São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2007

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ANÁLISE

A viagem e a "missão etanol"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo México e por países centro-americanos mais Jamaica, no Caribe, acabou monopolizada pelo que Lula está tratando como missão de sua vida, qual seja a de fazer o que chama de "revolução" (mundial) na área de energia, por meio da disseminação do etanol e, mais genericamente, dos biocombustíveis.
A lógica do presidente é simples e tem de fato sentido: países pobres como os centro-americanos e caribenhos podem ter no plantio de cana-de-açúcar para a produção de etanol o melhor e mais rápido caminho para ganharem uma ferramenta de desenvolvimento.
Para isso, no entanto, é preciso convencer o mundo rico de duas coisas, a saber:
1) Entrar com os recursos para investir nos biocombustíveis, já que o Brasil, sem dinheiro disponível, só pode fornecer a tecnologia, que é tida como a mais eficiente do mundo.
2) Levantar as barreiras ainda existentes, na Europa e nos Estados Unidos, para a importação do etanol.
Essa etapa, junto aos ricos, já foi cumprida este ano mesmo. Primeiro, com a assinatura de um "memorando de entendimento" com os Estados Unidos. Depois, com documento idêntico para a constituição de uma "parceira estratégica" com a União Européia, momento que serviu de gancho para que Lula fizesse a sua pregação (e pregação neste caso não é figura de linguagem) em favor do etanol/biocombustíveis.
Medir, portanto, os resultados da viagem recém-encerrada pelos acordos firmados ou não é fechar demais o foco. Como se trata de um processo de catequese, seus frutos vão aparecer, se aparecerem, mais adiante. O presidente tem pela frente dois outros momentos, ainda este ano, para levar adiante a "missão" evangelizadora em favor de combustíveis mais limpos.
Primeiro, a reunião que o presidente George Walker Bush está convocando para o outono (no Hemisfério Norte) com 15 países-chaves para a equação enérgetico-ambiental (o Brasil entre eles, como é óbvio). Depois, mais para o fim do ano, a Conferência de Bali na Indonésia, em que as Nações Unidas tentarão esboçar o pós-Protocolo de Kyoto, a primeira tentativa de estabelecer regras para reduzir o aquecimento global a níveis toleráveis.
Para Lula, a melhor maneira de fazê-lo é trocar petróleo pelos combustíveis mais limpos.

Disputa com Chávez
Ainda que o foco central da viagem tenha sido a pregação quase monotemática do presidente a respeito do etanol, ela teve também um efeito lateral, no caso específico do México, menos por iniciativa do Brasil e mais do presidente Felipe Calderón.
Calderón já vinha sinalizando há algum tempo seu desejo de aproximar-se do Mercosul, para compensar ao menos um pouquinho a absoluta dependência mexicana do mercado e dos humores dos Estados Unidos. Aliás, o antecessor de Calderón, seu companheiro de partido Vicente Fox, já havia anunciado, no finalzinho de 2005, sua intenção de levar o México à condição de membro pleno do bloco sul-americano até o fim do primeiro semestre de 2006.
À Folha Fox chegou a fazer uma declaração insólita: "Quero fazer amor com o Mercosul".
As relações carnais não se consumaram até porque entrou um terceiro personagem na história, o venezuelano Hugo Chávez, cujo processo de adesão plena ao bloco está em andamento.
Como Fox não era (e Calderón tampouco o é) amigo de infância de Chávez, o potencial de conflito para uma aproximação maior entre o México e o Mercosul está sempre presente, o que, em tese, acabaria caindo nas mãos de Lula para arbitrar.
Em parte por isso, a mídia internacional viu nas viagens simultâneas de Lula e Chávez por países latino-americanos uma disputa pela liderança regional, o que é falso.
O Brasil, seja qual for o presidente, é o líder natural no sub-continente, pelo seu tamanho e peso populacional e econômico. Chávez pode disputar liderança apenas junto aos presidentes de esquerda. Mesmo assim, nem todos. Tanto que a Alba (Aliança Bolivariana das Américas, alternativa chavista à Alca) só conseguiu até agora a adesão de Bolívia, Cuba e Nicarágua, países que não chegam a ser gigantes regionais.
O problema é que Chávez, com a disseminação do petróleo pelos países da região, embaça a pregação de Lula por um combustível mais limpo.
Aí, sim, há uma disputa. Por enquanto, ganha Chávez porque o petróleo já está jorrando há anos, ao passo que o etanol é uma aposta para o futuro.


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