São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006

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ELEIÇÕES 2006 / DEBATE

Lula é o Adhemar de Barros do momento, afirma Weffort

Ex-ideológo do PT e ex-ministro de FHC associa o "rouba mas faz" ao presidente

Sociólogo, que votará em Alckmin, diz que eventual novo governo de Lula "começará velho, o que é um risco para a democracia"

DA REPORTAGEM LOCAL

Para o ex-ideológo do PT e ex-ministro da Cultura do governo FHC, Francisco Weffort, 69, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é "o Adhemar de Barros destes novos tempos". Com a comparação, o sociólogo autor de "O Populismo na Política Brasileira" (1978) cola em Lula o bordão do prefeito paulistano Adhemar (1901-1969): "rouba mas faz". "O pobre que depende do Bolsa-Família para viver deve considerar muito distantes as controvérsias sobre malversação de dinheiro público", diz o ex-ministro em alusão aos escândalos de corrupção e a alta aprovação do Planalto. A previsão que faz para um eventual segundo mandato de Lula é sombria: "Sua nova gestão já começará velha, o que é sempre um risco para a democracia". Weffort declara voto em Geraldo Alckmin. (FLÁVIA MARREIRO)  

FOLHA - O sr. já disse que a eleição de Lula foi "admirável do ponto de vista sociológico e político". E o que representa a possibilidade de reeleição no primeiro turno, depois da crise do mensalão e do PT?
FRANCISCO WEFFORT
- A eleição de 2002 foi admirável como sinal de democratização do país. Lula, porém, frustou muitas esperanças com uma gestão irresponsável e incompetente.
Quanto às eleições de 2006, estão contaminadas pelo mensalão, pelos sanguessugas e, o que é talvez mais perigoso, por um enorme desencanto do país. Se Lula vencer a eleição, terá que negociar com a banda podre do PMDB para formar governo e estará, desde o início, de baixo da crítica cerrada da opinião publica. Sua nova gestão já começará velha, o que é sempre um risco para a democracia.

FOLHA - Trata-se de pragmatismo eleitoral ou Lula está sendo inocentado?
WEFFORT
- Sempre houve no Brasil um "pragmatismo" dos eleitores que misturam suas convicções com seus interesses. A única novidade é que, no plano político, o "pragmatismo" é praticado pelo Lula e pelo PT, que engordaram na politica falando de ética...
E não creio que Lula tenha sido "inocentado" pela população. Lembra-se do "rouba mas faz"? Lula é o Adhemar de Barros destes novos tempos. O pobre que depende do Bolsa-Família para viver deve considerar muito distantes as controvérsias sobre malversação de dinheiro público. Se ele não paga imposto por que preocupar-se com isso? O pobre não julga nem inocenta ninguém, ele simplesmente deixa isso de lado.
Além disso, esse pobre tipo Bolsa-Família depende da orientação eleitoral de um político local. E esse político, em geral de regiões dependentes do país, também faz vista grossa -quando não participa da corrupção. Assim como o pobre depende de uma ajuda para um prato de comida, muitos políticos dependem do governo federal para sobreviver.

FOLHA - Geraldo Alckmin disse nesta semana que no Brasil não há partidos no Brasil -só há personalismos. Como o sr. vê isso?
WEFFORT
- Alckmin tem razão. O personalismo é uma tradição profunda da cultura deste país de origens ibéricas. E o sistema proporcional que adotamos para as eleições exacerba o personalismo, tornando-o inevitável.
Antes de se desmoralizar no mensalão, o PT já vinha sendo corroído internamente pelo personalismo, havia uma competição personalista que lavrava no partido, embora travestida de disputa ideológica de "tendências". Quanto ao PSDB, já foi chamado por alguém de "fogueira de vaidades". O PFL não é muito diferente. E o PMDB é a própria desmoralização do conceito de partido.

FOLHA- Também se fala da substituição do petismo pelo lulismo. O sr. concorda? O que é o lulismo?
WEFFORT
- Que o petismo acabou não há dúvida. As próximas eleições serão do enterro do PT, mesmo que o Lula ganhe. E mesmo que o PT sobreviva como legenda, será sempre um fantasma de si próprio. O lulismo é -como o ademarismo ou o janismo do passado- um personalismo a mais na política.

FOLHA - Lula trocou a imagem de "trabalhadores" por "povo". Como sr. analisa a mudança? Em "A Formação do Pensamento Político Brasileiro" (Editora Ática, 2006), o sr. afirma que no Brasil deste começo de século o "povo" ainda está emergindo. O que esperar dessa emergência?
WEFFORT
- No livro eu acompanho um reconhecimento do povo por parte das elites como aspecto fundamental do pensamento político brasileiro, que vem desde os jesuítas, como Nobrega [Padre Manoel da, 1517-1570 ] e Vieira [Padre Antônio, 1608-1697], em face dos índios, e chega aos pensadores dos anos de 1930, passando por Bonifácio [José, 1763-1838], Nabuco [1849-1916] e Euclides da Cunha [1866-1909]. A construção do Estado é a outra dimensão fundamental que começa no século 19. Embora o Estado tenha chegado até o exagero, o reconhecimento do povo ainda não terminou. Um exemplo de como isso continua é dado pelo PT: começou na classe operaria do ABC e para lembrar sua origem de classe se chamou "dos trabalhadores"; depois, quando cresceu um pouco mais, transformou-se em partido de funcionários públicos e de professores; e, finalmente, quando teve que falar aos pobres do interior do Nordeste, teve que falar de povo, não de classe. Sempre se soube que as eleições deste país dependessem do voto do povo pobre, mas quem imaginaria que essa dependência viesse a ser tão direta? Apesar de toda a tradição, que vem desde o coronelismo da República Velha, quem imaginaria que, na entrada do século 21, cerca de 15 a 20 milhões de eleitores dependentes do Bolsa-Família viriam a ser decisivos?

FOLHA - Voltando ao lulismo: quais são suas perspectivas? O capital eleitoral do presidente é transferível?
WEFFORT
- Toda a experiência histórica brasileira de fenômenos similares indica que o personalismo político tem muita dificuldade para deixar herdeiros. Mesmo o getulismo, que esteve associado a uma grande transformação do Estado e da sociedade, apenas deixou herdeiros em nível regional. Os que se alçaram em nível nacional, como Jango, não se deram bem. Creio que as perspectivas do lulismo são as de continuar como agora, o cadáver do PT agarrado à caricatura que o Lula fez de si próprio.

FOLHA - Na era da convergência da política econômica e dos eixos da política social, parece não haver projetos em disputa. Essa indiferenciação pode minar tanto PT como PSDB?
WEFFORT
- É evidente que os partidos que temos são incapazes de gerar projetos para o país. Uma vez mais, esses projetos têm que vir de fora dos partidos, têm que vir dos intelectuais. É claro que a política econômica permanece sob os constrangimentos do capital financeiro. Mas o que se vê na política atual é mais do que a obediência imposta pelo realismo. Precisaríamos chegar, como chegamos, aos extremos de servilismo que se vê por aí?

FOLHA - O que esperar de um segundo governo de Lula? E de um mandato de Alckmin?
WEFFORT
- Votarei em Geraldo Alckmin, porque acredito na capacidade de gestão do candidato. Do Lula não espero nada e torço para que a desmoralização a que levou o Estado não desemboque numa crise institucional grave.


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