São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PRIVATIZAÇÃO
Unindo visão empreendedora e um pouco de superstição, Benjamin Steinbruch vira 'homem de US$ 10 bi'
Era tucana gera primeiro megaempresário


IGOR GIELOW
da Reportagem Local


Quando o maior cheque da história do país, de R$ 3,2 bilhões, caiu nas mãos do governo federal na sexta-feira, consolidou-se não só a venda da Companhia Vale do Rio Doce.
Saiu também da casca o primeiro megaempresário gestado no ninho da era tucana: Benjamin Steinbruch, o "homem de US$ 10 bilhões" -soma dos faturamentos da Vale, CSN e Vicunha, os principais negócios a que está associado.
Aos 43 anos, Steinbruch é visto por amigos e detratores como um homem de negócios adepto dos códices de administração que têm em "globalização" e "parcerias" seus principais verbetes.
Ao coordenar a compra da maior estatal posta à venda pelo país até hoje, ele confirmou sua condição de maior herdeiro do crescente desmonte do Estado empresarial brasileiro.
A Vale, embora a mais espetacular, não foi, como se sabe, sua primeira incursão nos leilões de privatização -nem será a última.
Rumores de mercado dão como certa sua presença na disputa pelas Centrais Elétricas de São Paulo (Cesp), suculenta fatia do programa de privatização paulista, a ser leiloada em 1998.
Tudo começou em abril de 1993, quando o tradicional grupo têxtil Vicunha comprou quase 10% das ações da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional).
Um dos principais executivos da Vicunha, Steinbruch encastelou-se no Conselho de Administração da CSN e começou a preparar seu próximo lance.
Tratava-se de empreender uma reformulação total da empresa e preparar o caminho para arrematar a Vale.
Para tanto, enfrentou o então moribundo Bamerindus, também condômino da CSN. Segundo um dos principais executivos do banco paranaense à época, Steinbruch era "osso duro de roer" nas negociações sobre os rumos da siderúrgica. Mas, frisa, nunca levantou a voz em uma reunião.
Em 1995 veio o golpe final. Depois de tentar entronar na presidência do grupo Marcos Jacobsen, o Bamerindus jogou a toalha. Vendeu seus 9% de participação na CSN -4% para a Vicunha.
Know-how
Em maio do ano passado, a CSN e a Vicunha abocanharam parte da Light, a empresa de distribuição de energia do Rio. Era o know-how que faltava para a disputa pela Vale.
"O Benjamin sempre foi uma pessoa que tomou decisões na hora certa. E apostava na intuição", diz Maria Sílvia Bastos Marques, 40, considerada um dos "braços direitos" do empresário.
Ela ocupa uma das quatro diretorias-superintendências da CSN há um ano, após deixar a Secretaria da Fazenda do pefelista César Maia na Prefeitura do Rio.
"Eu não entendia nada de aço e estava grávida de quatro meses (de gêmeos) quando fui contratada. Mas ele disse que me queria porque acreditava na chance de reestruturar a CSN em novas bases."
A divisão de trabalho é uma das marcas registradas de Steinbruch.
Dividindo seu tempo entre Rio e Higienópolis, bairro da região central de São Paulo, o empresário viu na associação constante a chave para cacifar suas participações na privatizações.
Conseguiu: obteve o maior empréstimo privado da história brasileira, quando o NationsBank injetou R$ 1,2 bilhão para bancar o consórcio que comprou a Vale.
Para Paulo Renato Marques, que cuida das relações de mercado da CSN há três anos, isso prova a condição de "entrepeneur" do chefe.
A identificação com o poder tucano não é apenas retórica.
Steinbruch é amigo há vários anos de Paulo Henrique Cardoso, o filho mais velho do presidente da República.
Até fevereiro, empregava o "primeiro-filho" na Diretoria de Comunicação e Marketing da CSN. Agora, Paulo Henrique está na Light.
Em São Paulo, a família Steinbruch (Benjamin, casado há cinco anos com Carolina e pai de três filhos) é conhecida pela discrição.
Avesso a badalações, frequenta estréias de teatro e leilões chiques de cavalos acompanhado de expoentes do tucanato paulista.
Entre eles, David Zylberstajn (secretário estadual de Energia e "primeiro-genro", casado com Beatriz Cardoso). E Andrea Matarazzo (presidente da Cesp), amigo há mais de 20 anos e frequente conselheiro.
Nuances
Mas a formação de Steinbruch contradiz, às vezes, a "modernidade tucana".
Seguiu os preceitos do investimento total na família, característico da formação judaica dada por seu pai, o mitológico Mendel Steinbruch (1925-1994).
Mendel formou, juntamente com a família Rabinovich, o grupo Vicunha. Criou o filho dentro da empresa, à sua sombra, enquanto Steinbruch ia virando ex-aluno do Colégio Rio Branco com notas variando entre 7,0 e 8,0 e administrador formado pela Fundação Getúlio Vargas.
Aos 20 anos, começou a trabalhar de fato. Quatorze anos mais tarde, começou a ganhar notoriedade dentro do negócio familiar, idealizando a famosa campanha publicitária "Expresso Brasil", reunindo personagens de Dias Gomes na TV.
Daí em diante foi designado pelo pai para cuidar de tudo que fosse novo na Vicunha. Tocou um bem-sucedido banco de negócios, o Fibra, e dirigiu a divisão fabricante da marca Lee.
O irmão, Ricardo, ficou junto aos Rabinovich na parte puramente têxtil do negócio.
'Pão-duro'
Essa premissa tradicionalista, a da formação dentro de uma empresa familiar e sob os auspícios do pai, combinada à receita tucana, ajuda a entender a fama de "pão-duro" de Steinbruch -o próprio FHC é notório "unha-de-fome".
Amigo de tempos de faculdade e adversário ideológico na compra da Vale, o petista Aloizio Mercadante lembra um episódio revelador.
"Há cinco anos, em Salvador, meu filho Pedro achou no Mercado Modelo US$ 300. Ficou com US$ 100, deu US$ 100 para a irmã e outros US$ 100 para o avô. Benjamin estava por perto e disse: 'Tudo errado, Pedro. Você deveria ter guardado os US$ 300, investido e dividido com a irmã e o avô só os lucros"'.
Para o deputado federal do PT, isso não impede Steinbruch de ser uma pessoa generosa. "Ele é simples e muito, muito humano no trabalho", atesta a "braço direito" Maria Sílvia.
Além de simples e "pão-duro", o novo megaempresário brasileiro é um homem supersticioso. Não começa nenhum negócio ou atividade às segundas-feiras. "Eu tive que começar a trabalhar na terça", lembra Maria Sílvia.
E não tira, em momentos difíceis, uma gravata que os funcionários e amigos crêem ser do pai.
Pode até ser bobagem, mas Steinbruch saiu do quase-anonimato para a condição de "homem de US$ 10 bilhões" semana passada vestindo a mesma gravata.


Colaboraram João Batista Natali, Silvana Quaglio e Antonio Carlos Seidl, da Reportagem Local



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã