São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 2000

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QUESTÃO AGRÁRIA
Superintendente do órgão no Estado é acusado de usar verba para transportar a Folha a assentamentos
Entidade move ação contra Incra do Paraná

DA AGÊNCIA FOLHA

O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo ingressou ontem na Procuradoria da República, em Curitiba, com representação contra o superintendente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no Paraná, José Carlos Araújo Vieira, por supostos desvios de verbas do órgão.
Vieira é acusado de usar recursos do Incra no Paraná para pagamento de combustível e de ceder veículo e motorista para que a Folha produzisse reportagem sobre os assentamentos.
Em 14 de maio, o jornal revelou que o MST desviou dinheiro do projeto de reforma agrária ao recolher "pedágio financeiro" de 3% dos recursos enviados aos assentamentos controlados pelo movimento. Os assentados têm à disposição recursos que só são liberados -por pessoas indicadas pelo MST- com a comprovação do pagamento do pedágio.
O diretor da Sucursal de Brasília Josias de Souza e o repórter-fotográfico Alan Marques estiveram na sede do Incra, em Curitiba, para obter informações sobre assentamentos do Estado.
Ao saber que os repórteres planejavam visitar assentamentos, a então superintendente-adjunta, Maria Rozalina Arend, disse que seria mais seguro se fossem em carro do Incra, acompanhados de motorista do órgão.
A Folha disse a Rozalina Arend que pagaria as despesas relativas ao deslocamento do carro e do motorista da repartição. E, durante a viagem, custeou alimentação e hospedagem do profissional. Quanto às demais despesas, como gasolina, a superintendente disse que não poderia receber o pagamento do jornal, alegando dificuldades contábeis. A Folha possui gravação em que ela reafirma o que havia declarado em maio.
Na representação enviada à Procuradoria da República, as 24 entidades que formam o Fórum anexaram documentos sobre o pagamento de diárias e uso de carro do órgão com a presença de jornalistas da Folha.
Ontem, às 14h, em coletiva à imprensa na sede da CPT (Comissão Pastoral da Terra), em Curitiba, a advogada Teresa Cofré, da Renaap (Rede Nacional Autônoma de Advogados Populares), Darci Frigo, da CPT, e José Damasceno de Oliveira, da direção nacional do MST, afirmaram que o "desvio de recursos públicos para profissionais de uma empresa privada faz parte de uma ação orquestrada para a criminalização do movimento sem-terra".
José Damasceno Oliveira, do MST, disse que "uma prova dessa orquestração foi que, após a publicação da reportagem, o Incra demitiu 55 profissionais que trabalhavam nos assentamentos no Paraná e iniciou o processo de criminalização do movimento".
Segundo ele, os demitidos seriam técnicos do projeto Lumiar que faziam vistorias e preparavam documentação para liberação de verbas ao MST, além de pedagogas e assistentes sociais que trabalhavam em assentamentos.
Os técnicos do projeto Lumiar foram apontados, na reportagem, como participantes do processo de cobrança de 3% do crédito liberado aos assentados, como forma de "pedágio" para o MST.
A advogada Cofré afirmou que na representação é solicitada ainda investigações sobre se "houve gasto de dinheiro público para transportar o diretor da Folha e o fotógrafo de Brasília a Curitiba".
A representação contra o superintendente local deverá seguir a um cartório que direciona a mesma para o procurador responsável, no Estado, pela área de defesa do patrimônio público. A partir daí, o procurador solicita esclarecimentos ao Incra. Depois do retorno do ofício, ele pode decidir pelo arquivamento da representação ou pela abertura de um inquérito. Não existe prazo para nenhuma das fases desse processo.

Incra
O presidente do Incra, Orlando Muniz, disse ontem que o órgão proporcionou transporte à Folha porque "é dever do poder público dar publicidade de seus atos", conforme o art. 37 da Constituição. O artigo diz que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. "A Constituição é imperativa: o governo tem de ser aberto", disse Orlando Muniz.
Segundo ele, o Incra tem como praxe viabilizar a realização de reportagens em assentamentos, mesmo que elas contenham denúncias contra o órgão. Ele disse que o Incra coloca transporte e técnicos à disposição de qualquer jornalista que quiser fazer reportagens em seus projetos: "Muitas vezes, os repórteres não sabem como chegar aos assentamentos e precisam de explicações técnicas. Quando reportagens são publicadas, elas não têm cor", declarou.
Muniz lembrou que as reportagens levantadas pelo jornal "possibilitaram a colocação de 1.300 técnicos do projeto Lumiar (de assistência técnica) para fora dos assentamentos". A medida, disse ele, "não nos confortou administrativamente, mas foi necessária". Para Muniz, "a transparência do governo deve servir, inclusive, para ajudar a corrigir falhas.
No começo da noite, o Ministério do Desenvolvimento Agrário distribuiu nota à imprensa em que afirma que "atende igualmente a todos os jornalistas interessados na cobertura da questão agrária, independentemente do enfoque que eles venham a dar a seu trabalho ou da opinião que venham a formar em função dos fatos e esclarecimentos".
Nota da Redação - O comportamento do diretor da Sucursal de Brasília, Josias de Souza, e do repórter-fotográfico Alan Marques foi absolutamente correto. A "denúncia" alardeada ontem é uma tentativa desesperada de confundir a opinião pública. Quem está se apropriando de recursos públicos e achacando assentados, conforme revelou a reportagem, é o MST. Não é de agora que esse grupo pratica atos ilegais. A novidade é que passou a adotar métodos mafiosos, cobrando propinas em troca de "proteção".



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