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ENTREVISTA
JOSÉ SERRA
A pior coisa é você parecer o que não é; tenho uma cara só
Tucano diz ter "conteúdo popular", mas admite que não é conhecido pela origem humilde; na segunda candidatura, diz estar mais preparado para presidir o país
ENTRE as reminiscências de infância do
pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, 68 anos recém-completados,
aparecem imagens de caldeiras industriais do bairro paulistano da Mooca, a banca de frutas que o pai, Francesco, tinha no Mercado Municipal, a fila do pão na época da guerra e o futebol na rua
com os amigos. "Nasci e cresci num bairro operário",
faz questão de pontuar. No entanto, reconhece, não é
visto como um político "popular", de trajetória humilde. Ainda assim, prefere não investir numa mudança de tom. "Não fico me programando muito
porque a pior coisa é querer ser o que você não é.
Tenho que ser como sou. Prefiro ter uma cara só."
Às vésperas de iniciar sua segunda campanha
presidencial em oito anos, Serra afirma que seu
pensamento sobre o Brasil mudou pouco desde
que iniciou a carreira política, nos anos 60, no movimento estudantil, mas se diz mais preparado para governar o país.
Joel Silva/Folha Imagem
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José Serra, pré-candidato do PSDB, no Palácio dos Bandeirantes; ao fundo, retrato de RodriguesAlves, que foi governador de São Paulo e presidente da República
VERA MAGALHÃES
EDITORA DE BRASIL
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Embora ainda evite entrar
em polêmica com a candidata
do PT, Dilma Rousseff, e discorrer detalhadamente sobre
economia, Serra diz que pregará o "ativismo estatal" na campanha e defende um modelo de
desenvolvimento que privilegie
o "dinamismo industrial".
Também escapa da comparação entre os governos FHC
-no qual ocupou as pastas do
Planejamento e da Saúde- e
Lula. "Quem vai julgar o governo do Fernando Henrique é a
história. Quem vai julgar o governo Lula é a história." Serra
conversou com a Folha por
mais de uma hora na quinta à
noite, no Palácio dos Bandeirantes, depois de solenidade
em homenagem ao presidente
do Chile, Sebastián Piñera.
FOLHA - O sr. disputará a Presidência pela segunda vez. Em que mudou de 2002 para 2010?
JOSÉ SERRA - De lá para cá, eu
aprendi mais. Foi uma derrota
na campanha presidencial de
2002, mas uma derrota sem sabor amargo, o que foi bom. Mas
foi algo que marcou minha vida. Depois de um ano refletindo, em que fiquei fora, houve a
Prefeitura de São Paulo, e depois o governo do Estado,
aprendi muito mais. Não é que
não me sentisse preparado em
2002, é que hoje me sinto mais.
FOLHA - Mudou algo nas suas relações políticas?
SERRA - Minha relação era boa,
como é hoje. Na Constituinte,
fui o parlamentar que aprovou
a maior proporção de emendas.
Não era só por ter boas ideias.
Mas porque sabia articular, negociar. No Ministério da Saúde,
consegui aprovar seis projetos
de lei e uma emenda, até com
apoio da oposição. Aprendi a
conviver e negociar desde o
movimento estudantil, não
transigindo exageradamente.
FOLHA - Como assim?
SERRA - Tem-se que lidar com
diversidade de interesses. Então tem que procurar somar,
sem trair o que você é. Na política, você sempre anda num fio
de navalha. De um lado, tem a
traição, a negação dos princípios, o oportunismo. Do outro
lado, você tem a intransigência.
Você tem que procurar o equilíbrio que componha seus princípios com a busca de apoio.
FOLHA - Da esquerda à direita, onde o sr. se posicionaria no início da
sua trajetória política e hoje?
SERRA - Acho que essa divisão
entre direita e esquerda é cada
vez menos prática e significativa. Na época de estudante, estava bem à esquerda. Mas, dentro
da Ação Popular, eu era do centro. No MDB, PMDB, era da esquerda. Quando o PSDB começou, eu era do centro à direita.
Depois, fiquei à esquerda do
PSDB, sem ter mudado muito.
A visão que tenho hoje não é diferente da que tinha na Constituinte a respeito do Brasil. Tenho as ideias mais ou menos
parecidas, mas cada circunstância é diferente no tempo.
FOLHA - O sr. era presidente da
UNE em 1964, quando houve o golpe militar, e foi exilado, mas não
participou de luta armada. Por quê?
SERRA - Antes de 64, quando eu
era líder ativo, não tinha nada
de luta armada. Nem de estilingue. Aquilo que se diz, de subversão, dou meu testemunho
de quem viveu e conhecia: não
existia. Na época, as entidades
estudantis tinham muito mais
peso específico e força relativa
do que hoje. Depois de 64, nunca estive a favor de uma estratégia de luta armada. Achava
que só ia terminar radicalizando o regime e a repressão.
