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Projeto anticorrupção é insuficiente, diz juiz
Para De Sanctis, medidas sugeridas pela ONU, como o estabelecimento de crime de enriquecimento ilícito, são mais eficazes
Segundo magistrado, o país se ressente de mecanismos para investigar corrupção, e as pessoas são acovardadas pela ineficácia do sistema
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O juiz federal Fausto Martin
de Sanctis, da 6ª Vara Criminal
Federal de SP, diz que o projeto
de lei do governo para combater a corrupção é válido, mas
"totalmente insuficiente"
quando comparado a mecanismos propostos pela ONU (Organização das Nações Unidas)
em convenções internacionais.
Juiz de casos rumorosos como os do banqueiro Daniel
Dantas e da Camargo Corrêa,
ele diz que duas das medidas
preconizadas pela ONU seriam
mais eficazes: a criação do crime de enriquecimento ilícito e
a possibilidade de se processar
criminalmente uma empresa.
A primeira medida está prevista na convenção da ONU sobre
corrupção de 2003; a segunda
faz parte da Constituição de
1988 e não foi regulamentada.
Em entrevista à Folha, o juiz
critica a impunidade: "A ineficácia, infelizmente, é a marca
da Justiça criminal".
FOLHA - O governo quer punir com
multas e até com o fechamento as
empresas envolvidas com corrupção. Isso é suficiente?
FAUSTO MARTIN DE SANCTIS - Toda
medida de combate à corrupção é válida. É válida, mas é totalmente insuficiente diante
dos mecanismos que são propostos em foros mundiais.
FOLHA - Que mecanismos?
DE SANCTIS
- O mecanismo mais
falado pela convenção da ONU
é o estabelecimento pelo país
do crime de enriquecimento
ilícito. Existe um projeto de lei,
mas não está caminhando [no
Congresso]. A convenção sobre
corrupção é de 2003 e até hoje
o país não adotou as medidas.
FOLHA - Sem punir o enriquecimento ilícito seriam inócuas as outras medidas contra a corrupção?
DE SANCTIS
- Transformar o
enriquecimento ilícito em crime é uma medida preventiva
que tem eficácia em si. Existem
outras medidas, como a ação civil de domínio. É para obter valores de pessoas físicas -e poderia se incluir a pessoa jurídica- que obtiveram recursos
com corrupção. Isso já foi implantado nos EUA, Inglaterra,
Colômbia, Itália.
FOLHA - O Estado toma o bem proveniente de corrupção?
DE SANCTIS
- Sim. Existem outras medidas. Autoridades estrangeiras questionam o Brasil
porque a Constituição prevê a
responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria de delito econômico e lavagem e o país
nada fez para implantá-la.
FOLHA - O projeto de lei prevê multas e a extinção da empresa, mas na
área administrativa. Qual a vantagem da ação criminal?
DE SANCTIS
- A ação penal é mais
interessante porque possibilita, com todas as garantias previstas, uma defesa maior para a
pessoa jurídica.
FOLHA - A vara que o sr. dirige existe há seis anos e não tem nenhum
processo por corrupção.
DE SANCTIS
- Também fico surpreso que uma vara especializada em lavagem de dinheiro,
que tem entre seus crimes antecedentes a corrupção, não tenha processos de corrupção. O
país se ressente de mecanismos
para investigar corrupção. Aqui
as pessoas estão acovardadas
pela ineficácia do sistema. Pessoas que querem delatar crimes
não se sentem motivadas a fazê-lo por medo de represálias.
FOLHA - Por quê?
DE SANCTIS
- Existe boa vontade
para combater, mas não existem mecanismos e suporte dos
especialistas e dos operadores
de direito. A polícia deveria ter
independência funcional e orçamentária. O Ministério Público poderia se valer de técnicas especiais de investigação,
como a infiltração, sem causar
tanta surpresa, como ocorre no
exterior. Outro problema é a
inexistência de crime para a
pessoa que não comunica operações suspeitas. A não comunicação deveria ser crime.
FOLHA - Nos EUA, o caso Enron levou dois anos e meio até a punição
criminal. Por que no Brasil os processos se arrastam por anos?
DE SANCTIS
- O Brasil possui um
sistema jurídico altamente
complexo, que permite uma
quantidade de recursos que
torna o processo penal praticamente ineficiente. Isso aniquila
outros direitos fundamentais.
FOLHA - O direito de defesa é superestimado no país?
DE SANCTIS
- O país precisa decidir o que quer das instituições.
Quer um país que funcione? Se
quer, vai ter que fazer uma reflexão sobre os direitos fundamentais. As interpretações que
existem hoje acabam aniquilando o direito à Justiça. Não
quero de jeito algum desprestigiar o direito de defesa, que é
primordial. Mas os direitos têm
de ser flexibilizados. Nenhum
direito é absoluto. Tudo que é
absoluto vira aberração e acaba
gerando a impunidade e a ineficácia absoluta. É o que ocorre.
A ineficácia, infelizmente, é a
marca da Justiça criminal.
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