São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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RUMO A 2002
Parte dos ganhos não declarados é isenta de imposto, mas também há rendimentos tributáveis
Ciro Gomes omitiu receitas do Fisco

Lili Martins - 22.jul.99/Folha Imagem
Ciro, que admite a possibilidade de ter cometido erro no IR


ROBERTO COSSO
da Reportagem Local

O pré-candidato à Presidência da República pelo PPS, Ciro Gomes, omitiu receitas do Fisco em pelo menos duas declarações de Imposto de Renda.
A Folha analisou as duas declarações de Ciro entregues à Receita Federal que são públicas e encontrou incorreções nas duas. Elas se referem a 95 e a 97.
De acordo com a declaração de 95, Ciro teve apenas R$ 13.624,63 para sustentar toda a família naquele ano (R$ 1.135,38 ao mês), descontados apenas os gastos médicos e com escola.
Pelas informações prestadas na declaração de 97, Ciro teve R$ 2.340,05 para cobrir todas as despesas pessoais no ano inteiro (R$ 195 ao mês).
A Folha apurou algumas das despesas pessoais de Ciro e de sua família e verificou que as receitas declaradas são insuficientes para justificá-las.
Quando as despesas são maiores do que as receitas, essa diferença é considerada como rendimento omitido, o que pode caracterizar evasão fiscal se os rendimentos forem tributáveis. Nesse caso, a omissão também pode ensejar a aplicação de uma multa.
Ciro, que foi governador do Ceará e ministro da Fazenda, afirma ter obtido outros rendimentos além dos declarados ao Imposto de Renda. Ele diz que achou desnecessário declarar essas receitas, porque elas seriam isentas.
A Receita Federal informou que todos os rendimentos precisam ser declarados ao Imposto de Renda, ainda que sejam isentos e não-tributáveis, ou que tenham sido recebidos no exterior.
Pelo menos um dos rendimentos que deixaram de ser declarados é considerado tributável pelo Fisco. Ciro diz ter recebido o direito de uso de um Audi-A6, avaliado em R$ 100 mil, pelos serviços prestados ao Beach Park, parque aquático em Fortaleza.
Quatro advogados ouvidos pela Folha confirmam que os rendimentos isentos e não-tributáveis precisam ser declarados e que o direito de uso de um automóvel como remuneração de serviços constitui rendimento tributável.
O ex-ministro diz que a afirmação de que suas receitas declaradas não justificam suas despesas parte de "ilações". Ele reconhece, contudo, que utilizou rendimentos não declarados para pagar suas contas.
Ciro afirma de modo enfático que não há nenhuma irregularidade em suas declarações.
"Vocês se consideram autorizados a invadir minhas declarações de Imposto de Renda, mas não tem problema", diz Ciro.
A seguir, os principais pontos levantados pela Folha, com as respostas de Ciro Gomes.

Aluguel nos EUA
Durante todo o ano de 95, Ciro morou nos Estados Unidos. Ele fazia um curso como pesquisador visitante na Universidade de Harvard (Estado de Massachusetts).
O ex-ministro alugou uma casa de quatro quartos em Belmont (cidade perto de Harvard), cujo aluguel é avaliado em US$ 2.000 (R$ 2.000 à época) mensais.
Ciro afirma, porém, que pagava só US$ 1.200 (R$ 1.200) por mês.

Bolsa da Ford
Quando se mudou para os Estados Unidos, Ciro disse ter recebido uma bolsa de US$ 2.000 (R$ 2.000) mensais da Fundação Ford, mas o valor não consta da declaração de Imposto de Renda.
Ele afirma que não é necessário declarar o rendimento, por ter recebido o dinheiro no exterior e gasto lá mesmo. "É um rendimento isento", diz.
A Receita Federal informa que a declaração deve contemplar a universalidade dos rendimentos. A legislação obriga que toda receita seja declarada, mesmo as isentas ou não-tributáveis.

