São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Para titular da Segurança, ação na Castelinho opôs "polícia dos sonhos" à "ditadura do crime"

Secretário defende "operação de guerra"

Juca Varella/Folha Imagem
Saulo de Castro de Abreu Filho em seu gabinete na sede da Secretaria Estadual da Segurança Pública, que fica no centro velho de São Paulo


RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

Inversão do efeito surpresa. Na avaliação do secretário estadual da Segurança Pública, este foi o principal mérito da operação realizada terça-feira passada pela Polícia Militar na rodovia Castelinho. "Ela usou instrumentos de inteligência de maneira que a polícia começou a acreditar que pode ser eficiente", diz Saulo de Castro Abreu Filho, 40.
Sua paciência é pouca com quem questiona a magnitude da ação e o saldo de 12 mortos, membros da organização Primeiro Comando da Capital, o PCC. Só com uma "operação de guerra", argumenta, é possível enfrentar criminosos que dispõem de dinheiro e armamento pesado. Quanto às mortes, afirma que foram apenas consequência do enfrentamento. As operações, avisa o secretário, vão continuar.
De volta à inversão. "A gente surpreende o bandido. Para matar? É evidente que não. Surpreende para evitar que ele mate. Ora, não é essa a polícia dos sonhos de todo mundo?"
No cargo há pouco mais de um mês, o ex-presidente da Febem desponta como o secretário dos sonhos de um governador que, em busca de novo mandato, precisa desesperadamente gerar fatos positivos e -mais importante- de grande visibilidade na área da segurança pública.
Tão visível quanto o endurecimento do discurso de Geraldo Alckmin é a diferença de estilo entre o secretário e seu antecessor, Marco Vinicio Petrelluzzi (promotor como Abreu Filho, foi quem o levou para o governo de Mário Covas).
Seria improvável ouvir de Petrelluzzi que "vivemos sob a ditadura da bandidagem" ou frases de semelhante impacto. Abreu Filho rejeita, porém, a idéia de que suas declarações e as do governador estejam se aproximando dos bordões malufistas sobre criminalidade. "É um alerta, não um discurso fascistóide."
Que ninguém duvide de sua disposição em contribuir, com o desempenho da secretaria, para a reeleição de Alckmin. Na entrevista abaixo, realizada na manhã de sexta-feira, uma das perguntas mencionava que faltam dez meses para o final desta administração. "Dez meses e quatro anos", atalhou em tom bem-humorado mas convicto.
Durante a conversa, entre um cigarro e outro, ele recebeu de subordinados a informação de que chegara ao fim o último sequestro em curso no interior do Estado.
A reportagem voltou a ouvi-lo na noite de sábado, horas depois de encerradas as rebeliões de presos no cadeião de Pinheiros e em Piracicaba. Assim como minimizara a importância das duas bombas encontradas em prédios do Judiciário no dia anterior - "muita audácia e pouca consequência"-, o secretário disse que o motim na capital foi "típico de tentativa de fuga, não de reivindicação", e que o Batalhão de Choque não teve maior dificuldade para controlá-lo.

Folha - É possível considerar bem-sucedida uma operação que deixa saldo de 12 mortos, como foi o caso da conduzida pela Polícia Militar terça-feira passada na rodovia Castelinho?
Saulo de Castro Abreu Filho -
É, pelo seguinte. A polícia tem acesso a fases do planejamento criminoso, não à sua totalidade. Esse pessoal tem dinheiro e armamento pesado. Então tem de ser operação de guerra mesmo.
Quantos homens estariam dentro do ônibus? Eram oito, mas podiam ser 30. Com colete à prova de bala, arma engatilhada, um carro atrás, um na frente e batedor. Isso é comboio militar. Para quê? Não me interessa. Com certeza não iam fazer veraneio.
Foi um primor de operação em termos de informação. Mais de cem policiais envolvidos e nenhum vazamento. Depois falam que a polícia é corrupta, que vaza tudo para bandido. Se o objetivo fosse matar, tinham matado logo o cara do carro da frente, aquele que fugiu e o cão encontrou. Fritava todo mundo.
Quanto aos cem homens utilizados, a polícia tem de ter uma força que evite que o ladrão reaja. Você leva 1.200 homens à favela Pantanal porque assim ninguém ousa encarar a polícia. Se você fizer como no Rio de Janeiro, que põe meia dúzia de policiais para subir o morro, troca tiro.
Sabe qual foi a relevância dessas duas operações? Elas usaram instrumentos de inteligência de maneira que a polícia começou a acreditar que pode ser eficiente. O efeito surpresa fica invertido. A gente surpreende o bandido. Surpreende para matar? É evidente que não. Surpreende para evitar que ele mate. Ora, não é essa a polícia dos sonhos de todo mundo?

