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ANÁLISE
Tucanos largam unidos
FERNANDO DE BARROS E SILVA
COLUNISTA DA FOLHA
Havia uma multidão superlotando o ambiente, o partido
conseguiu dar uma demonstração de união e força política, a
plateia se emocionou e saiu de
lá inflamada. Até parece, mas
não era o PT nem era Lula. O
lançamento da pré-candidatura de José Serra à Presidência,
ontem pela manhã em Brasília,
superou as expectativas dos
próprios tucanos.
"Não prevíamos tanta gente
aqui, nossa estrutura foi quebrada", disse o presidente do
PSDB, senador Sérgio Guerra,
desculpando-se pela desorganização.
Quando Serra tomou a palavra, Aécio havia acabado de fazer um discurso bastante exaltado, conclamando o candidato
a iniciar sua "peregrinação" por
Minas Gerais: "estarei com você onde for preciso", "a sua voz
daqui em diante será a nossa
voz", disse. O grau do engajamento do mineiro provocou
reações de surpresa positiva
em parte dos presentes.
"Eles", disse Aécio, referindo-se ao PT, pensam no partido
antes de pensar no país. E fez
uma relação de omissões históricas dos petistas -do boicote à
eleição de Tancredo Neves ao
boicote do Plano Real.
Fernando Henrique Cardoso
-muito aplaudido e homenageado- já havia trilhado o mesmo caminho, ao criticar "o Brasil que difama o passado e
transforma o presente em golpe de marketing". "Não se governa com ódio nem com desprezo", disse o ex-presidente.
Combinado ou não, os ataques mais duros do que se previa ao rival acabaram preparando o terreno da fala de Serra.
Em torno do mantra "o Brasil
pode mais", o tucano fez um
discurso em que não citou uma
única vez nem Dilma Rousseff,
nem Lula, nem o PT, mas que o
tempo todo os tinha como sujeito ocultos de suas críticas.
"De mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de ricos contra pobres", disse logo
no começo.
A campanha de Dilma já deixou bastante claro que a identificação dos tucanos com os ricos, em oposição ao que seria o
"governo popular" de Lula, é
uma de suas linhas de força.
Ontem, Serra formulou a sua
resposta, como se dissesse: eles
dividem, eu quero unir; eles lutam pela boquinha, eu acredito
no trabalho; eles estimulam a
impunidade, eu defendo a lei.
Sem grandes gestos de comício ou lances de exclamação retórica, Serra usou um bom trecho do discurso falando de sua
vida. No ponto mais emotivo,
piegas mas eficiente, disse que
seu pai, "um homem austero,
severo, digno", "carregava caixas de frutas (no Mercado Municipal) para que um dia eu pudesse carregar caixas de livros".
Dos gargalos da infraestrutura aos problemas de segurança
nas grandes cidades e fronteiras; da saúde à educação e à
economia, Serra acabou falando de tudo um pouco e se estendeu demais. Abusou por vezes da paciência do público, um
formigueiro amarelo e azul que
segurava cartazes e tremulava
bandeirinhas, mas não estava
interessado no "balanço de pagamentos". O saldo final, porém, foi surpreendentemente
positivo.
O PSDB larga mais forte do
que o fez em 2002 e 2006. Mas
também tem no governo Lula
um adversário gigantesco para
enfrentar. Serra (em homenagem a Aécio, talvez) encerrou
com uma citação do "Grande
Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa: "O correr da vida
embrulha tudo. A vida é assim:
esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da
gente é coragem". E, acreditem,
até o jagunço Riobaldo foi intensamente aplaudido.
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