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INIMIGO ÍNTIMO
Ex-presidente diz em longa entrevista que tucanos e petistas brigam para ver quem comanda "massa atrasada" do país
Só luta pelo poder separa PT e PSDB, diz FHC
VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
O que separa PT e PSDB não é
nenhuma diferença ideológica ou
programática, mas pura e simplesmente a disputa pelo poder. É
o que diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, nos
últimos meses, tem intensificado
as críticas ao governo do sucessor,
Luiz Inácio Lula da Silva.
A análise de FHC foi feita ao senador Cristovam Buarque (PT-DF) em entrevista à revista "Comunicação & Política", publicada
pelo Cebela (Centro Brasileiro de
Estudos Latino-Americanos), que
será lançada hoje. Roberto Amaral, ex-ministro de Ciência do governo Lula, é editor da revista e foi
um dos fundadores do instituto.
Trata-se de um raro debate cordial entre figuras de proa do tucanato e do petismo. Sem esconder
a admiração por FHC, Cristovam
reconhece avanços de seu governo, admite perplexidade com a
dificuldade do PT de empreender
mudanças e parece torcer por
uma futura aliança.
FHC, em resposta, diz que já
pensou na possibilidade de PT e
PSDB estarem do mesmo lado,
mas considera a hipótese pouco
provável por conta da disputa pela hegemonia política no país.
"É porque nós não discutimos
nem disputamos ideologia, é poder, é quem comanda", diz FHC.
Segundo ele, há uma "massa atrasada" no país e partidos que "representam esse atraso". "Os dois
partidos que têm capacidade de
liderança para mudar isso são o
PT e o PSDB. Em aliança com outros partidos. No fundo, nós disputamos quem é que comanda o
atraso", afirma.
O tucano diz que o PT combateu seu governo "passando a imagem de que tinha uma outra
idéia". "Depois chegou ao governo e não parece ter", provoca.
Diante disso, Cristovam emenda: "A pergunta é se nós, do PT,
fomos cooptados, ficamos lúcidos, amedrontados ou oportunistas. Nossa mudança veio de qual
desses fatos?"
Ao analisar a campanha que
deu a vitória a Lula, FHC diz que
gostou do slogan "Lula paz e
amor", que, a seu ver, retrata bem
o sucessor. Diz que o marketing
eleitoral cria mitos, e que o seu era
"fácil, era o Real". "O Lula era ele
próprio, era a vida dele. Um líder
que subiu, veio do pobre, imigrante, e chegou lá".
Mas FHC acrescenta: "Agora,
uma coisa é campanha e outra
coisa é governo. No governo não
basta paz e amor. No governo tem
que ter conhecimento, capacidade, competência, perseguir os objetivos e fazer com que o atraso
entre na sua. Senão você entra na
dele. A luta permanente é essa".
O ex-presidente demonstra certa mágoa por Lula não procurá-lo
com mais freqüência. Descreve
conversas que teve com o petista
após a posse (leia trecho) e as tentativas que fez de se aproximar
dele, sem sucesso.
Por fim, o ex-presidente critica a
política de superávit primário alto
e diz não ver qual será a plataforma de Lula para tentar a reeleição.
A entrevista, de 22 páginas, é
uma descontraída conversa sobre
temas que não se restringem à política. FHC e Cristovam discorrem
longamente sobre teoria política,
globalização, terrorismo e a insuficiência das ciências sociais para
responder às transformações sociais, tecnológicas e políticas.
Cristovam pergunta a FHC qual
é o legado da geração deles -ao
que o ex-presidente diz que não
são exatamente da mesma geração, já que é mais velho que o senador. FHC diz que é a redemocratização, mas que o Brasil ainda
"não completou a República em
vários sentidos".
Cristovam propõe um pacto entre os partidos como forma de fazer um "choque social". O tucano
sai pela tangente: "Acho que nós
não devemos falar de pacto porque dá má sorte, está desgastado".
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