Folha - O resultado da ação na Castelinho foi comemorado pelo governo. No dia seguinte, na missa por um ano da morte de Mário Covas, políticos aliados não escondiam o entusiasmo diante dos possíveis dividendos eleitorais. Essa atitude não é perigosa? Ela não transmite à polícia a mensagem de que se morrer gente será bom?
Abreu Filho -
Acho que não. Da parte de quem interessa à polícia, não houve essa comemoração. Houve o reconhecimento de uma ação eficiente, bem montada, com um resultado possível, mas não querido. Não torcemos pelas 12 mortes, nem gostamos que tenham acontecido. Tanto que, no dia seguinte, envolvemos 1.200 homens em um ambiente como o da favela Pantanal e não aconteceu absolutamente nada.
Agora, se os criminosos não começarem a se entregar, se continuarem com a opção de enfrentar a polícia, vai continuar tendo morte. Não há como evitar. Ou a polícia se acovarda e deixa o comboio passar, ou manda parar. E, se eles atirarem, a polícia vai reagir sempre, não há como esperar outra coisa dela. Se atira para matar, recebe tiro para morrer. Policiais morrem todos os dias.
Ontem li uma frase, acho que do Hélio Bicudo, dizendo que a polícia não tem o direito de matar. Lamento, mas a polícia tem, sim, o direito de matar. Há ações em que tirar a vida de alguém é legítimo. O contrário seria absurdo: uma polícia não-letal para enfrentar bandidos letais.

Folha - O governador Geraldo Alckmin, que busca novo mandato e recentemente viu crescer a vantagem do principal adversário nas pesquisas, já disse que "em São Paulo, bandido tem dois destinos: a prisão ou o caixão". A disputa eleitoral deverá aproximar o discurso tucano dos tradicionais bordões malufistas sobre segurança?
Abreu Filho -
Não se deve descontextualizar o que o governador diz. As palavras dele se inscrevem no contexto dos sequestros. Estamos avisando para essa moçada do crime que não compensa. Tem mais de 300 sequestradores presos. É crime grave. Esse pessoal está achando que vai pegar cinco anos, como se fosse roubo qualificado. Vai pegar mais de 20. Quando começarem a cair as condenações, quero ver o susto na cara dessa molecada.
Só tem duas opções para quem parte para essas coisas. Ou vai ser preso ou, se quiser enfrentar, porque está se achando bacana, porque sai na imprensa que a polícia de São Paulo está acovardada, porque o Maluf repete isso todo dia, vai se dar mal. Mais de 20 já morreram. É um alerta, não um discurso fascistóide.

Folha - O publicitário Nizan Guanaes e profissionais ligados a ele têm orientado o governo do Estado e em especial a equipe da Segurança, que tem nas mãos o tema fadado a dominar esta eleição. De que forma esse treinamento de mídia se reflete em seu trabalho?
Abreu Filho -
Alguns publicitários, entre os quais o Nizan, vieram conversar conosco na época do sequestro do Washington Olivetto. Concluímos que é preciso ter um bom plano de comunicação, que reforce nas pessoas a idéia de que o crime não compensa, no velho estilo do bem contra o mal. Não é possível que tenhamos de ver bandido dar entrevista em rede nacional de televisão.
Não entendo de comunicação, mas acho que precisamos fazer um trabalho grande nessa área, lançar uma campanha apoiada no seguinte tripé: motivar a polícia, motivar a população e unir forças com sociedade civil e imprensa.
Nós estamos contra a ditadura do crime. No Estado democrático de direito, não pode prevalecer o criminoso, mas vivemos uma ditadura da bandidagem. Por que chegamos a isso? Não sei. Mas vamos enfrentar esses caras, e vamos derrubar essa ditadura. Então pensamos em uma estratégia de comunicação.

