São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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ELIO GASPARI

FFHH deve suspender a coleta do Alvorada

FFHH deve suspender a coleta de fundos para a sua ONG, o Instituto Fernando Henrique Cardoso. Deve-se ao doutor Cardoso a fundação de uma das instituições que mais influenciaram o pensamento político brasileiro. Foi o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o Cebrap, em 1969. Agrupava professores expulsos da USP, teve a ajuda de empresários e o amparo da Fundação Ford. É uma linda história de sucesso. Não fica bem para o professor, hoje um presidente em fim de mandato, coletar fundos reunindo empresários para jantar no Palácio da Alvorada como fez na última segunda-feira.
Em 1969, tratava-se de financiar uma instituição de intelectuais proscritos. Pelo menos um banqueiro fez sua doação depois de obter um "nihil obstat" do poderoso ministro Antonio Delfim Netto, da Fazenda.
Agora a situação é outra. O presidente da República reuniu 12 empresários. Lá estavam Emílio Odebrecht, Benjamin Steinbruch (CSN), Pedro Piva (Klabin), e David Feffer (Suzano). Todos quatro comandam grandes empresas financiadas pelo BNDES. A Klabin está com um empréstimo de R$ 450 milhões pronto para sair do forno. Os três primeiros, além de terem recebido financiamentos do velho e bom banco, renegociam parte de seus débitos. Juntos compõem uma carteira de pelo menos R$ 2 bilhões. À mesa estava também o banqueiro Lázaro Brandão (Bradesco), que emprestou algum a todos os demais e tem um justo interesse em receber o seu de volta.
Com exceção da Klabin, os outros quatro compraram parte do patrimônio da Viúva durante a grande liquidação tucana. Em alguns casos compraram empresas pequenas, em outros, gigantes, como a Vale do Rio Doce, que ficou com Steinbruch (R$ 391 milhões no BNDES) e hoje está com o Bradesco. O empresário Jorge Gerdau, que estava no jantar comprou umas poucas coisas. Numa demonstração de que o país vive bons tempos, tanto ele como Steinbruch, estavam na quinta-feira numa reunião com Lula. Nela, o Bradesco tinha outro representante.
Como na gerência de quermesses, cada um ficou com a tarefa de conseguir interessados em subscrever cotas da ONG do futuro ex-presidente. FFHH deve suspender essa arrecadação porque não tendo feito em oito anos de mandato nenhuma loucura presidencial, não tem porque fazê-la agora. Bill Clinton, por exemplo, alugava quartos na Casa Branca em troca de doações ao partido Democrata. Ronald Reagan teve uma vaquinha de empresários e ganhou uma casa de presente.
Pode-se argumentar que FFHH tem a virtude de arrecadar recursos às claras. Verdade. Pode-se também dizer segue a norma de presidentes americanos que aceitaram doações de empresários para organizar suas bibliotecas e centros de estudo. Falso, por duas razões. Os presidentes americanos não ficam na política, como FFHH já mostrou que vai ficar. Ademais, e aí é que a porca torce o rabo, nos Estados Unidos não há BNDES. Falta à boa cultura capitalista americana a a figura do grande empresário com dívida e/ou rolagem no banco estatal.
São muitas as dificuldades dos empresários nacionais, sobretudo daqueles que, como os Klabin, Suzano e Steinbruch, produzem mercadorias. É justo, racional e necessário que uma economia como a brasileira tenha um banco de desenvolvimento como o BNDES. O que não faz sentido é que o BNDES empreste dinheiro para depois rolá-lo, muito menos que empreste à mesma empresa a cada cinco anos. É absurdo que um empresário seja financiado pelo BNDES num guichê e, noutro, ponha dinheiro na ONG do presidente. Poderiam botar o mesmo ervanário num fundo de amparo aos trabalhadores que desempregaram por conta da polítikekonômika dos últimos oito anos. Pode-se estimar que, desde 1995, os convidados da mesa do Alvorada tenham fechado pelo menos 10 mil postos de trabalho.

Boa notícia
A prefeitura de Salvador e a Ultragaz meteram-se numa parceria. Uma faria a agitação cultural e a outra usaria a sua frota de caminhões de entrega de bujões para recolher livros usados.
Em 45 dias, recolheram 126 mil livros. Em alguns bairros houve pessoas que se cotizaram para comprar livros didáticos novos, para doá-los.

Linha de tiro
Ou o tucanato paulista abandona a linha de oposição neurastênica (salário mínimo de R$ 240, coisa que nunca defendeu) ou será destruído pela aliança Aécio Neves-Tasso Jereissati.

