito Santo", afirmou, se referindo ao representante no Brasil do banco português Espírito Santo, o principal acionista da Portugal Telecom.
"Eles têm investimento acima de R$ 1 bilhão no Brasil e ele foi colocar esses investimentos para o governo brasileiro. E eles iam investir novamente, como investiram na compra do UOL, junto com a Folha de S.Paulo", disse.

CÂMARA - O publicitário negou irregularidade no contrato de sua empresa com a Câmara pelo fato de ele ter sido um dos responsáveis pela campanha do ex-presidente da Casa João Paulo Cunha (PT-SP). Afirmou que situação semelhante ocorreu na gestão de Aécio Neves (PSDB-MG) -empresa do mesmo grupo que fez a campanha do tucano teria ganho a licitação para fazer a comunicação da Casa.

ROBERTO JEFFERSON - Além de Dirceu, Valério centrou fogo em Roberto Jefferson, a quem acusou de forçar Emerson Palmieri a fazer negociatas. O publicitário afirma ter ouvido de Palmieri a informação de que o genro de Jefferson, Marcos Vinícius, conhecido como "Nescau", teria tentado desviar recursos do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil).
"[Tínhamos] uma certa intimidade, a ponto de ele me contar que estava sofrendo uma pressão muito grande do Roberto Jefferson por causa de dinheiro", afirmou.
Segundo Valério, Palmieri teria batido boca com Jefferson porque o petebista queria que ele "fosse buscar um dinheiro que o genro dele tinha arrumado dentro do IRB, um tal de Nescau". "Ele [Palmieri] ainda virou e falou para mim: "Esse Nescau é chave de cadeia'".

CORRUPÇÃO - "Eu me arrependo do que fiz, mas não comungo com esses rótulos a essas pessoas [políticos]. Porque são dívidas do passado, de campanha, e é assim que funciona no Brasil. Eu me considero errado, mas não considero as pessoas que eu relacionei ou para as quais passei recursos corruptas nem ladras."

DUDA MENDONÇA - Valério confirmou que Duda recebeu R$ 15,5 milhões e levantou mais suspeitas sobre o colega. "Não conheço operação de outras agências, mas vou dar exemplos. Falaram nos jornais que eu era testa de ferro do sr. Daniel Dantas, mas se o sr. pegar a conta da Telemig Celular [de Dantas, com as agências de Valério], ela faturou R$ 100 milhões e poucos", disse, acrescentando: "Se pegar o Duda Mendonça, que ganhou a conta em 2003, já faturou mais de R$ 200 milhões e a dele é Brasil Telecom", disse.
Sobre os R$ 15,5 milhões: "O dinheiro saiu das minhas contas. Eu sei para quem eu dei. (...) O sr. Duda Mendonça recebeu o que está aí. Tenho alguns comprovantes bancários, mas de tudo, não", afirmou.
Segundo Valério, o dinheiro destinado ao publicitário da campanha de Lula era entregue à sua sócia Zilmar Fernandes ou "para quem ela mandou pagar". "Para onde ele [Duda] mandou o dinheiro, onde está e o que ele fez, eu não tenho a menor idéia", afirmou.

ORGIAS - Valério negou ainda ter participado de "alguma festa ou orgias" dadas por suas empresas a políticos.
(RANIER BRAGON, LUCIANA CONSTANTINO E SILVIO NAVARRO)

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