São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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ANÁLISE

Tucanos largam unidos

FERNANDO DE BARROS E SILVA
COLUNISTA DA FOLHA

Havia uma multidão superlotando o ambiente, o partido conseguiu dar uma demonstração de união e força política, a plateia se emocionou e saiu de lá inflamada. Até parece, mas não era o PT nem era Lula. O lançamento da pré-candidatura de José Serra à Presidência, ontem pela manhã em Brasília, superou as expectativas dos próprios tucanos.
"Não prevíamos tanta gente aqui, nossa estrutura foi quebrada", disse o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, desculpando-se pela desorganização.
Quando Serra tomou a palavra, Aécio havia acabado de fazer um discurso bastante exaltado, conclamando o candidato a iniciar sua "peregrinação" por Minas Gerais: "estarei com você onde for preciso", "a sua voz daqui em diante será a nossa voz", disse. O grau do engajamento do mineiro provocou reações de surpresa positiva em parte dos presentes.
"Eles", disse Aécio, referindo-se ao PT, pensam no partido antes de pensar no país. E fez uma relação de omissões históricas dos petistas -do boicote à eleição de Tancredo Neves ao boicote do Plano Real.
Fernando Henrique Cardoso -muito aplaudido e homenageado- já havia trilhado o mesmo caminho, ao criticar "o Brasil que difama o passado e transforma o presente em golpe de marketing". "Não se governa com ódio nem com desprezo", disse o ex-presidente.
Combinado ou não, os ataques mais duros do que se previa ao rival acabaram preparando o terreno da fala de Serra. Em torno do mantra "o Brasil pode mais", o tucano fez um discurso em que não citou uma única vez nem Dilma Rousseff, nem Lula, nem o PT, mas que o tempo todo os tinha como sujeito ocultos de suas críticas. "De mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de ricos contra pobres", disse logo no começo.
A campanha de Dilma já deixou bastante claro que a identificação dos tucanos com os ricos, em oposição ao que seria o "governo popular" de Lula, é uma de suas linhas de força. Ontem, Serra formulou a sua resposta, como se dissesse: eles dividem, eu quero unir; eles lutam pela boquinha, eu acredito no trabalho; eles estimulam a impunidade, eu defendo a lei.
Sem grandes gestos de comício ou lances de exclamação retórica, Serra usou um bom trecho do discurso falando de sua vida. No ponto mais emotivo, piegas mas eficiente, disse que seu pai, "um homem austero, severo, digno", "carregava caixas de frutas (no Mercado Municipal) para que um dia eu pudesse carregar caixas de livros".
Dos gargalos da infraestrutura aos problemas de segurança nas grandes cidades e fronteiras; da saúde à educação e à economia, Serra acabou falando de tudo um pouco e se estendeu demais. Abusou por vezes da paciência do público, um formigueiro amarelo e azul que segurava cartazes e tremulava bandeirinhas, mas não estava interessado no "balanço de pagamentos". O saldo final, porém, foi surpreendentemente positivo.
O PSDB larga mais forte do que o fez em 2002 e 2006. Mas também tem no governo Lula um adversário gigantesco para enfrentar. Serra (em homenagem a Aécio, talvez) encerrou com uma citação do "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa: "O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem". E, acreditem, até o jagunço Riobaldo foi intensamente aplaudido.


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