São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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CÂMARA OCULTA

João Paulo Cunha, presidente da Casa, não respondeu ao Ministério Público sobre o que fará para moralizar uso dos CNEs

Prazo para rever cargos vips é descumprido

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA

Quase um mês depois de ser cobrado oficialmente pelo Ministério Público, o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), ainda não tomou providências para rever todo o atual sistema de contratação e uso dos chamados CNEs (Cargos de Natureza Especial) -1.960 cargos vips comissionados, de livre provimento, com salários que vão de R$ 1.688,72 a R$ 7.428,77.
Um relatório da Secretaria de Controle Interno -o órgão da Câmara que tem por obrigação sanar desvios administrativos- confirmou as irregularidades reveladas numa série de reportagens publicadas pela Folha entre agosto e setembro de 2003.
O estudo, assinado por uma equipe de cinco servidores chefiada pelo secretário de Controle Interno, Salvador Roque Batista, apontou que 803 pessoas lotadas em CNEs na verdade moram fora do Distrito Federal.
"[...] Necessário se faz fixar, por resolução, o tipo de atividade, as atribuições, as responsabilidades, os limites quantitativos, as circunstâncias e os mecanismos de controle, a fim de possibilitar a aferição da efetiva prestação desses serviços externos", afirma o relatório.
Hoje, todos os CNEs são lotados oficialmente em Brasília, mas muitos são deslocados, sem nenhum controle, para fazer trabalho político em redutos eleitorais dos deputados.
À época da divulgação das irregularidades, João Paulo atacou as reportagens. "Assacar contra a legitimidade da atividade parlamentar, usando para isso distorções de informações públicas e análises parciais da legislação que rege o funcionamento do Parlamento, não serve à democracia", escreveu, em artigo publicado na Folha em 21 de agosto.
O estudo comandado pelo secretário de Controle Interno também incluiu uma proposta de projeto de lei a ser assinado por João Paulo. O Ministério Público Federal, informado sobre o resultado da apuração, enviou um ofício para que o presidente da Câmara responda quais providências tomou ou tomará.
O prazo dado pelo Ministério Público, contado a partir do último dia 17, quando João Paulo recebeu o ofício do procurador-geral da República, Claudio Fonteles, venceu no último dia 7.
Desde então, o Ministério Público informou ter meios para propor ações judiciais contra o presidente da Câmara, a direção administrativa e a Mesa Diretora da Casa.
A minuta do projeto de lei propõe uma revolução no sistema dos CNEs. No capítulo das proibições, as mais importantes são: 1) utilização do CNE para "atividades de arregimentação de filiados, de estruturação ou complementação da burocracia interna dos partidos políticos, em campanhas eleitorais e em outras atividades de cunho eleitoral"; 2) exercer função "em gabinetes dos deputados ou nas respectivas projeções nos Estados ou no Distrito Federal" (a Folha havia revelado que vários deputados, como o próprio João Paulo, usavam CNEs em seus escritórios estaduais); 3) trabalhar fora da Câmara, em hipótese alguma, os CNEs de alguns setores, tais como a Cope (Coordenação de Programas Especiais, onde a reportagem encontrou trabalhando apenas quatro, de 130 CNEs existentes); 4) a contratação de parentes de deputados (a reportagem havia apontado a existência de 50 deles).
A proposta da Secretaria de Controle Interno admite a possibilidade de os CNEs desempenharem tarefas fora de Brasília, mas só para alguns setores da Casa e sempre no limite máximo de 30% dos cargos.
Cada trabalho externo deverá ainda ser autorizado pela presidência da Câmara "em processo administrativo específico". O processo deverá dizer o período previsto para o exercício externo do cargo, as atribuições, o horário de trabalho, o endereço residencial do CNE, o endereço do trabalho e "o responsável por atestar a freqüência do servidor".
Não existe hoje tal processo -o responsável pelo lugar em que o CNE está lotado simplesmente o "libera", informal e verbalmente, para atuar em outro Estado.
A minuta do projeto de lei também sugere uma forte transparência em relação ao controle do trabalho do CNE: "As atividades desempenhadas fora das dependências da Câmara dos Deputados deverão ser diariamente registradas na extranet".
A divulgação seria feita por meio de um aplicativo que registrasse "o horário de alimentação dos dados, a fim de subsidiar a devida aferição do cumprimento do horário de trabalho estabelecido".

Desvio
"O que não pode haver em relação aos CNEs é a disfunção dos cargos, o descontrole de suas atuações e a desconfiança de que realmente estão todos eles exercendo atividade parlamentar", afirmou Lucas Furtado, o procurador-geral do Ministério Público no TCU (Tribunal de Contas da União). No ano passado, Furtado pediu que a Secretaria de Controle Interno da Câmara realizasse uma auditoria entre os ocupantes de cargo de natureza especial, depois da publicação das reportagens da Folha. De acordo com ele, as nomeações devem vir acompanhadas de um "controle".



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