São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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CAMPO MINADO

Reintegração de área perto do local do massacre de 96, ocupada por 1.200 famílias do MST, ainda não foi cumprida

Eldorado do Carajás teme nova tragédia

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A ELDORADO DO CARAJÁS

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ergueu um acampamento gigante -com 1.200 famílias, escola e duas igrejas evangélicas- a apenas 12 km do local no sul do Pará onde 19 sem-terra foram mortos pela Polícia Militar do Estado, em 17 de abril de 1996, no massacre de Eldorado do Carajás.
As famílias estão acampadas dentro da fazenda Peruano, na margem da rodovia em que aconteceram as mortes, a PA-150, a cerca de 80 km de Marabá.
A invasão se deu no último dia 17 de abril, quando se completaram oito anos do massacre, e recebeu o nome de Lourival Santana, um dos mortos no episódio.
O proprietário da fazenda Peruano, Evandro Mutran, obteve uma liminar judicial para a reintegração de posse dois dias depois da invasão, mas a decisão ainda não foi cumprida. As autoridades temem repetir o confronto de 1996, que deixou ainda 81 feridos (69 sem-terra e 12 policiais).
De acordo com a advogada do proprietário da fazenda, Marli Tronchetti, a Polícia Militar de Marabá alega que só agirá com ordem do governador Simão Jatene (PSDB), em razão do grande número de acampados. Em 1996, o massacre ocorreu após determinação do então governador Almir Gabriel (PSDB) para a desobstrução da estrada (leia abaixo).
A advogada afirma que entrará na Justiça com um pedido de intervenção federal no Estado, pois seu cliente tem três fazendas que estão ocupadas pelo MST e, em nenhuma delas, a liminar de reintegração de posse foi cumprida.
O governo do Pará informou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que a ordem de desocupação da fazenda Peruano não foi cumprida a pedido da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Terra, formada pela Câmara e pelo Senado, que investiga os conflitos agrários. E também por causa de um acordo com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Ocupação simbólica
De acordo com Charles Troca- tte, que é membro do diretório nacional do MST e está baseado em Marabá, o acampamento da fazenda Peruano foi planejado para ter visibilidade e é o maior do Estado do Pará. Nos três meses que antecederam a invasão, parte das famílias ficou alojada próximo de Eldorado do Carajás, para o que ele chamou de ""processo de acumulação de forças".
Segundo Trocatte, trata-se da ação de maior impacto do MST no Sul do Estado nos últimos oito anos, por causa da localização simbólica -próxima ao memorial do massacre- e das características da propriedade ocupada.
A fazenda Peruano, de acordo com seu proprietário, tem 7.500 hectares de extensão, 16.500 cabeças de gado e é especializada em transferência de embriões e inseminação artificial para a melhoria genética de espécies das raças guzerá, nelore e girolanda. A sede da propriedade tem sete suítes.

Suposto trabalho escravo
O Ministério do Trabalho autuou, em 2001, duas propriedades rurais de Evandro Mutran por utilização de mão-de-obra em condição análoga à escravidão: a própria Peruano e a fazenda Cabaceiras. Ambas ficam entre os municípios de Eldorado do Carajás e Marabá. Também invadida, A Cabaceiras já está ocupada por famílias do MST há cinco anos.
Em entrevista à Folha, por telefone, Mutran refutou a acusação de trabalho escravo e afirmou que vem sendo vítima de perseguição por parte do MST e dos fiscais do Ministério do Trabalho. Além das fazendas, onde cria cerca de 50 mil cabeças de gado, Mutran é exportador de castanha do Pará.
O empresário disse que a fazenda Cabaceiras foi autuada duas vezes pelo Ministério do Trabalho, em 2001 e em 2002, por utilização de trabalho escravo e que um dos motivos da autuação foi a falta de água potável e de alojamentos adequados para os trabalhadores. Segundo ele, a caixa d'água e os alojamentos haviam sido destruídos pelos sem-terra.
""É como autuar um hotel de luxo no Iraque por falta de alojamentos adequados. Minha fazenda está pior do que o Iraque", acrescentou o empresário.

Suspeita de grilagem
A Superintendência Regional do Incra em Marabá afirmou que recomendou a suspensão do despejo dos acampados na fazenda Peruano até que seja realizada uma medição das terras.
De acordo com Gilson Souza Mendes, que é chefe da divisão técnica da superintendência, há suspeita de que parte das terras seja da União. A suspeita foi levantada pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) e pelo MST.
Segundo a CPT de Marabá, a Peruano ocuparia uma área total de 10.800 hectares, dos quais cerca de 6.000 seriam da União.
O proprietário da fazendo contesta o dado. Mutran afirma que comprou a propriedade em 1982 e que ela tem 2.300 hectares a menos do que o total informado pela CPT. O empresário alega ainda que possui a titularidade das terras registrada em cartório.


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