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Militar vira réu em processo por tortura durante ditadura
Família pede na Justiça reconhecimento de "danos morais e à integridade física"
Processo contra Carlos Alberto Brilhante Ustra reabre a discussão sobre a impunidade de funcionários que cometeram crimes
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Depois de a União reconhecer sua responsabilidade pela
tortura, morte e desaparecimento de opositores durante o
regime militar (1964-85), a Justiça agora é chamada a se pronunciar sobre os atos de um dos
mais destacados agentes dos
órgãos de segurança dos anos
70: Carlos Alberto Brilhante
Ustra, 74, hoje coronel reformado do Exército. Cinco pessoas de uma família processam
Ustra, acusando-o de seqüestro
e tortura em 1972 e 1973.
Embora os advogados dos
autores neguem que o pedido
contrarie a Lei de Anistia
(1979), o processo reabre a discussão sobre a impunidade de
funcionários públicos que cometeram crimes contra os direitos humanos.
Na Argentina, as "leis do perdão" foram revogadas, e os acusados por tortura na ditadura
militar do país (1976-83) são
submetidos a julgamento.
A ação civil é declaratória:
não implica pena ou indenização pecuniária. Pede a declaração de ocorrência de danos morais e à integridade física.
Advogados e entidades de direitos humanos consultados
pela Folha afirmam desconhecer a existência de ações contra
funcionários dos governos militares -antes foram contra o
Estado. Ustra se diz "o primeiro militar que eles buscam sentar no banco dos réus".
Em 1985 a atriz Bete Mendes, ex-militante da luta armada contra a ditadura, apontou o
coronel como seu antigo torturador, mas não o processou.
Ustra é réu no processo
05.202853-5, da 23ª Vara Cível
do Foro Central de São Paulo.
Os autores da ação são o casal
Maria Amélia de Almeida Teles, 61, e César Teles, 62; seus
filhos Janaína Teles, 39, e Édson Teles, 38; e Criméia Almeida, 58, irmã de Maria Amélia.
A história que eles narram
consta do "Brasil: Nunca
Mais", projeto da Arquidiocese
de São Paulo. O caso dos irmãos Janaína e Édson ganhou
relevo no capítulo referente a
vítimas crianças.
Eles tinham 5 e 4 anos quando foram parar nas dependências paulistas do DOI-Codi
(Destacamento de Operações
de Informações -Centro de
Operações de Defesa Interna).
O comandante da unidade era
Ustra, o "Tibiriçá".
A denúncia
Responsáveis pela gráfica do
então clandestino Partido Comunista do Brasil, César e Maria Amélia foram presos em dezembro de 1972 junto com o dirigente Carlos Danielli -que
foi torturado e morto no DOI-Codi, conforme conclusão,
após o fim da ditadura, da Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça.
Grávida, Criméia foi detida
no dia seguinte. Os sobrinhos
foram levados com ela para o
DOI-Codi, na rua Tutóia.
Maria Amélia lembra que recebeu choques elétricos, injeções do dito "soro da verdade" e
humilhações diversas, além de
ter sido posta no pau-de-arara.
César descreve golpes de palmatória, choques e tapas nos
ouvidos ("telefone"). Queimaduras de cigarro no seu pé direito obrigaram-no a fazer
transplante de pele.
Criméia afirma que, ao chegar no DOI-Codi, viu sua irmã e
o cunhado sendo retirados da
sala de tortura "com equimoses
por todo o corpo". "Meu sobrinho [Édson], ao vê-los, perguntou: "Por que vocês estão verdes?'", disse ela.
De acordo com Criméia,
mesmo grávida de sete meses
ela foi seviciada com espancamento, murros na cabeça, palmatória de madeira nos pés e
nas mãos e até choques.
"Eu e minha irmã fomos torturadas para que assinássemos
um papel em que consentíamos
que eles fizessem o aborto."
Depois de nascido, o menino
João Carlos de Almeida Grabois soluçava dia e noite ao ouvir barulhos estridentes.
Maria Amélia e Criméia relatam a participação direta de
Ustra na tortura. César diz que
o comandante ordenava: "Bate
nesse, bate naquele". Eles reconheceram o militar ao ver suas
fotos publicadas após a denúncia de Bete Mendes.
Os pais dizem que os filhos
foram usados para pressioná-los a fornecer informações -se
não falassem, Janaína e Édson
"seriam torturados e mortos".
A ação qualifica os atos contra os irmãos como tortura psicológica. Eles ficaram meses na
casa de uma policial cuja identidade até hoje ignoram.
Aos 6 anos, Janaína entrou
em processo de puberdade precoce. Aos 28, a menopausa se
manifestou precocemente. Édson passou anos sem conversar
com ninguém.
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