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Distribuição de renda é "grotesca", diz ONU
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
O planeta chega às vésperas de
um novo século com "desigualdades mundiais na renda e níveis de
vida de proporções grotescas".
É o que informa a edição 1999
do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano preparado pelo
Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), tomando como base dados relativos
a 1997 para 174 países.
A qualificação de "grotesca" para as desigualdades ampara-se no
seguinte fato:
"A diferença de renda entre os
20% mais ricos da população
mundial e os 20% mais pobres,
medida pela renda nacional média, aumentou de 30 para 1 em
1960 para 74 para 1 em 1997".
No fundo, essa é uma tendência
muito mais antiga, se se levarem
em conta estatísticas do século
passado, naturalmente menos
completas e refinadas: em 1870,
por exemplo, os 20% mais ricos
tinham renda apenas 7 vezes
maior que a dos 20% mais pobres.
Globalização
O relatório cita esse dado para
justificar a tese central deste ano, a
de que a integração econômica do
planeta -a chamada globalização- tem contribuído para aumentar a desigualdade.
Os desníveis sociais não aumentaram apenas entre países, mas
também dentro de certos países.
Mesmo nações ricas, como as da
OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico, que reúne as 29 nações supostamente mais industrializadas), "registraram grandes
aumentos na desigualdade, depois dos anos 80 -especialmente
a Suécia, o Reino Unido e os Estados Unidos".
A menção específica aos EUA e
ao Reino Unido não é casual: o relatório faz uma forte crítica à globalização da forma como vem
sendo feita, com forte hegemonia
do liberalismo, de que Reino Unido e EUA são campeões.
"Houve uma maior atenção às
normas, padrões, políticas e instituições para abrir os mercados
mundiais do que para as pessoas e
seus direitos", diz o Pnud.
Embora olhe a situação mundial de uma perspectiva de médio
e de longo prazo, o relatório não
deixa de citar problemas conjunturais que contribuíram poderosamente para tornar "grotesca" a
desigualdade atual.
Custos
O texto diz que a turbulência financeira que começou na Ásia em
1997 e depois se espalhou por várias outras regiões causou uma
"redução da produção mundial
(de bens e serviços) num valor estimado em US$ 2 trilhões para o
período 1998-2000".
Para comparação: o mundo
perderá, em produção, nestes três
anos, o equivalente a aproximadamente três Brasis (ou seja, três
vezes tudo o que o Brasil produz
anualmente em bens e serviços,
seu PIB, Produto Interno Bruto).
Para o crescimento da desigualdade, contribuiu igualmente o fato de que a regiões historicamente
marginalizadas (a maior parte da
África, por exemplo) somaram-se
países como a Rússia e a Venezuela, que, nos anos recentes, "pouco
têm se beneficiado da expansão
dos mercados e do avanço da tecnologia".
A brecha na riqueza de nações e
indivíduos chegou a tal ponto que
o relatório afirma que "os ativos
dos três maiores multimilionários
são superiores ao PIB conjunto de
todos os países menos desenvolvidos e dos seus 600 milhões de
habitantes".
Posto de outra forma, significa
dizer que três multimilionários
têm mais renda que 600 milhões
de pobres -uma situação que
não poderia mesmo deixar de ser
classificada como "grotesca".
Globalização assimétrica
O relatório acaba sendo a mais
devastadora crítica à globalização, da forma como vem se impondo no planeta, sem, no entanto, negar o "enorme potencial"
desse mesmo processo.
"Temos mais riqueza e tecnologia e mais compromissos em relação à comunidade mundial do
que antes. Mercados mundiais,
tecnologia mundial, idéias mundiais e solidariedade mundial podem enriquecer a vida das pessoas, por toda parte, aumentando
muito suas escolhas", reconhece o
Pnud.
Mas, em seguida, mostra, com
dados fortes, que o processo, até
agora, produziu aquilo que o presidente Fernando Henrique Cardoso batizou recentemente de
"globalização assimétrica" -ou
seja, em benefício de poucos.
A assimetria está dada pelo fato
de que a parcela de 20% da população mundial que vive nos países
de renda mais elevada concentra
o seguinte: 86% do PIB mundial;
82% das exportações mundiais;
68% do investimento direto estrangeiro (aquele que se dirige à
produção, não a papéis); 74% das
linhas telefônicas.
Para os 20% mais pobres, sobrava, de todos esses itens, apenas
1%, exceto no número de telefones (1,5%).
Assimetria também verificável
no fato de que apenas 40 países
mantiveram crescimento médio
da renda per capita de mais de 3%
ao ano, ao passo que 80 países ainda têm renda mais baixa que há
uma década ou mais, e outros 55
(principalmente na África, na Europa do Leste e nos países desmembrados da extinta União Soviética) tiveram renda per capita
decrescente.
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