São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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CASO TRT
Apesar de defesa e governo negarem acerto, entendimento tratou da versão que ex-juiz daria sobre ex-assessor de presidente
Acordo prevê que Nicolau preserve EJ

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O acordo entre o governo e Nicolau dos Santos Neto para que ele se entregasse à Polícia Federal prevê que o ex-juiz preserve Eduardo Jorge, ex-secretário-geral da Presidência, em seus depoimentos à Justiça.
A negociação foi feita pelo ministro da Justiça, José Gregori, com o advogado de Nicolau, Alberto Zacharias Toron. A Folha apurou que os detalhes finais do entendimento tiveram o conhecimento do presidente Fernando Henrique Cardoso.
FHC, Gregori e Toron negam o acerto. Pegaria mal para o governo admitir que está preocupado com o renascimento do caso EJ e que negociou com um suspeito foragido da Justiça durante 227 dias. A prisão preventiva foi decretada em 25 de abril.
O governo, no entanto, aceitou todas as exigências que Nicolau fez para se apresentar à PF. As principais foram não tirar foto algemado e não ser submetido à imprensa após a sua prisão.
A defesa do ex-juiz, preocupada com sua execração pública, considerou o acerto uma vitória. Agora, Nicolau deverá ter uma estratégia de defesa concentrada apenas em pedir que se provem as acusações contra ele, evitando comprometer outros nomes de envolvimento no desvio de R$ 169,5 milhões da obra superfaturada do TRT-SP.
O governo temia que, uma vez preso e maltratado, Nicolau decidisse retaliar em seus depoimentos. Feita a prisão, limitará o assunto a uma questão de Justiça e evitará faturar politicamente.
As principais preocupações são, pela ordem, com EJ, suspeito de ter usado sua influência na Secretaria Geral da Presidência para ajudar Nicolau a liberar recursos públicos para a obra do TRT-SP, e com o senador cassado Luiz Estevão, suspeito de ter se beneficiado de parte do desvio dessas verbas.
O governo avalia que Estevão já estaria comprometido pelas provas obtidas pelo Ministério Público e que uma revelação incômoda da parte de Nicolau a seu respeito pudesse levá-lo a tentar envolver EJ. Estevão e EJ se dizem amigos e tinham boa relação quando possuíam cargos públicos.
Em relação a EJ, há ainda o temor de que o ex-juiz pudesse tentar mostrar que tinha uma relação além da normal entre duas autoridades e que isso pudesse reacender o caso de suspeita de corrupção que mais preocupou FHC em seus seis anos de governo.
Pelo acerto, as versões iniciais de Nicolau deverão preservar o governo. A própria defesa dele não tem interesse, a princípio, em envolver EJ e Estevão, pois avalia que uma atitude agressiva do ex-juiz tenderia mais a prejudicá-lo.
Toron vai se concentrar, obviamente, em tentar tirar seu cliente da cadeia o mais rápido possível e em tentar diminuir a eventual condenação que deve receber.
A defesa usou o trunfo do que Nicolau sabe para garantir o melhor tratamento possível nas atuais circunstâncias.
Gregori tem o discurso de que está cumprindo rigorosamente a lei -o ex-juiz tem direito a cela especial, por exemplo- mas o advogado de Nicolau temia que a PF o deixasse à mercê da imprensa por alguns momentos.
Toron argumentou que a polícia permitiu que os jornalistas massacrassem, na sua avaliação, o ex-senador Luiz Estevão quando ele foi preso. Queria evitar que isso ocorresse com seu cliente. Alegou que alguns policiais federais exerceram pressão psicológica indevida sobre as filhas do ex-juiz.
A defesa de Nicolau, que tem insistido que a imprensa e a polícia estariam extrapolando no tratamento de Nicolau, transformando-o numa espécie de inimigo número um do país, exigiu que o ex-juiz se apresentasse ao delegado Roberto Precioso Júnior.
Precioso teria demonstrado, na visão da defesa de Nicolau, um comportamento mais profissional. Parte das equipes de busca PF, contrariada por não ter conseguido prender o ex-juiz, poderia exibi-lo como um troféu.
O ministro da Justiça comandou durante a sexta-feira os detalhes da entrega, a fim de cumprir rigorosamente o acerto. A entrega poderia ter acontecido um ou dois dias antes, mas Nicolau hesitou, temendo que o acordo pudesse ser quebrado.
Gregori articulou para que a operação ocorresse antes de viajar para a Itália, na noite de anteontem. Naquele país, ele participará de uma conferência e tentará informalmente tratar da eventual extradição de Salvatore Alberto Cacciola (caso Marka), foragido há 143 dias.
Gregori, Agílio e Precioso transportaram o ex-juiz de Bagé (RS) à carceragem da PF no bairro de Higienópolis, em São Paulo, sem expô-lo à imprensa. Exemplo: a superintendência da PF em São Paulo despistou a imprensa, colocando o cobertor sobre o corpo de um policial, que se passou pelo juiz para entrar no carro. Nicolau foi levado em um Santana comum, sem cobertor. Se tivesse interesse em faturar politicamente com a prisão, a PF o teria transportado de carro, sem cobertor.
O ex-juiz também convenceu a PF a não levá-lo imediatamente para Brasília, como chegou a planejar o superintendente da PF, Agílio Monteiro. Nicolau gostaria de permanecer em São Paulo o maior tempo que puder para receber a visita da família.



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