São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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RUMO A 2002
Apoio do colega paulista leva governador do Ceará a enfrentar os aliados que apóiam Serra à Presidência
Candidato de Covas, Tasso reage ao PMDB

ANDRÉ SINGER
DA REPORTAGEM LOCAL

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DO PAINEL

Abençoado pelo governador de São Paulo, Mário Covas, que o alçou na quarta-feira à condição de nome ideal do tucanato para concorrer à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador do Ceará, Tasso Jereissati, 51, está disposto a enfrentar politicamente o comando nacional do PMDB.
Atuando há cerca de um mês nos bastidores de Brasília, depois de um longo período de hibernação no Ceará -pelo qual foi criticado no PSDB justamente por ter se afastado do centro do poder-, Tasso engajou-se de vez na disputa pessoal de Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) para impedir Jader Barbalho (PMDB-PA) de chegar à presidência do Senado.
Mais do que isso. Com o acesso privilegiado que tem a FHC, tem sugerido em conversas reservadas que o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha (PMDB-RS), deveria ser sacrificado na reforma ministerial que se espera para depois das eleições às presidências das duas Casas do Congresso.
O jogo de Tasso hoje é esse, embora saiba que Padilha seja um dos grandes operadores da base política de FHC, em processo de crise interna e desarranjo.
A disposição de Tasso não recua nem sob a hipótese de ter mais adiante apenas PSDB e PFL como base de apoio à sua eventual candidatura. O governador julga que o preço mais alto seria ter o PMDB submetido a esse grupo no futuro governo, caso ganhe a eleição, do que caminhar sem o apoio dele na campanha de 2002.
Personalizada nas figuras dos senadores Jader e Renan Calheiros (AL), do presidente da Câmara, Michel Temer (SP), e do líder Geddel Vieira Lima (BA), além de Padilha, a cúpula que hoje controla nacionalmente o PMDB tem no ministro José Serra (Saúde) sua maior opção à Presidência.
A candidatura Serra, porém, sofreu um duro revés com a declaração de apoio de Covas a Tasso. O mesmo Covas que, há pouco tempo, no programa "Roda Viva", da TV Cultura, defendeu o fim da aliança com o PFL no pós-FHC, joga agora decisivamente para fortalecer a candidatura tucana que mais agrada ao PFL.
O jogo cruzado das alianças parece incoerente, mas a lógica da política raramente é linear. Menos ainda agora, que Covas enfrenta um momento pessoal tão delicado. Tentou-se explicar o gesto do governador paulista como uma maneira de esvaziar, ou neutralizar, a candidatura de Ciro Gomes (PPS). Com Tasso no páreo, Ciro, seu afilhado político, ficaria impedido ou, no mínimo, constrangida de levar adiante sua candidatura.
A avaliação é correta, não há dúvida. Mas há, sobretudo, no gesto de Covas uma reação à precipitação com que Serra, segundo a avaliação do governador, começou a articular sua candidatura presidencial, procurando cacifar-se dentro do PSDB como se Covas já fosse carta fora do baralho sucessório. Está, sim, excluído como candidato, mas o estrago que provocou nas pretensões do ministro da Saúde com uma simples declaração mostra bem o tamanho de sua força atual.

