São Paulo, quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

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Projeto anticorrupção é insuficiente, diz juiz

Para De Sanctis, medidas sugeridas pela ONU, como o estabelecimento de crime de enriquecimento ilícito, são mais eficazes

Segundo magistrado, o país se ressente de mecanismos para investigar corrupção, e as pessoas são acovardadas pela ineficácia do sistema

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz federal Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de SP, diz que o projeto de lei do governo para combater a corrupção é válido, mas "totalmente insuficiente" quando comparado a mecanismos propostos pela ONU (Organização das Nações Unidas) em convenções internacionais.
Juiz de casos rumorosos como os do banqueiro Daniel Dantas e da Camargo Corrêa, ele diz que duas das medidas preconizadas pela ONU seriam mais eficazes: a criação do crime de enriquecimento ilícito e a possibilidade de se processar criminalmente uma empresa.
A primeira medida está prevista na convenção da ONU sobre corrupção de 2003; a segunda faz parte da Constituição de 1988 e não foi regulamentada. Em entrevista à Folha, o juiz critica a impunidade: "A ineficácia, infelizmente, é a marca da Justiça criminal".

 

FOLHA - O governo quer punir com multas e até com o fechamento as empresas envolvidas com corrupção. Isso é suficiente?
FAUSTO MARTIN DE SANCTIS
- Toda medida de combate à corrupção é válida. É válida, mas é totalmente insuficiente diante dos mecanismos que são propostos em foros mundiais.

FOLHA - Que mecanismos?
DE SANCTIS
- O mecanismo mais falado pela convenção da ONU é o estabelecimento pelo país do crime de enriquecimento ilícito. Existe um projeto de lei, mas não está caminhando [no Congresso]. A convenção sobre corrupção é de 2003 e até hoje o país não adotou as medidas.

FOLHA - Sem punir o enriquecimento ilícito seriam inócuas as outras medidas contra a corrupção?
DE SANCTIS
- Transformar o enriquecimento ilícito em crime é uma medida preventiva que tem eficácia em si. Existem outras medidas, como a ação civil de domínio. É para obter valores de pessoas físicas -e poderia se incluir a pessoa jurídica- que obtiveram recursos com corrupção. Isso já foi implantado nos EUA, Inglaterra, Colômbia, Itália.

FOLHA - O Estado toma o bem proveniente de corrupção?
DE SANCTIS
- Sim. Existem outras medidas. Autoridades estrangeiras questionam o Brasil porque a Constituição prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria de delito econômico e lavagem e o país nada fez para implantá-la.

FOLHA - O projeto de lei prevê multas e a extinção da empresa, mas na área administrativa. Qual a vantagem da ação criminal?
DE SANCTIS
- A ação penal é mais interessante porque possibilita, com todas as garantias previstas, uma defesa maior para a pessoa jurídica.

FOLHA - A vara que o sr. dirige existe há seis anos e não tem nenhum processo por corrupção.
DE SANCTIS
- Também fico surpreso que uma vara especializada em lavagem de dinheiro, que tem entre seus crimes antecedentes a corrupção, não tenha processos de corrupção. O país se ressente de mecanismos para investigar corrupção. Aqui as pessoas estão acovardadas pela ineficácia do sistema. Pessoas que querem delatar crimes não se sentem motivadas a fazê-lo por medo de represálias.

FOLHA - Por quê?
DE SANCTIS
- Existe boa vontade para combater, mas não existem mecanismos e suporte dos especialistas e dos operadores de direito. A polícia deveria ter independência funcional e orçamentária. O Ministério Público poderia se valer de técnicas especiais de investigação, como a infiltração, sem causar tanta surpresa, como ocorre no exterior. Outro problema é a inexistência de crime para a pessoa que não comunica operações suspeitas. A não comunicação deveria ser crime.

FOLHA - Nos EUA, o caso Enron levou dois anos e meio até a punição criminal. Por que no Brasil os processos se arrastam por anos?
DE SANCTIS
- O Brasil possui um sistema jurídico altamente complexo, que permite uma quantidade de recursos que torna o processo penal praticamente ineficiente. Isso aniquila outros direitos fundamentais.

FOLHA - O direito de defesa é superestimado no país?
DE SANCTIS
- O país precisa decidir o que quer das instituições. Quer um país que funcione? Se quer, vai ter que fazer uma reflexão sobre os direitos fundamentais. As interpretações que existem hoje acabam aniquilando o direito à Justiça. Não quero de jeito algum desprestigiar o direito de defesa, que é primordial. Mas os direitos têm de ser flexibilizados. Nenhum direito é absoluto. Tudo que é absoluto vira aberração e acaba gerando a impunidade e a ineficácia absoluta. É o que ocorre. A ineficácia, infelizmente, é a marca da Justiça criminal.


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