São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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Para procuradores, ministro do STF age em causa própria

Gilmar Mendes, que quer alterar lei da improbidade, é alvo de denúncia por suposto enriquecimento ilícito no governo FHC

Magistrado é crítico de denúncias que considera "ineptas" do Ministério Público Federal; ele não quis falar sobre as acusações

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O julgamento que poderá decidir no STF (Supremo Tribunal Federal) o fim da lei de improbidade administrativa, um alívio para políticos e magistrados acusados de corrupção, acirrou os ânimos entre procuradores e o ministro Gilmar Mendes, um crítico contundente de denúncias que considera "ineptas" oferecidas pelo Ministério Público Federal.
Alguns procuradores atribuem a indisposição ao fato de o vice-presidente do STF também ser alvo de ações de improbidade, numa das quais é acusado de enriquecimento ilícito.
Mendes poderá ser beneficiado com a decisão que o STF vier a tomar sobre uma reclamação do ex-ministro de Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg, também acusado de improbidade. Esse julgamento foi retomado no último dia 1º.
Em abril do ano passado, a ministra Ellen Gracie suspendeu o processo contra Mendes, condicionando-o à apreciação da reclamação de Sardenberg. Para o Ministério Público Federal, Mendes espera que prevaleçam os votos anteriores, extinguindo a ação de Sardenberg, prevendo que a sua seguiria o mesmo rumo.

"Ações políticas"
Em 2002, o procurador da República Luiz Francisco Souza ofereceu ação de improbidade contra Mendes, acusando-o de enriquecimento ilícito quando advogado-geral da União, no governo FHC.
Sócio-cotista do Instituto Brasiliense de Direito Público -IDP Ltda., de Brasília, Mendes, diz a acusação, "lecionava em sua própria empresa, no horário de trabalho, e permitia a liberação de subordinados para assistir as aulas". "Permitiu que seus subordinados usassem o poder da entidade e do órgão que dirigia para beneficiar-se e para que sua empresa obtivesse receita e lucros."
No último dia 2, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles rompeu o silêncio e repudiou as críticas que Mendes fez a procuradores na sessão de julgamento da reclamação de Sardenberg. Disse que, "sem um dado consistente sequer", Mendes "tisnou a honra funcional" dos procuradores Raquel Branquinho, Walquíria Quixadá, Guilherme Shelb, José Alfredo de Paula Silva e Luiz Francisco Fernandes de Souza, ao atribuir-lhes "uso político de ações de improbidade".
Para a procuradora da República Ana Lúcia Amaral, Mendes "tem demonstrado em seus votos um rancor desmedido em relação ao MPF, possivelmente por ter sido acionado por improbidade administrativa".

Ações trancadas
Contrariando o Ministério Público, o STF trancou, com base em voto de Mendes, uma ação penal contra o desembargador Roberto Haddad, do Tribunal Regional Federal de São Paulo, acusado de falsificar documento da Receita Federal (ver texto na pág. A10).
Decisões do STF, apoiadas em votos de Mendes como relator, trancaram ações contra magistrados e réus denunciados na Operação Anaconda.
No final de fevereiro, o STF suspendeu a quebra dos sigilos do subprocurador-geral da República Antônio Augusto César, envolvido na Operação Anaconda. Como relator, Mendes entendeu que a denúncia era inepta, "por não conter uma descrição detalhada do crime de corrupção passiva".
O subprocurador tinha sala no escritório central da organização criminosa. Foram apreendidos documentos sobre transações financeiras com membros da quadrilha. Gravações autorizadas pela Justiça mostram César tratando, em código, de decisões judiciais.
Em conversa captada, César orientou um ex-policial que arrebentara o maxilar da namorada a forjar provas, para alegar legítima defesa, sugerindo que a secretária o arranhasse.
Ex-procurador da República, Mendes não é especialista em direito criminal. "É muita pretensão ou ofensa classificar como inepta uma denúncia subscrita por Cláudio Fonteles, que atuou em matéria criminal durante toda a carreira", diz a procuradora Ana Lúcia Amaral.
Os juízes Casem Mazloum e Ali Mazloum, denunciados na Anaconda, livraram-se de ações penais em decisões com votos de Mendes. Gravações autorizadas mostram Casem Mazloum solicitando a um ex-policial "grampear" um telefone. O STF o isentou, porque as fitas não confirmam se a gravação ilegal chegou a ser feita.
A 2ª Turma do STF extinguiu ação penal contra Ali Mazloum, acusado de abuso de poder. "Algumas condutas podem até ser moralmente ou funcionalmente reprováveis, mas assumem o caráter de mera irregularidade administrativa e não se justifica a propositura de ações penais", sustentou Mendes.
Divergindo de voto da ministra Ellen Gracie, Mendes votou pelo trancamento de ação penal contra os juízes federais paulistas João Carlos da Rocha Mattos e Adriana Soveral, acusados de retirar placas lacradas pelo Detran em seus veículos particulares e nos de parentes para substituí-las por placas reservadas de uso exclusivo da polícia. Mendes, que em julgamento anterior entendera que esse fato tipificava crime, pediu "escusas" e sustentou que poderia configurar "uma mera irregularidade administrativa".

Outro lado
O ministro Gilmar Mendes não quis se manifestar sobre as críticas dos procuradores da República. Consultado por e-mail, na última quarta-feira, Mendes telefonou para o jornal, no dia seguinte, quando foi informado de todos os assuntos que seriam tratados na reportagem. Ele afirmou que não iria fazer comentários sobre as decisões como ministro do STF.
Consultado por meio da assessoria do TRF-3, Haddad não se pronunciou, até o fechamento desta edição. Seu advogado, Antônio Nabor Areias Bulhões, também não respondeu ao pedido de entrevista.


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