FOLHA - Era contra por uma questão tática ou filosófica?
SERRA - Pelas duas coisas. Nunca tive apreço pela violência.
FOLHA - O sr. é da Mooca, seu pai
era feirante, mas essa origem não é
associada a sua imagem política.
SERRA - Meu pai não era feirante. Ele tinha uma banca no
Mercado Municipal. Mas o padrão de vida era semelhante.
Não sei. É curioso. Um dia perguntei a duas jornalistas: "Vocês acham que meu pai era o
quê?". Responderam: "Seu pai
era um juiz, um empresário".
FOLHA - Talvez pelo fato de o sr.
não ter um estilo popular.
SERRA - Tenho conteúdo popular. Além do mais, não tenho a
menor dificuldade de relacionamento com o povo e com as
pessoas. Mas não fico me programando muito porque a pior
coisa é querer ser o que você
não é. Tenho que ser como sou.
Prefiro ter uma cara só. Não fico ensaiando isso. Quem convive comigo sabe que sou bem-humorado, engraçado... Não tenho a menor dificuldade nas
ruas, com as crianças. O grande
desafio é aparecer tal como sou.
FOLHA - Tem aliados seus que defendem uma mudança de estilo,
que o sr. deveria falar com emoção.
SERRA - Mas eu falo com emoção. Quando estou emocionado. Sou realmente tímido. O
teatro ajudou a vencer um pouco. Facilitou a comunicação. Na
escola, os professores todos
achavam que seria político.
FOLHA - Quando passou pela sua
cabeça pela primeira vez o desejo de
ser presidente da República?
SERRA - Não tenho claro. Amigas de minha mãe dizem que falava isso desde pequenininho.
Confesso que tenho dúvidas.
Não sei. Às vezes, as pessoas
misturam. Mas desde muito
tempo. Desde criança, já pensava em me envolver na política.
FOLHA - Por quê?
SERRA - Era uma coisa natural.
Algo prazeroso. Para mim, a política é uma atividade prazerosa. Não é pelo brilho, pelo prestígio, pela badalação. É prazerosa quando te permite fazer
acontecer as coisas, genuinamente. Foi assim no movimento estudantil. Depois, no governo Montoro, na Constituinte,
no Ministério do Planejamento. Na Saúde, principalmente,
porque havia uma margem para inovação imensa. Minha decisão de ser ministro da Saúde
foi difícil. Não veio a público,
mas foi difícil, porque era uma
área muito complicada. Quando é que eu decidi? No momento em que me ficou claro o seguinte: vou para lá, posso não
consertar tudo, mas a população vai ver que eu estou do lado
dela, autenticamente. Mais que
as coisas concretas, tinha alguém que estava ao lado dela
por um melhor atendimento,
uma coisa mais decente.
FOLHA - Consta que ser candidato
a prefeito em 1996 e em 2004 também não foram decisões pacíficas...
SERRA - Não é que não era pacífico. Inicialmente, não queria
mesmo. Não é por temer dar errado. Às vezes, você não está
muito a fim. Olhando a posteriori, 96 foi um erro, mas 2004
foi um acerto. Não só por causa
dos resultados, porque 2002 foi
um acerto. Não tive hesitação.
Num processo eleitoral, você
tem derrotas ruins e derrotas
boas. Claro que derrota é derrota, mas depende de como acontece. Disputei oito eleições: ganhei cinco e perdi três. Duas
das que perdi não foram derrotas amargas: para prefeito em
88 e para presidente.
FOLHA - Por que o sr. hesitou mais
quando decidiu deixar a prefeitura
em 2006 do que agora?
SERRA - Hesitei mais? Porque
era muito pouco tempo de prefeitura. Aqui não. Não há sensação de gestão incompleta: 39
meses é bastante. E todo mundo tem consciência de que está
nos trilhos. Lá, eram só 15 meses. Acho que a cidade ganhou
com isso. Com tudo que eu tinha assimilado a respeito da cidade, e com a minha equipe que
ficou e o entendimento com o
Kassab, fizemos muita coisa.
FOLHA - O sr. diz que seu pensamento sobre o Brasil mudou pouco.
E o Brasil, em que mudou?
SERRA - O Brasil mudou muito.
Da Nova República para cá, se
afirmou o processo democrático, o período mais longo de democracia da nossa história, democracia de massas. Não se sonha, não se cogita intervenção
militar. A Constituição pode ter
lá seus defeitos, mas avançou
muita coisa em matéria de liberdades, em matéria cultural.
Ou na área social. Porque, ao
fim e ao cabo, foi a nova Constituição que criou o SUS, que é
talvez a principal conquista do
povo brasileiro em matéria social no pós-guerra.
Depois teve derrota da superinflação, que parecia impossível, depois de quase 15 anos.
Realmente, foi uma conquista e
tanto do país. Teve coisas importantes como a responsabilidade fiscal, o fortalecimento financeiro do ensino básico, a diminuição forte da inflação e
uma retomada do crescimento.
