São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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ELIO GASPARI

A Febraban teve um apagão moral de 24 horas


O Rio estava de joelhos e a banca informou aos cariocas que cobraria a multa-inundação


O PRESIDENTE da Federação Brasileira de Bancos, Fábio Barbosa (Santander), e seus dois vice-presidentes, José Luiz Acar (Bradesco) e Marcos Lisboa (Itaú Unibanco), deveriam marcar um almoço para responder à seguinte pergunta: "Que tal fecharmos nossa quitanda?"
O Rio estava de joelhos (a sede da guilda fica em São Paulo), os mortos já beiravam a centena, os desabrigados eram milhares, e a Febraban emitiu uma nota oficial informando o seguinte:
"Somente em caso de decretação de calamidade pública é que os bancos poderão receber contas atrasadas sem cobrar os juros de mora estabelecidos pelas empresas que emitiram os títulos e boletos de cobrança." (Havia a calamidade, mas faltava o decreto.)
Nenhuma palavra de pesar, muito menos misericórdia. Recomendavam aos clientes que usassem o telefone, a internet ou recorressem aos caixas eletrônicos, sem explicar como chegar a eles. Centenas de agências bancárias estavam fechadas.
Exatas 24 horas depois, a Febraban voltou atrás. Aliviou as multas, os juros e ofereceu os serviços dos bancos para orientar as vítimas que porventura já tivessem sido mordidas.
Recuou com a mesma arrogância da véspera. Nenhuma palavra de pesar. Ao contrário. Em tom professoral, a guilda dos banqueiros ensinou: "Cabe lembrar que a cobrança é um serviço que os bancos, sob contrato, prestam às empresas titulares dos valores a serem pagos". Se é assim, por que recuou?
A Febraban deve ser fechada porque, tendo sido criada para defender os interesses de uma banca que gostava da sombra, tornou-se um ativo tóxico. Numa época em que as grandes casas de crédito gastam fortunas para divulgar seus compromissos com a sociedade, a Febraban arrastou-as para um apagão moral.
Há uma diferença entre banqueiro e usurário. Amadeo Giannini, por exemplo, era banqueiro. Em 1906, logo depois do terremoto e do incêndio de San Francisco (3.000 mortos), ele foi ao cofre de sua pequena casa bancária, tirou cerca de US$ 40 milhões (em dinheiro de hoje) e montou uma bancada no meio da rua. Enquanto os magnatas de colarinho engomado fechavam suas agências, Giannini concedia empréstimos, pedindo apenas a garantia de um aperto de mão. Ele morreu em 1949, rico, famoso e respeitado, dono do Bank of America. Pelas suas memórias, recebeu de volta até o último centavo. Na terça-feira, não havia banqueiro na Febraban.

DINHEIRO, HÁ
O prefeito Eduardo Paes pediu R$ 270 milhões ao governo federal para acabar com o alagamento da praça da Bandeira.
Faria melhor destinando à prevenção de enchentes os R$ 120 milhões que separou para gastar em publicidade. Depois, pediria ao governador Sérgio Cabral que lhe desse R$ 150 milhões do ervanário de R$ 180 milhões que pretende encharcar em propaganda. Secaria a praça e sobrariam R$ 30 milhões.

COTAS
Um novo manifesto defendendo as cotas nas universidades públicas brasileiras. No gênero, é inovador. Em vez de partir de um texto coletivo, subscreve o parecer apresentado pelo historiador Luiz Felipe de Alencastro na audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal, em cuja pauta está a discussão da constitucionalidade da iniciativa. Até agora o manifesto recebeu a adesão de 103 professores de universidades, na sua maioria especialistas em história da escravidão e do período posterior à abolição. Entre eles: João José Reis ("Rebelião Escrava no Brasil"), Manuela Carneiro da Cunha ("Negros, Estrangeiros: Os Escravos Libertos e sua Volta à África"), Lilian Schwarcz ("O Espetáculo das Raças"), Flávio Gomes ("A Hidra e os Pântanos") e Sidney Chalhoub ("Machado de Assis, Historiador").
É um texto longo, com 3.600 palavras. Alencastro, que leciona na Sorbonne, descreve o aparelho da escravidão e a estrutura do contrabando em que se assentou o tráfico a partir de 1818. Na segunda metade do trabalho, contesta a arguição de inconstitucionalidade das cotas, interposta pelo DEM. Vale mais lê-lo na internet do que resumi-lo.

DESFEITO O MISTÉRIO, MAXWELL ESTAVA CERTO
A turma do National Security Archive, instituição dedicada à pesquisa de documentos do governo americano, encontrou o elo perdido para entender a conduta do então secretário de Estado Henry Kissinger diante da Operação Condor, às vésperas do assassinato do ex-chanceler chileno Orlando Letelier, em setembro de 1976.
Letelier vivia em Washington e foi morto a poucos quilômetros da Casa Branca, quando seu carro explodiu. A bomba foi colocada por um agente do serviço secreto chileno, mas restava um mistério: o crime poderia ter sido impedido?
A CIA descobrira a Operação Condor e informara ao Departamento de Estado que se tratava de um esquadrão da morte montado por ditaduras latino-americanas para exterminar oposicionistas que viviam no exílio.
O secretário-assistente de Estado para a América Latina, Harry Shlaudeman (que mais tarde viria a ser embaixador no Brasil), levou o caso a Kissinger e, no dia 18 de agosto, ele determinou que os embaixadores americanos no Chile, no Uruguai e na Argentina buscassem um contato "no mais alto nível" para denunciar e condenar a organização. Dois embaixadores refugaram. Shlaudeman queria insistir, mas, inexplicavelmente, no dia 20, uma segunda-feira, ele próprio cancelou as gestões. Na terça, o carro de Letelier explodiu.
Em 2004, o professor Kenneth Maxwell, autor de "A Devassa da Devassa", obra clássica sobre a Inconfidência Mineira, publicou na revista "Foreign Affairs" uma resenha do livro "O Dossiê Pinochet", de Peter Kornbluh, mencionando a intimidade de Kissinger com as ditaduras latino-americanas. Maxwell dirigia o programa latino-americano do Council on Foreign Relations, que publica a revista, e foi contestado por uma carta. Como não lhe foi dado o direito de réplica, demitiu-se do Council, indo para Harvard.
O mistério persistia. Os amigos de Kissinger defendiam-no, argumentando que ele "não teve nada a ver" com o telegrama de Shlaudeman de 20 de agosto. Maxwell sustentou por seis anos que o embaixador jamais revogaria uma ordem de Kissinger a seu bel-prazer. Pedia, sem sucesso, que o ex-secretário de Estado esclarecesse a questão.
O elo perdido foi achado no meio de dezenas de milhares de telegramas oficiais. Datado de 16 de setembro e expedido pela embaixada em Zâmbia, onde estava Kissinger, foi curto: "A respeito desse assunto não devemos tomar novas iniciativas".
Foi Kissinger quem cancelou as gestões. Agora a dúvida será outra, eterna: se Pinochet tivesse recebido o recado americano, a bomba teria explodido?


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