São Paulo, segunda, 11 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ÍNTEGRA
"SP jamais virará suas costas para o Brasil"

Leia a seguir a íntegra do discurso de posse do governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB).
²
Senhoras e senhores, ao dirigir-me aos membros desta Casa é ao povo de São Paulo que falo. É a ele que saúdo como companheiros de viagem se saúdam: com entusiasmo e confiança no sucesso da jornada.
No umbral de mais um milênio, às vésperas dos 500 anos da descoberta do Brasil, é para uma nova travessia que nos aprestamos, rumo à conquista do inadiável mundo do desenvolvimento, da solidariedade e da justiça social.
Nosso caminho não é apenas o da esperança. São Paulo já provou ser capaz de renascer do caos em que foi atirado pela inépcia, pela incúria e pela incompetência.
E a dignidade reconquistada por São Paulo foi, com justiça, atribuída menos à atuação dos governantes que ao reclamo do seu povo, há muito exigente da honradez e da ética.
Honra não é palavra inventada para inflamar discurso, é virtude que deve ser exercida pelos governantes que entendem e respeitam as dificuldades da sua gente.
Porque, exatamente sob a égide da honradez e da ética, os brasileiros de São Paulo construíram suas vidas: nas comunidades modestas das periferias; no anonimato das usinas e das fábricas; na exaustão dos canteiros de obras; na faina árdua dos campos; na solidão do quartinho dos fundos do apartamento burguês.
Os necessitados do meu Estado, os pobres da minha cidade, terão no exercício da minha autoridade, ainda e sempre, o cuidadoso e obstinado esforço de diminuir as distâncias sociais, porque cabe colocar na equação autoridade-liberdade o ideal superior da igualdade. Esta é a minha visão da social-democracia.
É, pois, uma sociedade solidária que urge criar, superando toda forma de exclusão e preconceito, diminuindo as distâncias sociais, tornando objetivo o anseio de justiça e equidade.
Propiciar oportunidades iguais é indispensável, mas não suficiente, à formação de uma sociedade fraterna, na qual cada homem e cada mulher reconheçam no outro mais um irmão.
Unamos, pois, nossas forças para construí-la, neste mandato que encerra um século, mas que inicia um milênio.
Enganam-se os que tentam semear desesperança em terra paulista. Aqui o sonho é permitido, porque nos recusamos a dormir em berço esplêndido, esperando que nos ajudem hoje os algozes de ontem, os rejeitados e expulsos do poder, os acossados pela justiça, os que não acreditam e os que torcem pelo caos.
Inegável porém, é que turbulências do Leste trouxeram momentos severos. Para ultrapassá-los, é imperativo que o país promova um intenso ajuste, assegurando, assim, o seu destino, que é o do desenvolvimento.
O país, porém, não é um ente distante, apartado da nossa realidade imediata. Não é apenas um mapa pendurado na parede. O Brasil somos nós, todos nós.
São Paulo se atribui a responsabilidade de chamar para si, como se sua por inteiro fosse, qualquer missão de interesse nacional. São Paulo tem plena convicção de que o Estado e o país são uma única alma, um único corpo, e que não há dor ou aflição que ferindo um não afete o outro. Portando, se o Brasil é ameaçado, São Paulo reage, recusando a irresponsabilidade como bússola e o quixotismo como estandarte.
Igualmente, é preciso não confundir discordância com ultimato. Nem lealdade com subserviência. Lealdade é um valor praticado entre companheiros, mas há uma forma de lealdade que se sobrepõe a todas: a lealdade aos destinos do país.
Apoiar não significa deixar de emitir discordância. É o que São Paulo tem feito. Não apenas em seu interesse, mas também no da sociedade brasileira.
A história republicana ensina e reitera que o povo e os políticos de São Paulo nunca desertaram da responsabilidade e do interesse. Importa, então, assumir a questão política com dignidade e audácia.
Em alguns momentos históricos, o inimigo da melhor vitória acaba sendo o bom senso trivial. Em outros, o melhor a fazer, ainda que mais arriscado, é ousar.
Novos tempos requerem ousadia. Hoje vivemos o paradoxo de ver operários a ocupar fábricas, não para fazer greve, mas para poder trabalhar.
A moeda estável, a derrota da inflação, a nova dinâmica da sociedade, tudo isso impõe que nos libertemos das regras ortodoxas.
O Brasil não é um país que seja presa fácil ou inerme aos ataques da especulação predatória. Nossa economia já reúne instituições conquistadas e lideranças testadas e vitoriosas, além de políticos experientes e decididos.
Adversidade? Não... Não me venham falar em adversidade. A vida me ensinou que, diante dela, só há três atitudes possíveis: enfrentar, combater e vencer!
Por isso temos pressa. São Paulo não pode esperar um dia, um minuto, para oferecer ao país a sua parcela de luta para a construção do Brasil que o povo brasileiro merece. E se essa luta se trava em várias frentes, São Paulo estará -como sempre esteve- presente e atuante.