FOLHA - Já dá para falar em um ciclo virtuoso de crescimento?
SERRA - Ainda não se tem elementos para achar que esse
crescimento está garantido para adiante. Temos que dar luta
para isso. Por isso que eu disse
que o país pode mais. Pode
manter esse crescimento e
crescer. Fala-se que o Brasil
saiu bem da crise. Depende da
referência. Saiu bem comparativamente aos países desenvolvidos e até a alguns outros em
desenvolvimento. Mas você teve do outro lado a China e a Índia, que tiveram altas taxas de
crescimento. Não há razão da
natureza para o Brasil não ter
um desempenho semelhante,
ou pelo menos mais próximo,
ao de Índia e China. Precisa ter
as políticas adequadas.
FOLHA - Quando o sr. faz esse inventário das conquistas da Nova República para cá, divide os méritos por
todos os presidentes do período?
SERRA - São incomparáveis os
períodos, porque cada um deles
governou em situações diferentes. Quem vai julgar o governo
do Fernando Henrique é a história. Quem vai julgar o governo Lula, anos depois que ele
não estiver mais em posição de
poder, é a história. O tema da
eleição deste ano é o futuro,
não o passado. É quem vai ser
eleito e que capacidade tem para tocar o Brasil para a frente.
Isso é óbvio, claro, transparente. O resto é estratégia eleitoral.
FOLHA - O sr. se definiria como desenvolvimentista?
SERRA - Acho que essa distinção entre gente preocupada
com o desenvolvimento e gente
preocupada com a estabilidade
é muito simplista. Eu diria tola.
Não faz muito sentido. A estabilidade é uma condição para o
crescimento. É uma condição
necessária, mas não suficiente.
FOLHA - Esse foi o embate entre o
sr. e Pedro Malan no governo FHC?
SERRA - É um período muito
recente para ser analisado. Havia diferenças, evidentemente.
Mas nunca houve uma época da
minha vida pública em que tivesse havido tanto folclore
quanto aquela. A campeã de todas. Sempre nos demos bem,
nos damos bem até hoje.
FOLHA - O sr. foi contra o Plano
Real? Qual foi sua participação?
SERRA - Logo que o Fernando
Henrique assumiu o Ministério
da Fazenda, fiz um trabalho
ajudado pelo Martus [Tavares]
e pelo José Roberto [Afonso],
meus assessores na época, para
enfrentar o descontrole fiscal.
Depois, participei no segundo
semestre de 1993 de discussões
sobre o plano propriamente de
estabilização, com base em modelos esquematizados pelo André Lara Resende e pelo Pérsio
Arida, com participação do
Gustavo Franco. Dei a cobertura que podia. Agora, eu tinha
dúvida sobre se ia dar certo no
meio da eleição. É aquela coisa
de o besouro voar: voa, mas você fica com dúvida, do ponto de
vista da aerodinâmica. Muita
gente da equipe também tinha
dúvida sobre fazer naquele momento, queria adiar.
FOLHA - O sr. vai pregar na campanha o Estado ativo. O que significa?
SERRA - É o ativismo estatal,
ativismo governamental, em
contraposição ao Estado do
passado, que se associou a um
forte período de expansão da
economia brasileira. De 1930 a
80 nós fomos uma das economias que mais cresceram no
mundo. Agora, este é um modelo que se esgotou, e, em contraposição a ele, não se deve pensar no Estado da inércia, da improdutividade. O Estado deve
ser forte, não obeso. Forte em
seu papel de cumprir as funções básicas e ativar o desenvolvimento, a justiça social e o
bem-estar da população. E eu
defendo um Estado ativo. Minha trajetória é marcada por
grande ativismo estatal-governamental, mas não estatização.
FOLHA - Qual é o modelo de desenvolvimento que o sr. prega hoje?
SERRA - Temos três modelos de
desenvolvimento que estão
postos. O primeiro é voltar à
economia primária exportadora -com um pouco mais de valor agregado, mas ainda assim
primária exportadora. O segundo é o da chamada economia de serviços, que prega que a
indústria já foi. O primeiro não
tem condições de gerar empregos num país com 200 milhões
de habitantes como é o Brasil.
O segundo é uma bobagem,
porque os serviços são importantes, têm valor adicionado,
mas se desenvolvem a partir de
uma economia industrializada.
O terceiro é um modelo industrial competitivo, não fechado,
como no passado. É o único
modelo capaz de gerar empregos e crescimento sustentado.
O problema é que o Brasil está
caminhando para o primeiro
modelo, e eu acho isso errado.
Não é que não tenha de exportar recursos primários, mas o
Brasil tem um tamanho, uma
dotação de recursos naturais e
uma população que lhe permitem se desenvolver em várias
direções. É um país agrícola, industrial, pode exportar produtos primários e mais elaborados. Esse é o grande desafio.
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