Folha - Por falar em estratégia de comunicação, é impossível deixar de notar que ações como a da PM na Castelinho e a da Polícia Civil na Pantanal têm tudo para brilhar no horário eleitoral gratuito.
Abreu Filho -
Não se foi à Pantanal à toa, mas sim para fazer um monte de coisas: prender criminosos, pegar droga, mostrar articulação e auscultar a favela, algo que para a polícia é como o "off" para o jornalista. Tanto que, na madrugada seguinte, apreendemos mais de 200 mil munições, um verdadeiro almoxarifado do crime. Só por esse resultado já valeu.
Essas operações vão continuar, porque são mapeadas, resultado de serviço de inteligêcia. Fazemos porque temos de fazer. Se elas têm um efeito visual que possa gerar na população a idéia de que a segurança pública está presente, e assim diminuir a sensação -porque é sempre uma sensação- de insegurança das pessoas, ótimo.

Folha - Estamos a dez meses do final desta administração.
Castro Filho -
[rindo" Dez meses e quatro anos.

Folha - Digo independentemente da possibilidade de reeleição. Ainda que vários índices de criminalidade estejam em queda ou estabilizados, não será cumprida a promessa, feita durante a campanha de 1998, de reduzi-los à metade. Houve problema de percurso ou a meta era irreal?
Abreu Filho -
Em primeiro lugar, tenho a impressão de que o Covas se comprometeu, no programa de governo, a reduzir à metade especificamente os homicídios.

Folha - De acordo com os arquivos, falou-se na criminalidade como um todo.
Abreu Filho -
Não sei. No que diz respeito aos homicídios, acho que ele contava com maior participação metropolitana, vamos dizer assim, nesse combate. Homicídio é um crime muito diferente dos demais, no sentido de que ninguém está completamente livre de cometê-lo. Quando fui promotor do júri, os réus eram em sua maioria primários. Então o combate ao homicídio é diferente. É preciso ter um mapeamento das áreas em que, por determinados fatores, ele pode ser mais recorrente, e atuar nessas áreas.
É factível reduzir à metade a taxa de homicídios, desde que não esperemos que isso seja feito apenas com polícia. Tem de ter política pública, principalmente do município. Não estou fazendo intriga, falando só de São Paulo, mas também dos vizinhos. Tem de limpar, iluminar. Acabou o apagão e São Paulo continua escura. Precisa ligar as lâmpadas. Isso evita crime, sim, e dá sensação de segurança.

Folha - O sr. tem repetido que se espera da polícia mais do que cabe a ela fazer.
Abreu Filho -
Assim como eu dizia que a função da Febem não é resolver o problema da exclusão social, tenho repetido que devemos cobrar da polícia ação de polícia, nos limites da polícia. Ela deve prevenir o crime e, quando não conseguir, investigar e pôr na cadeia. Ponto final.
As pessoas têm grande dificuldade de entender isso. Por carência de políticas públicas, a polícia atua em favela, manda ao dentista, faz parto no meio da rua, leva gente para o hospital, pega o mendigo de quem todo mundo tem medo. Faz ação social.
E o pior é que, de tanto cobrarem, a polícia vestiu essa camisa, até por ter sido a primeira a perceber que a criminalidade passa por muitos outros fatores além de alguém ter resolvido um dia dar um tiro no farol.
Quando assumi a secretaria, tracei um princípio. Eu sou o chefe da polícia. Só. Nós não estamos aqui para consertar o mundo. Estamos aqui para cumprir o papel que a população tem o direito de esperar de nós como instituição, porque paga caro para ter uma boa polícia.

Folha - O sr. assumiu dizendo que daria "continuidade a um bom serviço". Na época, no entanto, o governo sentia o impacto de episódios como o assassinato do prefeito Celso Daniel e da dona-de-casa sequestrada em Campinas. Em pouco mais de um mês, casos importantes foram resolvidos e parece ter havido uma certa reversão de expectativas. Se a sua é uma gestão de continuidade, o que aconteceu então?
Abreu Filho -
Não adianta. Não vou fazer comparações com o Petrelluzzi, por quem tenho o maior respeito. O que aconteceu? Não sei exatamente. Pode ter alguma relação com o meu estilo, com uma maneira de fazer as coisas. Eu me cobro muito, e quem trabalha comigo é cobrado também. Não durmo antes das duas, não acordo depois das seis e não é porque eu não tenha sono. Fico cansado, mas nem por isso perco a energia para defender as coisas em que acredito.
Mas, independentemente das minhas características, este é um trabalho de equipe, que está se beneficiando, em boa medida, de providências corretas tomadas na gestão anterior. E pode ser também um pouco de sorte.



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