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ANÁLISE
A viagem e a "missão etanol"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A viagem do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva pelo México e por países centro-americanos mais Jamaica, no Caribe,
acabou monopolizada pelo que
Lula está tratando como missão de sua vida, qual seja a de fazer o que chama de "revolução"
(mundial) na área de energia,
por meio da disseminação do
etanol e, mais genericamente,
dos biocombustíveis.
A lógica do presidente é simples e tem de fato sentido: países pobres como os centro-americanos e caribenhos podem ter no plantio de cana-de-açúcar para a produção de etanol o melhor e mais rápido caminho para ganharem uma ferramenta de desenvolvimento.
Para isso, no entanto, é preciso convencer o mundo rico de
duas coisas, a saber:
1) Entrar com os recursos para investir nos biocombustíveis, já que o Brasil, sem dinheiro disponível, só pode fornecer
a tecnologia, que é tida como a
mais eficiente do mundo.
2) Levantar as barreiras ainda existentes, na Europa e nos
Estados Unidos, para a importação do etanol.
Essa etapa, junto aos ricos, já
foi cumprida este ano mesmo.
Primeiro, com a assinatura de
um "memorando de entendimento" com os Estados Unidos. Depois, com documento
idêntico para a constituição de
uma "parceira estratégica" com
a União Européia, momento
que serviu de gancho para que
Lula fizesse a sua pregação (e
pregação neste caso não é figura de linguagem) em favor do
etanol/biocombustíveis.
Medir, portanto, os resultados da viagem recém-encerrada pelos acordos firmados ou
não é fechar demais o foco. Como se trata de um processo de
catequese, seus frutos vão aparecer, se aparecerem, mais
adiante. O presidente tem pela
frente dois outros momentos,
ainda este ano, para levar
adiante a "missão" evangelizadora em favor de combustíveis
mais limpos.
Primeiro, a reunião que o
presidente George Walker
Bush está convocando para o
outono (no Hemisfério Norte)
com 15 países-chaves para a
equação enérgetico-ambiental
(o Brasil entre eles, como é óbvio). Depois, mais para o fim do
ano, a Conferência de Bali na
Indonésia, em que as Nações
Unidas tentarão esboçar o pós-Protocolo de Kyoto, a primeira
tentativa de estabelecer regras
para reduzir o aquecimento
global a níveis toleráveis.
Para Lula, a melhor maneira
de fazê-lo é trocar petróleo pelos combustíveis mais limpos.
Disputa com Chávez
Ainda que o foco central da
viagem tenha sido a pregação
quase monotemática do presidente a respeito do etanol, ela
teve também um efeito lateral,
no caso específico do México,
menos por iniciativa do Brasil e
mais do presidente Felipe Calderón.
Calderón já vinha sinalizando há algum tempo seu desejo
de aproximar-se do Mercosul,
para compensar ao menos um
pouquinho a absoluta dependência mexicana do mercado e
dos humores dos Estados Unidos. Aliás, o antecessor de Calderón, seu companheiro de
partido Vicente Fox, já havia
anunciado, no finalzinho de
2005, sua intenção de levar o
México à condição de membro
pleno do bloco sul-americano
até o fim do primeiro semestre
de 2006.
À Folha Fox chegou a fazer
uma declaração insólita: "Quero fazer amor com o Mercosul".
As relações carnais não se
consumaram até porque entrou um terceiro personagem
na história, o venezuelano Hugo Chávez, cujo processo de
adesão plena ao bloco está em
andamento.
Como Fox não era (e Calderón tampouco o é) amigo de infância de Chávez, o potencial
de conflito para uma aproximação maior entre o México e
o Mercosul está sempre presente, o que, em tese, acabaria
caindo nas mãos de Lula para
arbitrar.
Em parte por isso, a mídia internacional viu nas viagens simultâneas de Lula e Chávez
por países latino-americanos
uma disputa pela liderança regional, o que é falso.
O Brasil, seja qual for o presidente, é o líder natural no sub-continente, pelo seu tamanho e
peso populacional e econômico. Chávez pode disputar liderança apenas junto aos presidentes de esquerda. Mesmo assim, nem todos. Tanto que a Alba (Aliança Bolivariana das
Américas, alternativa chavista
à Alca) só conseguiu até agora a
adesão de Bolívia, Cuba e Nicarágua, países que não chegam a
ser gigantes regionais.
O problema é que Chávez,
com a disseminação do petróleo pelos países da região, embaça a pregação de Lula por um
combustível mais limpo.
Aí, sim, há uma disputa. Por
enquanto, ganha Chávez porque o petróleo já está jorrando
há anos, ao passo que o etanol é
uma aposta para o futuro.
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