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STF amplia participação no debate público
Ministros vêem Supremo mais aberto a temas que mobilizam opinião pública; para decano, tribunal é agora "protagonista relevante"
Um dos marcos da mudança
foi o momento em que o STF
obrigou o Poder Legislativo
a nomear os membros da
CPI dos Bingos, em 2005
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O STF (Supremo Tribunal
Federal) vem mudando seu
perfil e adota posição mais ativa na apreciação de questões
políticas de ampla repercussão,
antes rechaçadas sob o argumento de interferência na autonomia entre os Poderes. Lacunas da legislação não resolvidas pelo Congresso vêm sendo
assumidas pela Corte suprema.
Seis dos 11 ministros que
compõem o Supremo e que
concederam entrevista à Folha
sobre as mudanças no STF na
última década também são
unânimes em dizer que hoje
existe um Supremo mais sintonizado com os temas que mobilizam a opinião pública. Eles
chegam à Corte principalmente via Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADPF
(Argüição de Descumprimento
de Preceito Fundamental).
Antes da Constituição de
1988, apenas o procurador-geral da República podia submeter esse tipo de apreciação à
Corte. Depois dela, partidos
políticos, Congresso e organizações da sociedade civil ganharam esse poder. Foi por esse caminho que a Corte entendeu, por 6 votos a 5, que é constitucional a lei que permite experiências com células-tronco.
Além disso, mudanças introduzidas na Constituição em
2004 criaram a súmula vinculante, instrumento que desafoga a Justiça com base nas decisões do STF. As decisões pacificadas pela Corte são consideradas como julgadas nas demais
instâncias.
Hoje o STF recebe cerca de
1.200 processos por ano -volume que, para ser apreciado
por 11 ministros, praticamente
inviabiliza o aprofundamento
nas questões de interesse público. O julgamento das células-tronco levou à primeira
convocação de uma audiência
pública na história do STF para
discutir um tema. A segunda
foi em 27 de junho, sobre a importação de pneus usados.
"Acho que teremos espaço
para lidar com os processos de
uma maneira diferenciada. A
tendência agora é assumirmos
uma postura de humildade e
buscarmos mais subsídios das
audiências públicas, dos peritos", disse o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes.
"A maior participação social
não é restrita ao STF. É um
movimento mundial, uma tendência do nosso tempo. São as
Cortes Supremas participando
das soluções de questões que
dividem a sociedade, nas quais
os parlamentos têm dificuldade natural de tratar", disse o
ministro Joaquim Barbosa.
Entre os marcos da mudança
está o momento em que o STF
determinou ao Congresso que
fossem nomeados, contra a
vontade da base aliada, que
compunha a maioria na ocasião, os membros para integrar
a CPI dos Bingos, em 2005.
Na última semana, a Corte
acolheu pedido das companhias telefônicas, que lhes reconheceu o direito de não fornecer à CPI dos Grampos informações sobre quem são seus
clientes alvos de escutas telefônicas. Os ministros vêem neste
tipo de questionamento uma
judicialização da política, fato
que os têm levado a atuar de
maneira mais intensa nas querelas entre as esferas de poder
da República.
"Hoje o Supremo Tribunal
Federal se transformou em um
protagonista relevante de
grandes questões que compõem a agenda pública. Um dos
exemplos claros dessa mudança decorre da judicialização das
relações políticas, como ocorreu no caso da CPI dos Bingos.
A Corte cumpriu sua missão,
nos limites da competência
constitucional, de garantir os
direitos da minoria, até porque
a maioria não investiga a si
mesma", afirmou o decano do
tribunal, Celso de Mello.
Outro ponto a se considerar
foi a apreciação do STF de um
pedido de autorização do funcionalismo público para fazer
greve. Pediam o aval do STF,
diante da inexistência de uma
lei para regulamentar a situação que deveria ter sido elaborada e votada pelo Congresso,
mas não foi.
"Em certos temas, a inapetência legislativa do Congresso
beirava a anorexia, e o STF ficava inerte também. Nós nos limitávamos a dizer que o Congresso estava em mora legislativa. Pela primeira vez dissemos: não é por falta de lei que
vamos deixar de decidir", disse
o ministro Carlos Ayres Britto.
Nomeações de Lula
Os ministros entrevistados
-Gilmar Mendes, Joaquim
Barbosa, Ayres Britto, Celso de
Mello, Ricardo Lewandowski e
Marco Aurélio Mello- negam
veementemente que o fato de o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva ter nomeado 7 dos 11 ministros tenha aparelhado a
Corte. Em conjunto, tecem elogios à qualidade dos escolhidos.
No limite, como Ayres Britto,
admitem que a nomeação de
um maior número de ministros
voltados para o direito público
possa ter pesado na mudança
do perfil do Supremo.
"Não vejo impacto político,
não, porque não se agradece
com a toga. Temos aí o exemplo
do mensalão, que demonstrou
votos contrários a figuras importantes da política governamental em curso. O ideal é que
não haja uma concentração tão
grande. Mas foi uma circunstância", afirma o ministro Marco Aurélio Mello.
Todos os entrevistados dizem que o STF não vota em blocos. No máximo, admitem tendências, como a progressista,
segundo o presidente da Corte,
que tende a dar a liberdade a
presos sempre que haja respaldo nos termos da legislação
processual penal.
Mendes procedeu dessa forma na Operação Satiagraha,
quando concedeu, quase simultaneamente, dois habeas corpus que livraram da cadeia o
banqueiro investigado Daniel
Dantas, do Opportunity.
"Isso corresponde um pouco
à tradição do STF, que tem se
mostrado garantista, apesar de
muito contestado. O tribunal é
inequívoco na linha de evitar
abusos. Se fosse para agradar a
opinião pública, estariam aqui
parlamentares, e não juízes",
declarou Mendes.
Colaborou FELIPE SELIGMAN, da Sucursal de Brasília
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