São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

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CRISE NO GOVERNO/VIOLAÇÃO DE SIGILO

Encontro se deu no mesmo dia em que ministro da Justiça apresentou advogado a ex-colega

Lula se reuniu com Palocci e Bastos após acerto de defesa

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No mesmo dia em que se reuniram na casa do então ministro Antonio Palocci para definir estratégias de sua defesa, o ministro Márcio Thomaz Bastos e o próprio Palocci estiveram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva até as 22h. Já outros participantes da reunião na casa de Palocci, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso e o advogado Arnaldo Malheiros, seguiram para um encontro com a cúpula da estatal num apartamento da Asa Sul, em Brasília.
Antes de partir para destinos diferentes, Palocci, Thomaz Bastos, Mattoso e Malheiros trataram, no dia 23 de março, da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, conforme revelou a revista "Veja".
Na versão de Malheiros, houve uma discussão genérica sobre o que seria o crime de violação de sigilo. De acordo com ele, não entraram em detalhes, como uma eventual confissão de Palocci de que seria o mandante da violação. Na versão do ministro da Justiça, ele apenas apresentou o advogado criminalista ao então ministro da Fazenda.
No entanto, essas versões se chocam com os bastidores apurados pela Folha a respeito da reunião da noite entre Lula, Thomaz Bastos e Palocci. A partir daquela data, Lula passou a estudar nomes para substituir Palocci e sondou o então presidente do BNDES, Guido Mantega, que assumiria a Fazenda na semana seguinte.
Mais: na noite daquele dia, Thomaz Bastos disse a Lula, na frente de Palocci, que achava que o ministro da Fazenda deveria deixar o governo. Ou seja, há indícios de que o ministro da Justiça tinha mais informações do que apenas as obtidas numa discussão genérica sobre o crime de violação de sigilo, como relata Malheiros.
Na reunião com Lula e Thomaz Bastos, Palocci ficou contrariado, mas reconheceu que perdera "as condições políticas" de permanecer na Fazenda. No entanto, de acordo com a versão de membros da cúpula do governo, ele continuou a negar até o dia de sua demissão, 27 de março, segunda-feira, a autoria da violação e do vazamento do sigilo.

Ordem para Mattoso
A Folha apurou que Palocci deu a ordem para Mattoso violar o sigilo. O então presidente da Caixa entregou o extrato a Palocci no dia 16 de março e esteve na casa do então ministro com Malheiros e Thomaz Bastos no dia 23, uma semana depois.
Ao sair da casa de Palocci, Malheiros e Mattoso seguiram juntos, segundo a Folha apurou, para um apartamento na Asa Sul, em Brasília. Lá, se reuniram com a a vice-presidente de Tecnologia da CEF, Clarice Copetti, o consultor da presidência Ricardo Schumann e o chefe-de-gabinete de Mattoso, Philippe Torelly.
Na versão contada ontem à Folha, o objetivo desse encontro foi reconstituir o processo de extração de dados da conta do caseiro Francenildo Costa na Caixa. Não há relato sobre eventual oferta de dinheiro para que um funcionário da estatal assumisse a responsabilidade pela violação. Reportagem da revista "Veja" diz que essa hipótese foi discutida nessa data e que a oferta seria de R$ 1 milhão. Os supostos envolvidos negam.
A tentativa de suborno realmente aconteceu, segundo disseram à Folha dois funcionários que participaram do acesso aos dados bancários do caseiro. Mas, oficialmente, os funcionários negam que tenham recebido tal proposta.

Detalhes
Conforme a Folha apurou, na reunião na casa de Palocci, ele próprio e Thomaz Bastos estavam preocupados em saber detalhes de toda a operação. Mattoso disse que ele mesmo não dispunha de detalhes, mas iria levantá-los com sua equipe. A violação dos dados ocorrera havia uma semana.
Depois, Mattoso e Malheiros ouviram a descrição de Clarice Coppeti. Ela teria deixado claro que todos os procedimentos estavam registrados pelos equipamentos da Caixa e seriam "facilmente reconstituíveis". Frisou, inclusive, que, àquela altura, a comissão de sindicância da própria instituição já tinha condições de reconstituir toda a operação, passo a passo.
O primeiro a sair foi Malheiros, cerca de 40 minutos depois. Mattoso ainda continuou no apartamento, com os assessores.
Dois dias antes dessa reunião no apartamento da Asa Sul, Copetti recebeu, ao lado de Mattoso, uma comissão de senadores da CPI dos Bingos. Na ocasião, expôs dificuldades para rastrear o acesso aos dados bancários do caseiro.
Uma sindicância fora aberta na Caixa para apurar eventuais responsabilidades. Depois de tentar evitar seu depoimento à Polícia Federal, Mattoso assumiu a responsabilidade pela violação dos dados bancários do caseiro -que prefere classificar de cumprimento de uma rotina burocrática- na segunda-feira, 27 de março, data de sua demissão.
Ontem, os supostos participantes da reunião negaram a presença no encontro ou se recusaram a falar sobre ele. Philippe Torelly afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que não tomou conhecimento da reunião. Clarice Copetti também nega. Ricardo Schumann, que reassumiu ontem o cargo no comando da estatal depois de um período de licença, não respondeu à Folha.

Lula segura ministro
Em reunião ontem da Coordenação de Governo, grupo que reúne os ministros que discutem com o presidente as diretrizes da gestão petista, Lula pediu a eles apoio irrestrito a Thomaz Bastos ao debater a revelação da revista "Veja" desta semana de que o ministro da Justiça foi à casa de Palocci com Malheiros.
Foi decidido que o ministro da Justiça se colocaria à disposição para ir ao Congresso o mais rápido possível. Lula acha que Thomaz Bastos agiu corretamente entre "a solidariedade a Palocci e a firmeza para apurar a violação", segundo expressão ouvida pela Folha ontem no Planalto.
Além da avaliação da situação de Thomaz Bastos, Lula e auxiliares ouviram uma exposição do ministro da Fazenda, Guido Mantega. O novo titular da Fazenda disse que, no auge da campanha eleitoral, a economia estará crescendo a uma taxa de 4% ao ano.
(KENNEDY ALENCAR, ELIANE CANTANHÊDE e MARTA SALOMON)

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