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ENTREVISTA DA 2ª
Para titular da Segurança, ação na Castelinho opôs "polícia dos sonhos" à "ditadura do crime"
Secretário defende "operação de guerra"
Juca Varella/Folha Imagem
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Saulo de Castro de Abreu Filho em seu gabinete na sede da Secretaria Estadual da Segurança Pública, que fica no centro velho de São Paulo |
RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL
Inversão do efeito surpresa. Na
avaliação do secretário estadual
da Segurança Pública, este foi o
principal mérito da operação realizada terça-feira passada pela Polícia Militar na rodovia Castelinho. "Ela usou instrumentos de
inteligência de maneira que a polícia começou a acreditar que pode ser eficiente", diz Saulo de Castro Abreu Filho, 40.
Sua paciência é pouca com
quem questiona a magnitude da
ação e o saldo de 12 mortos, membros da organização Primeiro Comando da Capital, o PCC. Só com
uma "operação de guerra", argumenta, é possível enfrentar criminosos que dispõem de dinheiro e
armamento pesado. Quanto às
mortes, afirma que foram apenas
consequência do enfrentamento.
As operações, avisa o secretário,
vão continuar.
De volta à inversão. "A gente
surpreende o bandido. Para matar? É evidente que não. Surpreende para evitar que ele mate. Ora,
não é essa a polícia dos sonhos de
todo mundo?"
No cargo há pouco mais de um
mês, o ex-presidente da Febem
desponta como o secretário dos
sonhos de um governador que,
em busca de novo mandato, precisa desesperadamente gerar fatos positivos e -mais importante- de grande visibilidade na
área da segurança pública.
Tão visível quanto o endurecimento do discurso de Geraldo
Alckmin é a diferença de estilo entre o secretário e seu antecessor,
Marco Vinicio Petrelluzzi (promotor como Abreu Filho, foi
quem o levou para o governo de
Mário Covas).
Seria improvável ouvir de Petrelluzzi que "vivemos sob a ditadura da bandidagem" ou frases de
semelhante impacto. Abreu Filho
rejeita, porém, a idéia de que suas
declarações e as do governador
estejam se aproximando dos bordões malufistas sobre criminalidade. "É um alerta, não um discurso fascistóide."
Que ninguém duvide de sua disposição em contribuir, com o desempenho da secretaria, para a
reeleição de Alckmin. Na entrevista abaixo, realizada na manhã
de sexta-feira, uma das perguntas
mencionava que faltam dez meses
para o final desta administração.
"Dez meses e quatro anos", atalhou em tom bem-humorado
mas convicto.
Durante a conversa, entre um
cigarro e outro, ele recebeu de subordinados a informação de que
chegara ao fim o último sequestro
em curso no interior do Estado.
A reportagem voltou a ouvi-lo
na noite de sábado, horas depois
de encerradas as rebeliões de presos no cadeião de Pinheiros e em
Piracicaba. Assim como minimizara a importância das duas bombas encontradas em prédios do
Judiciário no dia anterior -
"muita audácia e pouca consequência"-, o secretário disse que
o motim na capital foi "típico de
tentativa de fuga, não de reivindicação", e que o Batalhão de Choque não teve maior dificuldade
para controlá-lo.
Folha - É possível considerar
bem-sucedida uma operação que
deixa saldo de 12 mortos, como foi
o caso da conduzida pela Polícia
Militar terça-feira passada na rodovia Castelinho?
Saulo de Castro Abreu Filho - É,
pelo seguinte. A polícia tem acesso a fases do planejamento criminoso, não à sua totalidade. Esse
pessoal tem dinheiro e armamento pesado. Então tem de ser operação de guerra mesmo.
Quantos homens estariam dentro do ônibus? Eram oito, mas podiam ser 30. Com colete à prova
de bala, arma engatilhada, um
carro atrás, um na frente e batedor. Isso é comboio militar. Para
quê? Não me interessa. Com certeza não iam fazer veraneio.
Foi um primor de operação em
termos de informação. Mais de
cem policiais envolvidos e nenhum vazamento. Depois falam
que a polícia é corrupta, que vaza
tudo para bandido. Se o objetivo
fosse matar, tinham matado logo
o cara do carro da frente, aquele
que fugiu e o cão encontrou. Fritava todo mundo.
Quanto aos cem homens utilizados, a polícia tem de ter uma
força que evite que o ladrão reaja.
Você leva 1.200 homens à favela
Pantanal porque assim ninguém
ousa encarar a polícia. Se você fizer como no Rio de Janeiro, que
põe meia dúzia de policiais para
subir o morro, troca tiro.