Os patos do pacto ficaram na geladeira

Os interesses corporativos, quer do trabalho ou do capital, fizeram a mesma a crítica à reunião do Pacto organizada pelo PT na quinta-feira: tem gente demais, falta estrutura e é preciso fatiar o plenário. Felizmente, a julgar pelo espetáculo que Lula organizou, os patos ficaram na geladeira. Tão cedo, não serão servidos.
Ficou no ar a forma de recrutamento, o tamanho, a estrutura e a frequência das reuniões daquilo que o PT e seus convidados consideram ser um conselho representativo da sociedade brasileira. Esse Colendo Colégio tem tudo para ser um embuste.
Parece óbvio que se a Dra. Zilda Arns faz parte de um Conselho, ele deve ser sério. Erro. A Dra. Zilda e a Pastoral da Criança são sérias. O que vem atrás, a ver. A idéia de empresários e notáveis reunindo-se com trabalhadores num grande plenário, subdividindo-se em comissões e câmaras vem sendo proposta pela Fiesp. Esse sistema funcionou nos governos de Benito Mussolini, na Itália, e Francisco Franco, na Espanha. Nos dois casos, mostrou-se longevo.
Os convidados de Lula acham que representam alguma coisa além deles, mas deve-se perguntar: O tal de Congresso Nacional, que custa uma grana preta, representa o que?
Pelo andar da carruagem, o Conselho do Pacto será uma espécie de caixote do Jô das corporações e da plutocracia. O sujeito vai lá, grita, é ouvido e, se for o caso, seu pleito é estudado.
Um esquema desses pode funcionar, tendo inclusive a virtude de obrigar as corporações a subir no caixote. Bem que se poderia estabelecer um sistema de cotas para compor o Conselho. Os conselheiros com carro oficial não poderiam passar de 10%. Os com carro e motorista pagos pela corporação, de 15%. Os com carro e motorista pagos pela empresa, 30%. Os com carro próprio, sem motorista. 30%. Finalmente, ficariam com uma cota de 15% aqueles que chegariam ao local da reunião em transporte público.

Falou demais
Lula passou adiante um comentário pessoal e confidencial que ouviu de FFHH. Foi mal.

Amor a Roma
Em 1997 Antonio Carlos Magalhães previu que Itamar Franco seria embaixador em Roma. Itamar zangou-se.
O ex-presidente não sabia o alcance das profecias de ACM. Na semana passada o fantasma do Papa Inocêncio X (1572-1655), que continua morando no palácio onde hoje funciona a embaixada foi visto perguntando quem era "il signor Cautiero Franco".
Cautiero é o sobrenome materno de Itamar.

Em 1964 os EUA queriam trazer armas para os "golpistas" num submarino

Está nas livrarias "A Segunda Chance do Brasil: A Caminho do Primeiro Mundo", do professor Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil de 1961 a 1966. Sua tese é simples: nos anos 60 o Brasil perdeu uma chance de trocar de andar e agora a oportunidade reapareceu. Para se ter uma idéia do tamanho do passo perdido, no início dos anos 60 a renda dos coreanos era de US$ 1.200 e a brasileira, US$ 2.000. Em 1998 a renda coreana passou dos US$ 13 mil e a brasileira encostou nos US$ 6.500. É um livro otimista, de um pensador meio atucanado.
Gordon tem 89 anos, uma memória prodigiosa e uma inesgotável capacidade de pesquisar. Sua obsessão é a queda do presidente João Goulart, em 1964, episódio do qual fez parte. O livro tem um capítulo -exclusivo da edição brasileira- no qual ele apresenta pela primeira vez uma versão escrita e encadeada dos fatos que viveu. São 55 páginas, com a tese de sempre: a participação americana na deposição de Goulart foi defensiva. Os EUA temiam que Jango levasse o Brasil ao comunismo.
Desde 1976, quando o repórter Marcos Sá Correa achou os documentos da operação Brother Sam na Biblioteca do presidente Johnson, sabe-se que os EUA moveram uma frota (capitaneada pelo porta-aviões Forrestal) para mostrar o tamanho do seu apoio aos revoltosos. A rapidez da derrota de Jango tornou-a desnecessária.
Os arquivos americanos produziram mais duas jóias. A primeira foi a transcrição de um grampo de uma conversa de Gordon com o presidente John Kennedy, em julho de 1962, colocando o coringa do golpe militar no baralho da política brasileira. A segunda, é um grampo do presidente Lyndon Johnson, na noite de 30 de março de 1964, avisando seu assessor de imprensa que o negócio do Brasil poderia estourar no dia seguinte. Estourou. (Nos dois casos os presidentes sabiam que as conversas eram gravadas. Os subordinados, não.)
Agora apareceu uma terceira e sensacional surpresa. Gordon publica a íntegra de um telegrama mandado pela embaixada no Rio, redigido por ele no dia 26 de março de 1964. Dez dos seus 18 parágrafos eram conhecidos desde 1976. As pérolas estavam no trecho embargado. Ele foi liberado no ano passado e o embaixador tomou a iniciativa de divulgá-lo. O telegrama mostra a conexão da embaixada com os "golpistas" (nas suas surpreendentes palavras) e detalha o nível de colaboração existente com o grupo do general Castello Branco.
Ele recomenda:
"Que se tomem o quanto antes medidas para preparar um fornecimento clandestino de armas que não sejam de origem norte-americana para os que apóiam Castello Branco em São Paulo, logo que se saiba quais são essas necessidades, e os arranjos que ocorram. Hoje nos parece que o melhor meio de fornecimento é um submarino sem marcas de identificação, com desembarque noturno em locais isolados do litoral, no Estado de São Paulo, ao sul de Santos, provavelmente perto de Iguape ou Cananéia".
Gordon pegou pesado: "Deveríamos preparar-nos também sem demora para a eventualidade de uma intervenção aberta que se faça necessária em uma segunda fase, e também para a possibilidade de ação soviética de apoio ao lado de inclinação comunista".
Passaram-se quase 40 anos, mas se deve reconhecer que, se alguém dissesse que os americanos estavam planejando desembarcar armas de um submarino sem bandeira no litoral de Cananéia, seria dado por doido até em reunião do partido comunista.



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