Covas
O governador de São Paulo é muito grato à maneira solidária com que Tasso agiu até que a recidiva de seu câncer lhe desse certeza de que está impedido de concorrer à sucessão. Para Covas, neste momento, a questão das alianças tornou-se menor diante da dívida que julga ter com Tasso.
Cauteloso, o cearense ainda evita dar sinais explícitos de que deseja ser candidato a presidente. Costuma dizer entre amigos que Serra planejou toda a sua vida política e dirige todas as energias para esse fim, enquanto ele, um empresário, talvez fosse mais feliz se permanecesse no Ceará. Mas, em silêncio, age no sentido de viabilizar a candidatura.
Depois do infarto que sofreu há quatro meses, Tasso parou de fumar e está submetido a uma dieta rigorosa. Em todo o Palácio do Cambeba, em Fortaleza, onde fica sede do governo, mandou proibir o cigarro. Orientação médica para evitar que a fumaça circule pelo ar condicionado central. Tasso diz a amigos que o enfarte lhe deu um grande susto e o fez relembrar de que é um homem safenado. Em 86, com 38 anos de idade, o governador havia sido submetido a uma cirurgia cardíaca para implantação de duas mamárias e uma safena.
Tasso não demonstra ter sido pego de surpresa pelo apoio que recebeu de Covas na semana passada. Ao contrário, nos dias que antecederam a declaração do governador paulista, dava vários sinais de estar muito próximo do Palácio dos Bandeirantes.
Nas conversas com FHC, Tasso já vinha sendo estimulado pelo presidente a ser candidato. Mas, até que ponto FHC esteve diretamente envolvido com a "operação Covas", que esfria a candidatura José Serra, é um mistério ainda a ser desvendado.
Ao ministro da Saúde, FHC teria dado a entender que a atitude de Covas o surpreendeu. O presidente e Serra haviam almoçado, com a presença da primeira-dama, Ruth Cardoso, na terça-feira. Na quinta, depois do rebuliço causado por Covas, FHC e Serra encontraram-se de novo. Dessa vez, o líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), os acompanhava.
Conversaram sobre a Zona Franca de Manaus, mas falaram também sobre sucessão. A conclusão da conversa teria sido na direção de que o ministro deve ficar calado, na expectativa de que novos fatos venham a alterar o quadro hoje favorável a Tasso.
Qualquer sinal do Planalto em direção a Tasso fecharia a questão, para o bem ou para o mal, uma vez que uma candidatura definida tanto tempo antes da eleição pode desgastar o candidato. Raciocínio, aliás, que o próprio Tasso não se cansa de repetir. O grande prejudicado por uma antecipação da escolha, entretanto, seria o próprio FHC, que veria minguar seu governo a dois anos do final do mandato.
Por isso, Fernando Henrique e Serra têm pelo menos um interesse em comum: adiar a definição do candidato do PSDB. Além do mais, ao presidente interessa manter Serra no páreo, mesmo que no final venha a optar por Tasso.

Malan
A possibilidade de uma terceira candidatura -a de Pedro Malan- é hoje considerada remota. Tanto Serra como Tasso acreditam, reservadamente, que o ministro da Fazenda já cogitou de ser candidato e que seria o nome do coração de FHC. Por uma razão: cria do Real, ele é o único que representaria uma continuidade do projeto de FHC no poder. Seria quase um herdeiro natural da era fernandista.
A doença de Covas, porém, inviabilizou Malan. Não é filiado ao PSDB e teria muitas dificuldades para vencer as resistências internas do partido depois que o governador manifestou com todas as letras um veto a seu nome, mas não a Serra.
Para este, o tempo é decisivo. Quanto mais tarde se der a definição, melhor. A incerteza quanto à evolução da saúde de Covas não permite saber que influência de fato exercerá quando o partido vier a tomar a decisão final.
Do ponto de vista programático, a diferença entre as plataformas de Tasso e Serra resume-se ao problema regional. Ambos são favoráveis a mudanças importantes na direção econômica do país.
Críticos de Malan e da política econômica de FHC, pregam posições tidas genericamente por desenvolvimentistas, como a adoção de uma política industrial e uma inserção menos submissa do Brasil aos organismos financeiros internacionais.
Distingue, porém, o governador do ministro a ênfase que o primeiro dá à questão nordestina. Tasso costuma comentar com políticos próximos que, para Serra, o desenvolvimento do Brasil resolve-se a partir de São Paulo.
O empresário cearense, dono de um dos maiores grupos econômicos do Estado, por sua vez, é favorável a uma estratégia de desenvolvimento planejado do nordeste. Acredita que o problema da desigualdade brasileira não se resolverá sem a correção drástica dos desequilíbrios regionais.
A Folha apurou que Serra, por sua vez, costuma dizer, em conversas restritas, que Tasso ainda está apegado a um modelo antigo de crescimento regional, ancorado em fortes subsídios federais.
São diferenças que, mais adiante, podem ter relevância na escolha do candidato tucano. Por ora, estão encobertas pela disputa pessoal que Covas deflagrou.


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