Picape nova
Ciro comprou uma picape, avaliada em US$ 20 mil (R$ 20 mil). Ele diz que pagou "mais ou menos US$ 14 mil (R$ 14 mil)", com o dinheiro da venda de uma Parati no Brasil e com cerca de R$ 6.000, obtidos em um leilão de objetos usados, feito em sua casa pouco antes da viagem.
"Os amigos me ajudaram. Teve um que comprou uma caneta por R$ 100", diz Ciro.
De acordo com o IR, a Parati foi vendida por R$ 14,8 mil, em 3 de janeiro de 95.
A Receita Federal informa que os ganhos obtidos em leilões como esse devem ser declarados como "lucro na alienação de bens de pequeno valor", no capítulo de rendimentos isentos e não-tributáveis da declaração do IR.

Telefone
Quando morava nos Estados Unidos, Ciro declarou à imprensa que gastava mais de US$ 400 (R$ 400) por mês com a conta telefônica, em virtude do grande número de ligações para o Brasil.
Hoje, ele diz que não se lembra dos valores das contas. "Sei lá quanto era a conta. Pode ter sido US$ 400 em um mês e um valor diferente no outro."

Casa em Fortaleza
Apesar de ter deixado o país, Ciro manteve alugada a casa da rua Oswaldo Cruz, em Fortaleza, na qual morava com a família desde os tempos de governador.
O administrador do imóvel, Sérgio Perez, genro da proprietária, diz que o aluguel custava R$ 850 por mês. Ciro diz que pagava apenas R$ 400.
Patrícia Gomes, os três filhos e a empregada voltaram para o Brasil no meio do ano e foram morar lá.

Declaração de 97
Ciro afirma que a Folha não pode dizer que é impossível viver com R$ 2.340,05 no ano -ou R$ 195 por mês- por não conhecer profundamente a vida dele. "Vocês estão fazendo uma ilação de que a sobra não é suficiente."
O ex-ministro diz que seu plano de saúde é pago até hoje pela ex-mulher, Patrícia Gomes.
Ciro diz ainda que suas despesas com telefone e com o escritório que mantém em Fortaleza são pagas por seu irmão, Lúcio Gomes, com a rentabilidade das fazendas do espólio de seu pai, cujo processo tramita na Justiça.
A Receita Federal informa que geralmente a rentabilidade do espólio não pode ser utilizada pelos herdeiros. Precisa ser depositada em uma conta do espólio, a menos que haja decisão judicial que autorize o uso do dinheiro. Nesse caso, a verba precisaria ser declarada à Receita, por ser tributável. Ciro diz que não precisa declarar.

Patrícia Gomes
Em 97, Ciro ainda era oficialmente casado com Patrícia Gomes, mas morava em outra casa. Ela fez uma declaração individual e informou ao Fisco um rendimento líquido de R$ 42.850,00 no ano. A renda era proveniente do salário de vereadora de Fortaleza.
Patrícia gastou R$ 24 mil na compra de um Golf novo. Restaram, então, R$ 18.850 para todas as demais despesas dela e dos três filhos. Desde aquela época, Patrícia tem três funcionários: duas empregadas (Raimundinha e Fátima) e um motorista particular.
Ciro diz que o motorista não é motorista. Segundo ele, todo ex-governador do Ceará tem direito a um segurança, pago com dinheiro público do Estado. O funcionário de Ciro prestaria serviços para os filhos dele.

Apartamento novo
Ciro Gomes comprou recentemente um apartamento no 23º andar do Edifício Vista Del Mare, na praia de Iracema, em Fortaleza, e já mora lá.
O apartamento ainda está em nome da construtora. As escrituras só podem ser lavradas após o registro do habite-se, que só foi feito em dia 21 de setembro.
Como a escritura ainda não foi lavrada, não há registro público do valor pago por Ciro pelo apartamento. Mas um vizinho dele colocou à venda um apartamento no 5º andar por R$ 320 mil.
Ciro afirma não se lembrar do valor pago pelo imóvel, mas diz que foi menos de R$ 320 mil. Ele diz que seu flat entrou como parte do pagamento. "Raspei minha caderneta de poupança." O restante teria sido financiado.

Suíça
Em agosto, a filha mais velha de Ciro, Lívia, 15, foi estudar na Suíça, por um ano. Ele diz que ainda não pagou nada pela viagem.


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