Seja por uma questão de seriedade, seja por patriotismo, seja até por conveniência, São Paulo jamais virará suas costas ao Brasil.
Exatamente por isso, São Paulo honrará todos os compromissos assumidos. Exatamente por isso São Paulo vai lançar mão, com igual denodo, de todos os meios ao seu alcance para buscar o ponto de equilíbrio entre a indispensável estabilidade econômica e a urgente retomada do desenvolvimento.
Nosso Estado espera, para muito cedo, que se rompa a aparente contradição entre crescimento e estabilidade. Na realidade, ambos são conceitos indissociáveis para a concretização do desenvolvimento sustentado. A existência da estabilidade não gera necessariamente desenvolvimento. Da mesma forma, desenvolvimento não implica forçosamente a estabilidade.
Para que ambos convivam, é preciso vontade política nacional. E é essa vontade que deve ser perseguida. Não pensam assim os que não acreditam nos valores da democracia e tudo atribuem às forças do mercado. Não é este o caso da social-democracia.
Reforçaremos a posição de São Paulo como pólo de competitividade e desenvolvimento sustentado, mas como protagonista, e não como vítima, da globalização.
Sem abrir mão do rigor orçamentário, o governo de São Paulo vai aprofundar a modernização da máquina pública, reforçar a infra-estrutura, atrair novos investimentos. Vai estimular as micros, pequenas e médias empresas, para ampliar os postos de trabalho, enfrentando, assim, a questão central da sociedade moderna: a da geração de empregos.
É indispensável construir, não um cenário, mas uma realidade na qual se universalize a qualidade de vida, dilatando-se os horizontes, abrindo-se novas oportunidades de futuro. É possível sonhar, mas é indispensável unir o sonhador àquele que realiza. É imprescindível juntar o que idealiza ao que executa, e apropriar-se do mundo com criatividade.
Se é verdade que tudo que molesta o Brasil afeta São Paulo, é igualmente verdadeiro que tudo que prejudica São Paulo compromete o futuro do Brasil.
São Paulo está preocupado com questões que, envolvendo o nosso e os demais Estados, envolvem todo o país.
Refiro-me à necessidade, urgente, de baixar as taxas de juros a patamares que permitam estimular a produção e gerar empregos.
Não é inteligente, e muito menos socialmente justo, que o país condene sua juventude e sua força de trabalho à escuridão da desesperança.
O Estado deve à criança o acesso à educação. Aos homens e mulheres em idade adulta, condições de vida compatíveis com o exercício da cidadania. E, aos idosos, a possibilidade de envelhecer com dignidade.
Estes deveres se materializam em escola, habitação, segurança, transporte, e em muitas outras frentes, todas elas dependentes de recursos tributários originados da atividade produtiva.
A equação é simples, e cruelmente singela. Os juros altos diminuem a produção, que gera menor receita tributária, que inviabiliza investimentos do setor público. Urge romper este círculo vicioso, para que São Paulo e o Brasil possam oferecer a seus filhos algo mais que palavras vãs de fé e de esperança.
Sou do litoral, formado no convívio da gente simples da beira-mar, da qual recebi muitos ensinamentos: o conhecimento das marés; a leitura dos céus; as rezas que chamam os ventos e as rezas que amainam as tempestades e trazem a calmaria.
Com muitos, mas também com pescadores humildes como Pedro, que jogava a rede e recolhia almas, aprendi que o homem é indissociável do mundo natural e da comunidade a que pertence. Que deve viver em harmonia com aquele, por mais que o sofistiquem a urbanização e a cultura; e que deve se fundir intimamente com esta, respeitando, porém, a diversidade que possa apresentar.
Essa fusão com o coletivo, fui buscá-la na política. E é a ela que devo um conhecimento mais profundo do povo de São Paulo. Moldados por uma multiplicidade de raças e de crenças, do operário do ABC ao assentado do Pontal, do empresário e do pesquisador da universidade ao bóia-fria dos canaviais que ondulam sobre a terra roxa -em todos eles, em cada um deles, se reconhece o mesmo direito à felicidade, a mesma confiança no futuro, e uma enorme disposição para a solidariedade.
É essa gente que devemos honrar, e é essa gente que será honrada.
As urnas apontaram um inequívoco desejo de estabilidade. Mas indicaram também -com eloquência- a exigência premente de maior justiça social. Povo e governo não podem seguir dissociados. E quando aquele indica a rota, cabe a este persegui-la, conclamando para tanto toda a sociedade.
Este país tem urgências. O Brasil não suporta mais adiar a retomada do desenvolvimento. São Paulo convoca a todos para esta árdua tarefa de construção e oferece, desde logo, todo seu vigor e amor à pátria, sem temor e sem vacilação.
Ao trabalho, paulistas!



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.