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Agricultores temem volta de ameaça e tensão a Anapu
Moradores de lote criado por freira prevêem aumento de conflito e mais mortes
Ex-presidente de Sindicato Rural diz que repercussão da morte de Dorothy não reduz possibilidade de novo crime causado por disputa agrária
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A ANAPU (PA)
Na última terça-feira, em Belém, quando o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida,
foi absolvido da acusação de
mandar matar a freira Dorothy
Stang, a cerca de 750 km dali,
em Anapu, oeste do Pará, fogos
de artifício foram estourados
por outros fazendeiros e simpatizantes do acusado.
Mas a 56 km da cidade, no
PDS Esperança, pequenos agricultores pressentiram que,
com essa decisão do Tribunal
do Júri, a tensão e o medo devem novamente dominar a região, como na época anterior ao
assassinato da missionária.
PDS é a sigla de Projeto de
Desenvolvimento Sustentável,
que irmã Dorothy idealizou e liderou naquela região, como
proposta de assentar famílias
em pequenos lotes de terra.
A disputa pela posse das terras -das quais fazendeiros, entre eles Bida, se consideravam
proprietários- era o principal
motivo das ameaças contra a
vida da religiosa.
Só depois da repercussão internacional do assassinato de
Dorothy, em fevereiro de 2005,
o Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária) conseguiu a emissão de
posse da área, decisão favorável
aos moradores do PDS. Mas Bida e outros fazendeiros continuam recorrendo da decisão.
Agora, com Bida inocentado
pelo Tribunal do Júri, os moradores do PDS acham que a
anunciada volta do fazendeiro
à região trará consigo o recrudescimento da tensão.
"Ele vai vir buscar as terras
dele. Vai chegar e fazer o que
der vontade", afirma o agricultor e artesão Antônio Dias dos
Reis, 34. Ele diz que, já antes da
morte de Dorothy, sofria ameaças para desocupar uma área
que hoje faz parte do PDS.
O PDS fica no lote 55 da gleba
Bacajá, na remota área rural de
Anapu. A Folha esteve no local
na sexta-feira e ouviu 15 moradores. Todos eles disseram ter
medo. Reis estava tão ansioso
com a decisão do Tribunal do
Júri de Belém na terça que chegou a comprar um rádio velho
para ouvir a transmissão do
julgamento. "Quando fiquei sabendo [da absolvição de Bida],
tive vontade de ir embora, procurar outro lugar para mim."
Como as outras 12 famílias
do PDS, ele quase não tem renda. Sobrevive do que planta:
banana, arroz e feijão.
A produção não cresce, pois
falta infra-estrutura. Não há
energia nem água encanada na
maioria das casas. A estrada
que vai até Anapu é de terra batida e fica intransponível quando chove, o que é freqüente.
O isolamento é outro fator
que aumenta o temor. "Tenho
medo de que aconteça comigo
o que aconteceu com ela [Dorothy]", disse Lucivânia Rodrigues, 28, que reside na área
desde meados de 2005.
Lucivânia contou que, quando Bida foi absolvido, sua filha
de 12 anos lhe perguntou: "Ih,
mãe, o que vai ser da gente?"
Lucivânia disse que respondeu:
"Tem que ter fé em Deus".
Um dos poucos que dizem
não ter medo é Raimundo de
Souza Sales, que afirma "estar
pronto para morrer brigando"
com Bida. "Se ele vier aqui, eu
como o cérebro dele", diz o
agricultor de 50 anos.
Gabriel Domingos, 46, ex-presidente do Sindicato Rural,
diz que a repercussão internacional da morte de Dorothy
não reduz a possibilidade de
um novo crime motivado pelo
conflito agrário no Pará. "Uma
coisa é matar uma líder como a
Dorothy. Outra é matar um
desconhecido. No final, até a
gente esquece."
A reportagem foi até a Prefeitura de Anapu e até a casa do
prefeito Luiz dos Reis (PTB),
mas não conseguiu contatá-lo.
Segundo moradores da cidade,
o prefeito recebeu apoio de Bida durante a campanha eleitoral. A Folha não encontrou nenhum grande proprietário rural da região para comentar a
decisão que libertou Bida.
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