Sabe qual foi a relevância dessas
duas operações? Elas usaram instrumentos de inteligência de maneira que a polícia começou a
acreditar que pode ser eficiente. O
efeito surpresa fica invertido. A
gente surpreende o bandido. Surpreende para matar? É evidente
que não. Surpreende para evitar
que ele mate. Ora, não é essa a polícia dos sonhos de todo mundo?
Folha - O resultado da ação na
Castelinho foi comemorado pelo
governo. No dia seguinte, na missa
por um ano da morte de Mário Covas, políticos aliados não escondiam o entusiasmo diante dos possíveis dividendos eleitorais. Essa
atitude não é perigosa? Ela não
transmite à polícia a mensagem de
que se morrer gente será bom?
Abreu Filho - Acho que não. Da
parte de quem interessa à polícia,
não houve essa comemoração.
Houve o reconhecimento de uma
ação eficiente, bem montada,
com um resultado possível, mas
não querido. Não torcemos pelas
12 mortes, nem gostamos que tenham acontecido. Tanto que, no
dia seguinte, envolvemos 1.200
homens em um ambiente como o
da favela Pantanal e não aconteceu absolutamente nada.
Agora, se os criminosos não começarem a se entregar, se continuarem com a opção de enfrentar
a polícia, vai continuar tendo
morte. Não há como evitar. Ou a
polícia se acovarda e deixa o comboio passar, ou manda parar. E, se
eles atirarem, a polícia vai reagir
sempre, não há como esperar outra coisa dela. Se atira para matar,
recebe tiro para morrer. Policiais
morrem todos os dias.
Ontem li uma frase, acho que do
Hélio Bicudo, dizendo que a polícia não tem o direito de matar. Lamento, mas a polícia tem, sim, o
direito de matar. Há ações em que
tirar a vida de alguém é legítimo.
O contrário seria absurdo: uma
polícia não-letal para enfrentar
bandidos letais.
Folha - O governador Geraldo
Alckmin, que busca novo mandato
e recentemente viu crescer a vantagem do principal adversário nas
pesquisas, já disse que "em São
Paulo, bandido tem dois destinos:
a prisão ou o caixão". A disputa
eleitoral deverá aproximar o discurso tucano dos tradicionais bordões malufistas sobre segurança?
Abreu Filho - Não se deve descontextualizar o que o governador diz. As palavras dele se inscrevem no contexto dos sequestros.
Estamos avisando para essa moçada do crime que não compensa.
Tem mais de 300 sequestradores
presos. É crime grave. Esse pessoal está achando que vai pegar
cinco anos, como se fosse roubo
qualificado. Vai pegar mais de 20.
Quando começarem a cair as condenações, quero ver o susto na cara dessa molecada.
Só tem duas opções para quem
parte para essas coisas. Ou vai ser
preso ou, se quiser enfrentar, porque está se achando bacana, porque sai na imprensa que a polícia
de São Paulo está acovardada,
porque o Maluf repete isso todo
dia, vai se dar mal. Mais de 20 já
morreram. É um alerta, não um
discurso fascistóide.
Folha - O publicitário Nizan Guanaes e profissionais ligados a ele
têm orientado o governo do Estado
e em especial a equipe da Segurança, que tem nas mãos o tema fadado a dominar esta eleição. De que
forma esse treinamento de mídia
se reflete em seu trabalho?
Abreu Filho - Alguns publicitários, entre os quais o Nizan, vieram conversar conosco na época
do sequestro do Washington Olivetto. Concluímos que é preciso
ter um bom plano de comunicação, que reforce nas pessoas a
idéia de que o crime não compensa, no velho estilo do bem contra
o mal. Não é possível que tenhamos de ver bandido dar entrevista
em rede nacional de televisão.
Não entendo de comunicação,
mas acho que precisamos fazer
um trabalho grande nessa área,
lançar uma campanha apoiada no
seguinte tripé: motivar a polícia,
motivar a população e unir forças
com sociedade civil e imprensa.
Nós estamos contra a ditadura
do crime. No Estado democrático
de direito, não pode prevalecer o
criminoso, mas vivemos uma ditadura da bandidagem. Por que
chegamos a isso? Não sei. Mas vamos enfrentar esses caras, e vamos derrubar essa ditadura. Então pensamos em uma estratégia
de comunicação.
Folha - Por falar em estratégia de
comunicação, é impossível deixar
de notar que ações como a da PM
na Castelinho e a da Polícia Civil na
Pantanal têm tudo para brilhar no
horário eleitoral gratuito.
Abreu Filho - Não se foi à Pantanal à toa, mas sim para fazer um
monte de coisas: prender criminosos, pegar droga, mostrar articulação e auscultar a favela, algo
que para a polícia é como o "off"
para o jornalista. Tanto que, na
madrugada seguinte, apreendemos mais de 200 mil munições,
um verdadeiro almoxarifado do
crime. Só por esse resultado já valeu.
Essas operações vão continuar,
porque são mapeadas, resultado
de serviço de inteligêcia. Fazemos
porque temos de fazer. Se elas têm
um efeito visual que possa gerar
na população a idéia de que a segurança pública está presente, e
assim diminuir a sensação -porque é sempre uma sensação- de
insegurança das pessoas, ótimo.
Folha - Estamos a dez meses do final desta administração.
Castro Filho - [rindo" Dez meses
e quatro anos.
Folha - Digo independentemente
da possibilidade de reeleição. Ainda que vários índices de criminalidade estejam em queda ou estabilizados, não será cumprida a promessa, feita durante a campanha
de 1998, de reduzi-los à metade.
Houve problema de percurso ou a
meta era irreal?
Abreu Filho - Em primeiro lugar,
tenho a impressão de que o Covas
se comprometeu, no programa de
governo, a reduzir à metade especificamente os homicídios.
Folha - De acordo com os arquivos, falou-se na criminalidade como um todo.
Abreu Filho - Não sei. No que diz
respeito aos homicídios, acho que
ele contava com maior participação metropolitana, vamos dizer
assim, nesse combate. Homicídio
é um crime muito diferente dos
demais, no sentido de que ninguém está completamente livre
de cometê-lo. Quando fui promotor do júri, os réus eram em sua
maioria primários. Então o combate ao homicídio é diferente. É
preciso ter um mapeamento das
áreas em que, por determinados
fatores, ele pode ser mais recorrente, e atuar nessas áreas.
É factível reduzir à metade a taxa de homicídios, desde que não
esperemos que isso seja feito apenas com polícia. Tem de ter política pública, principalmente do
município. Não estou fazendo intriga, falando só de São Paulo,
mas também dos vizinhos. Tem
de limpar, iluminar. Acabou o
apagão e São Paulo continua escura. Precisa ligar as lâmpadas. Isso evita crime, sim, e dá sensação
de segurança.
Folha - O sr. tem repetido que se
espera da polícia mais do que cabe
a ela fazer.
Abreu Filho - Assim como eu dizia que a função da Febem não é
resolver o problema da exclusão
social, tenho repetido que devemos cobrar da polícia ação de polícia, nos limites da polícia. Ela deve prevenir o crime e, quando não
conseguir, investigar e pôr na cadeia. Ponto final.
As pessoas têm grande dificuldade de entender isso. Por carência de políticas públicas, a polícia
atua em favela, manda ao dentista, faz parto no meio da rua, leva
gente para o hospital, pega o mendigo de quem todo mundo tem
medo. Faz ação social.
E o pior é que, de tanto cobrarem, a polícia vestiu essa camisa,
até por ter sido a primeira a perceber que a criminalidade passa por
muitos outros fatores além de alguém ter resolvido um dia dar um
tiro no farol.
Quando assumi a secretaria,
tracei um princípio. Eu sou o chefe da polícia. Só. Nós não estamos
aqui para consertar o mundo. Estamos aqui para cumprir o papel
que a população tem o direito de
esperar de nós como instituição,
porque paga caro para ter uma
boa polícia.
Folha - O sr. assumiu dizendo que
daria "continuidade a um bom serviço". Na época, no entanto, o governo sentia o impacto de episódios como o assassinato do prefeito Celso Daniel e da dona-de-casa
sequestrada em Campinas. Em
pouco mais de um mês, casos importantes foram resolvidos e parece ter havido uma certa reversão de
expectativas. Se a sua é uma gestão de continuidade, o que aconteceu então?
Abreu Filho - Não adianta. Não
vou fazer comparações com o Petrelluzzi, por quem tenho o maior
respeito. O que aconteceu? Não
sei exatamente. Pode ter alguma
relação com o meu estilo, com
uma maneira de fazer as coisas.
Eu me cobro muito, e quem trabalha comigo é cobrado também.
Não durmo antes das duas, não
acordo depois das seis e não é
porque eu não tenha sono. Fico
cansado, mas nem por isso perco
a energia para defender as coisas
em que acredito.
Mas, independentemente das
minhas características, este é um
trabalho de equipe, que está se beneficiando, em boa medida, de
providências corretas tomadas na
gestão anterior. E pode ser também um pouco de sorte.
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